A experiência de 3 cidades com as Zonas de Baixa Emissão de Poluentes
A renovação da frota de veículos de uma cidade ou região pode ser estimulada pela modificação de uma parcela pequena do território. A poluição do ar que coloca em risco a saúde da população é causada na maioria das vezes pelo setor de transportes e, por isso, é preciso promover a redução de emissões veiculares e tirar de circulação os veículos mais poluentes. Esses são os principais objetivos das Zonas de Baixa Emissão de Poluentes, mais conhecidas pelo termo em inglês Low Emission Zones (LEZ), que estão se espalhando em grandes cidades ao redor do mundo.
A qualidade do ar nas cidades é um motivo de preocupação cada vez maior. À medida em que o uso dos veículos particulares individuais cresceu e a população aumentou, o ar nos ambientes urbanos foi se deteriorando. Isso implica em sérios problemas de saúde para a população e, consequentemente, para a economia.
As LEZ são áreas dedicadas ao controle de emissões através da aplicação de limites de poluentes veiculares e tem como principal finalidade melhorar a qualidade do ar de determinada região. Em muitos casos, essas zonas podem incluir políticas de taxação de congestionamento voltadas à redução da presença de automóveis. Ambas têm diferentes objetivos, são propostas diferentes, mas se complementam como soluções para os desafios da sustentabilidade do setor de transportes.
Para os usuários que precisam pagar para circular na região – no caso da aplicação da taxação de congestionamento –, ou então investir em veículos mais novos e menos poluentes – para poder circular nas LEZ –, as práticas podem gerar contrariedades. O sucesso de uma LEZ vai depender muito da maneira como a medida é comunicada e promovida. Além disso, é importante consultar a população e todos os interessados sobre a maneira mais adequada e justa de operação, para que fiquem claros objetivos e estratégias.
Ainda que seja mais difícil a avaliação, é possível esperar que as LEZ resultem na diminuição dos níveis de poluentes do ar também fora da área delimitada, já que veículos mais limpos irão circular por toda a cidade.
Políticas de LEZ vêm sendo implementadas em dezenas de cidades ao redor do mundo, especialmente na Europa, com alguns resultados positivos na redução de poluentes. Conheça a experiência em três cidades:
Berlim
Berlim tem um dos menores índices de uso de carro per capita da Europa, mas ainda assim registra elevados níveis anuais de material particulado (MP) e de dióxido de nitrogênio (NO2) no ar, tendo nos veículos os maiores emissores desses poluentes – 36% das emissões de MP e 47% das emissões de NOx (dióxido de nitrogenio e monóxido de nitrogênio).
Em 2006, o governo alemão implementou uma política de LEZ a ser adotada em escala nacional. A “Umweltzone” define que os veículos deverão ser identificados por adesivos emitidos pelo governo identificando o padrão Euro do veículo e se possuem filtro de partículas de acordo com uma classificação de níveis de emissões. Os veículos mais poluentes, anteriores a 1997 (Euro 1), não possuem adesivo e não pode acessar a “Umweltzone".
Placa indicando a Umweltzone em Berlim (Foto: Frank M. Rauch/Wikimedia Commons)
Berlim, Colônia e Hanover foram as primeiras cidades alemãs a implementarem a LEZ. Em Berlim, a área cobre 88km² da área central da cidade, o que representa 10% da área urbana total e incorpora um milhão de residentes. A restrição se aplica a todos os tipos de veículos, sem isenções para residentes ou comerciantes.
A cidade sempre envolveu diferentes atores sociais desde o início dos processos de elaboração dos projetos, especialmente organizações não-governamentais e associações de comércio local, reduzindo assim os riscos de falhas e facilitando a implementação da política.
A implementação do plano de ação para melhorar a qualidade do ar de Berlim aconteceu em duas etapas, de acordo com os selos dos veículos. Na primeira, em que os selos vermelho, amarelo e verde eram autorizados a entrar na área delimitada, os níveis de MP foram reduzidos em 25% e os de NOx em 15%, quando comparados ao cenário-base. Na segunda etapa, que só permitia a circulação de selos verdes, os níveis de MP reduziram 54% e os de NOx, 20%. Em 2010, a concentração de material particulado 10 (MP 10) era 7% menor na comparação com o cenário-base.
De acordo com estudos baseados em medições dentro e fora da “Umweltzone”, houve redução nos níveis de PM10 nos dois casos. Até 2012, dentro da zona houve uma redução de 17,1%, enquanto fora da “Umweltzone” houve uma redução de 14.2%.
Santiago
Santiago, capital e maior cidade do Chile, apresenta uma preocupante degradação da qualidade do ar nas últimas décadas. Segundo a Terceira Pesquisa Nacional Ambiental do Chile, realizada em 2017, 47,9% da população declarou que o principal problema que os afeta na cidade é a baixa qualidade do ar. O setor de transportes é o principal responsável pelas emissões de material particulado PM10 e PM2.5, representando 43,7% e 41%, respectivamente, de acordo com um estudo realizado em 2014 pela Universidade de Santiago (Usach). Ele ainda contribui com 76,6% das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx), 93,4 de hidrocarbonetos (HCs), 81,2% de monóxido de carbono (CO) e 79,2% de dióxido de carbono (CO2).
Mesmo após a implementação da prática do Rodízio de Placas na cidade, em 1986, Santiago permanecia com graves problemas de poluição. Em 1998, foi elaborado o Plano de Prevenção e Descontaminação Atmosférica da Região Metropolitana (PPDA (PPDA), que ainda tinha o Rodízio como estratégia central, mas previa restrições ainda maiores.
Originalmente, o rodízio era destinado somente aos veículos que não possuíam o Selo Verde (dado a veículos com dispositivo catalisador para reduzir a toxicidade das emissões veiculares). No PPDA, foi estabelecida uma restrição permanente para veículos sem o conversor catalítico e criado um sistema de episódios ambientais críticos (alerta, pré-emergência e emergência).
Como medidas complementares, durante episódios críticos de qualidade do ar, Santiago tem adotado uma estratégia denominada Ejes Ambientales (Eixos Ambientais). Os Eixos Ambientais são vias importantes da cidade que tem circulação exclusiva do transporte coletivo em situações de emergência. Complementarmente ao rodízio de placas, também entraram em vigor restrições às atividades industriais, que são obrigadas a parar temporariamente suas atividades durante episódios críticos.
Durante episódios de alerta, os níveis de PM10 e PM2.5 reduziram de 5% a 7%, enquanto nos episódios pré-emergenciais a redução dos materiais particulados chega a 12%. Outro importante resultado do rodízio de placas de Santiago foi o impacto na frota de veículos, que se renovou devido à procura por veículos mais recentes com o Selo Verde. Tal resultado decorre de uma comparação da Região Metropolitana de Santiago com outros 293 municípios do Chile, não afetados pelo rodízio. Dados referentes ao censo de 1998 e 2006 descartam a hipótese que a medida tenha incentivado a aquisição do segundo carro.
Milão
Milão, que forma uma das grandes regiões metropolitanas da Itália, possui uma das maiores taxas de utilização de carros da Europa e está entre as cidades com ar mais poluído no continente, sendo que 60% da poluição do ar é proveniente de automóveis e motocicletas.
Rua inserida na Área C de Milão (Foto: Ita140188/Wikimedia Commons)
Em 2008, Milão instituiu o EcoPass em uma área de cerca de 8km² chamada Cerchia dei Bastioni. Ela foi definida como uma região que limitaria o acesso de veículos baseado nos padrões de emissões Euro, na qual veículos mais poluentes deveriam pagar uma taxa para circularem.
O projeto italiano tinha como principais objetivos a renovação de frota e a redução de congestionamento. Um ano depois, em 2010, os níveis de tráfego e poluição do ar já apresentavam resultados positivos. Porém, à medida que a frota veicular foi sendo renovada e que um número maior de veículos mais limpos pôde ingressar na zona, o efeito do Ecopass sobre os níveis de congestionamento foi reduzido, aumentando as dúvidas sobre a real eficácia da política para a gestão da demanda de viagens. Porém, um referendo questionando a população se o Ecopass deveria continuar legitimou o programa e orientou o aprimoramento da nova fase da política.
Em 2012, o Ecopass foi reformulado e se tornou a Área C, que combina um sistema de taxação de congestionamento e um sistema baseado em níveis de emissões veiculares (pollution charging). O governo municipal investiu na oferta de alternativas ao automóvel privado, como sistemas de carros e bicicletas compartilhadas. Levando em consideração os impactos da implementação da Área C, de acordo com os dados disponibilizados em 2015, é possível identificar as seguintes reduções nos níveis de poluição quando comparados ao ano de 2010: PM10 total 63%, NO2 35%, NOx 32%, N2O 28%.