Descarbonizar o transporte urbano de carga deve ser prioridade, mas faltam políticas públicas
A vocação para a movimentação de bens e pessoas está na origem das cidades. Hoje, os centros urbanos têm no setor de transportes um de seus grandes desafios. Um dos principais responsáveis pelas emissões urbanas de gases de efeito estufa (GEE), o transporte ainda tem outras tantas externalidades negativas, como as milhares de mortes causadas todos os anos por sinistros de trânsito e poluição do ar.
Mas é também nas cidades que a descarbonização do transporte avança mais rápido. Impulsionada por políticas de incentivo e pelo ambiente propício à inovação, a venda de carros elétricos disparou no Brasil nos últimos anos. A eletromobilidade no transporte coletivo pode seguir caminho semelhante, com o anúncio recente, pelo Governo Federal, do financiamento de cerca de 2,3 mil ônibus elétricos no âmbito do Novo PAC.
Um setor estratégico, por enquanto, tem passado ao largo das políticas: o transporte de carga. O aumento do comércio eletrônico e da demanda por entregas gerado por plataformas digitais nos últimos anos tem alterado as dinâmicas no uso do espaço viário, seja para circulação ou para estacionamento. Em regiões mais densamente povoadas, este aumento por si só é um desafio – que poderia ser atenuado com a descarbonização do setor.
Uma nova parceria busca promover ações coordenadas para impulsionar a descarbonização do transporte urbano de carga. Firmada pelo WRI Brasil com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e financiamento da Drive Electric Campaign, a iniciativa está formando uma coalizão com o objetivo de desenvolver diretrizes nacionais de descarbonização do transporte urbano de carga. Ao considerar as particularidades do segmento de logística, as políticas voltadas para a descarbonização do transporte podem aproveitar o momento oportuno para a promoção da qualidade de vida e o desenvolvimento da indústria.
Por que descarbonizar o transporte de carga?
O Brasil está em uma posição privilegiada para a descarbonização do transporte, em especial com a adoção de veículos elétricos: com 88% de participação de fontes renováveis, a matriz elétrica do país é uma das mais limpas e renováveis do mundo.
A NDC do Brasil no âmbito do Acordo de Paris estabelece o compromisso com a neutralidade de carbono até 2050, com redução de 53% das emissões até 2030, em comparação aos níveis de 2005. O transporte tem um papel importante na transição energética: a atividade responde por 72% do consumo de óleo diesel e por 52,6% das emissões do setor de energia, terceiro maior emissor de GEE.
Existem diversas maneiras de reduzir as emissões do transporte de carga. A adoção de veículos limpos é uma dessas formas, e deve ser implementada em conjunto com outras. Por exemplo, o aumento da eficiência logística, o planejamento do uso do solo com múltiplas centralidades e integrado à rede de transportes, entre outros.
Por que começar pelas cidades?
Um relatório do Fórum Econômico Mundial estima que, em 2030, a crescente demanda por comércio eletrônico levará a um aumento de 36% no volume de veículos de entrega em 100 grandes cidades. Esse crescimento impacta as emissões de carbono, mas também a qualidade de vida nas áreas urbanas, incluindo o impacto deletério dos poluentes locais na saúde pública.
O potencial de benefícios da descarbonização para a saúde é tremendo: a eletrificação dos veículos de carga permitiria reduzir de forma mais rápida as emissões de material particulado (MP) e outros poluentes locais, responsáveis por milhares de mortes todos os anos.
Centros urbanos também oferecem as condições mais favoráveis à descarbonização. A concentração de atividades econômicas e fluxos logísticos torna mais eficientes os investimentos em infraestruturas e tecnologias. As distâncias curtas e a alta densidade de entregas que caracterizam o transporte de última milha, predominante em áreas urbanas, também favorece o uso de veículos elétricos, além da micromobilidade e de hubs de distribuição.
Além disso, a tecnologia de eletrificação para veículos de pequeno e médio porte, que predominam nas operações urbanas, está mais bem desenvolvida, o que facilita sua adoção em larga escala. Descarbonizar esses veículos pode contribuir para o desenvolvimento e a adoção de tecnologias de emissão zero no transporte rodoviário de longa distância, responsável por uma parcela significativa das emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Brasil não dispõe de políticas para o setor
É em resposta a esse cenário, a um só tempo desafiador e promissor, que o WRI Brasil está apoiando o Governo Federal. A primeira etapa do processo, um mapeamento de políticas nacionais e internacionais relevantes, revelou uma lacuna de políticas de incentivo e de metas de descarbonização do transporte de cargas no país.
O levantamento analisou iniciativas de nível federal, entre políticas públicas, programas privados e de governos, e programas federais de financiamento para o setor de transporte. Das 23 iniciativas analisadas, apenas quatro especificam o setor de carga, e nenhuma apresenta estratégias específicas para descarbonização dos veículos.
Como outros países tratam o tema
Diversos países estão adotando medidas abrangentes para descarbonizar o transporte urbano de carga. Em geral, as políticas veiculares incluem a criação de incentivos financeiros para tecnologias limpas, a expansão da infraestrutura de recarga e a regulamentação de novas tecnologias. Também são implementados programas de capacitação e pesquisa, além de medidas públicas e metas específicas.
Exemplos incluem o Chile, que visa a eletrificação total das vendas de veículos de carga rodoviária e ônibus interurbano até 2045, com medidas como zonas de baixa emissão e construção de sistemas de recarga. A China está aumentando a frota de caminhões de emissão zero, com metas para instalar usinas de hidrogênio e carregadores públicos, além de oferecer subsídios e isenções fiscais. Na Índia, o programa e-FAST, apoiado pelo WRI India, promove a colaboração entre governo e setor privado para a eletrificação do transporte rodoviário, com metas de implantar 15 mil caminhões elétricos em cinco anos e desenvolver uma abordagem financeira autossustentável.
Diretrizes para a descarbonização
É importante que as políticas para a descarbonização estejam alinhadas. Uma estratégia ampla de nível nacional deve orientar estratégias específicas. O alinhamento nos vários níveis reduz incertezas e facilita o progresso dos investimentos e do desenvolvimento da cadeia necessária para a descarbonização. O Brasil conta com um repertório amplo de iniciativas para a descarbonização do transporte, incluindo incentivos fiscais, planos de longo prazo e programas de desenvolvimento industrial e energético, no entanto, ainda carece de uma diretriz que as alinhe.
As próximas etapas do trabalho do WRI Brasil com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima envolvem a formação, já em curso, de uma coalizão de atores por meio de reuniões, entrevistas e engajamento. Por fim, serão realizados workshops setoriais no segundo semestre de 2024, em que serão elaboradas, de forma conjunta, propostas de diretrizes nacionais para descarbonização do transporte urbano de carga. O resultado será compartilhado com Governo Federal em 2025.