Bogotá deu um passo importante em nome da mobilidade urbana sustentável, da qualidade do ar e da saúde de seus habitantes. Até o final de 2020, 483 ônibus elétricos entrarão em operação na cidade. Um movimento que pode salvar até 80 vidas e evitar até 2.902 hospitalizações nos próximos 30 anos (período acumulado), segundo um estudo realizado pelo WRI que tornou visíveis os custos implícitos da poluição do ar.

Os números podem ser ainda mais animadores, visto que essas estimativas foram calculadas com base em licitação de novembro de 2019 para aquisição de 379 ônibus elétricos. Após a conclusão da licitação, aditivos contratuais aumentaram esse número para 483 veículos, os quais serão gradualmente incorporados à frota provisória de ônibus do Sistema Integrado de Transporte Público de Bogotá (SITP) ao longo deste ano. Há uma oportunidade de obter mais benefícios, pois a capital colombiana tem intensificado a transição tecnológica de sua frota.

É mais uma iniciativa de Bogotá em prol do bem-estar da população. Recentemente, a prefeita Claudia López inaugurou 35 quilômetros adicionais de ciclovias temporárias para contribuir para a mobilidade urbana durante o enfrentamento da crise da Covid-19.

Salvando vidas, o sistema de ônibus e o planeta

Em dezembro, o então prefeito Enrique Peñalosa comemorou o início da operação do primeiro ônibus da frota elétrica como "o primeiro passo importante para tornar Bogotá a cidade com a maior frota de ônibus elétricos da América Latina". É uma disputa acirrada com Santiago do Chile, que já possui mais de 400 ônibus elétricos em operação. O Chile e a Colômbia já possuem as maiores frotas de ônibus elétricos fora da China.

Com benefícios que variam da melhoria da qualidade do serviço à redução de emissões, os ônibus elétricos são a chave para transformar a mobilidade nas cidades em sintonia com o desenvolvimento urbano sustentável. São mais confortáveis e silenciosos, vibram menos e oferecem serviços como carregadores USB e ar-condicionado. Vantagens aparentemente pequenas que, juntas, tornam a mudança de modal mais atraente, o que pode reduzir deslocamentos de carro e moto, geradores de externalidades negativas como congestionamento e aumento dos índices de acidentes.

Apesar de ônibus elétricos requererem um investimento inicial maior, durante a vida útil dos veículos os custos de operação e manutenção são mais baixos, o que acaba gerando economia e reduzindo as emissões de gases de efeito estufa. A adoção da tecnologia poderia ser remunerada por um mercado consolidado de carbono: os ônibus elétricos não emitem gases de efeito estufa no escapamento, uma vez que não há combustão. Quanto mais limpa for a matriz elétrica do local onde os veículos elétricos operam, menor será seu impacto climático.

Mas um dos argumentos mais tangíveis para incentivar a adoção de ônibus com zero emissão é a saúde da população. Isso se deve ao fato de a emissão de material particulado (MP), que causa doenças cardiovasculares e respiratórias, ter acentuado impacto local: aqueles que circulam nos ônibus e perto de corredores são especialmente afetados pelas partículas emitidas junto aos gases de escape, pela frenagem e pelo desgaste de diferentes partes dos ônibus.

Sobre poluentes, saúde e economia

É este o aspecto investigado pelo estudo “Implementação de mecanismos financeiros inovadores para a transição para frotas de ônibus mais limpas na Colômbia”: a redução de hospitalizações e mortes por doenças respiratórias e cardiovasculares devido à redução nas emissões de material particulado de 2,5 e 10 micrômetros - os chamados MP2.5 e MP10.

O principal objetivo do estudo é apoiar a cidade de Bogotá no planejamento da implantação elétrica completa da Fase V do TransMilenio. Esse projeto integra o programa UK PACT do Departamento de Negócios, Energia e Estratégia Industrial britânico e é parte do compromisso do Reino Unido com o financiamento climático internacional do clima, como parte do esforço global para combater as mudanças do clima.

O estudo estimou os impactos para a substituição de toda a frota provisional do SITP em dois cenários: um em que se eletrificasse a frota que cumpre todas as rotas das 18 UF (zonas) dos ônibus provisionais; outro em que cinco zonas adotassem uma frota elétrica e as outras 13 adotassem ônibus com os padrões Euro VI, modelos a gás ou diesel com tecnologia de filtragem que reduz drasticamente as emissões. Por fim, foi calculado o impacto específico da substituição dos 379 ônibus licitados em novembro de 2019.

O impacto da poluição do ar na saúde e na economia não é direto, mas resulta de uma série de fatores relacionados. A metodologia utilizada pelo WRI segue uma sequência semelhante, em três etapas principais. Primeiro, mediu-se o impacto ambiental, ou seja, a redução de emissões resultante da substituição de ônibus a diesel antigos (tecnologia Euro II) por ônibus elétricos; depois, o impacto epidemiológico da redução da poluição no número de mortos e doentes; e, por fim, o impacto na economia e no bem-estar gerado por mortes e doenças prematuras evitadas.

Ônibus antigos eram dotados de tecnologia Euro II, muito poluente (foto: Felipe Restrepo Acosta/CC)

O modelo para estimativas de variação de poluentes foi ajustado para a cidade de Bogotá e leva em consideração vários fatores, como temperatura e direção do vento em seis estações meteorológicas, representativas das condições gerais da cidade. As emissões de material particulado foram estimadas a partir do número total de veículos a diesel que compunham a frota a ser substituída e a redução nos níveis de emissão e concentração de poluentes que resultariam da sua substituição por ônibus elétricos.

O segundo passo foi medir o impacto dessa redução na saúde pública com base em dados epidemiológicos. Estimou-se, com base nas informações fornecidas pela Secretaria de Saúde do Distrito de Bogotá, quantas mortes e hospitalizações seriam evitadas levando em conta doenças cardiovasculares e respiratórias causadas ou agravadas pelo contato com as partículas em suspensão.

Hospitalizações e mortes têm impactos significativos no bem-estar e na economia, e o estudo WRI estimou esses impactos usando duas metodologias consolidadas:

  • Custo da doença (COI): estimativa que leva em consideração o impacto financeiro, cobrindo custos diretos da doença (despesas de hospitalização) e custos indiretos (ausências no trabalho devido a doença).

  • Valor estatístico da vida (VSL): estimativa econômica que mede quanto as pessoas estão dispostas a pagar, considerando não apenas os impactos em sua renda, mas também em seu bem-estar, para reduzir marginalmente o risco de morrer (no caso deste estudo, devido à poluição do ar). O número serve como um indicador dos ganhos de bem-estar das mortes evitadas.

A estimativa baseada no custo da doença dá a dimensão do impacto financeiro da contaminação. No caso de Bogotá, doenças e hospitalizações prevenidas pela eletrificação planejada podem evitar perdas anuais de cerca de US$ 50 mil, entre custos diretos, como hospitalizações, e custos indiretos, como perda de dias de trabalho. Em um período acumulado de 30 anos, a cidade evitaria o custo acumulado de mais de 800 milhões de dólares.

Segundo a análise dos dados, em um período acumulado de 30 anos, com a variação nos custos de doenças, a cidade poderia fornecer à população aproximadamente 850 locais adicionais de hospitalização.

É importante observar que a metodologia permite resultados estatisticamente confiáveis com uma abordagem estratégica. Portanto, os resultados quantitativos devem ser interpretados como estimativas que indicam a existência de impactos, custos e sua respectiva magnitude, e não como uma expressão dos valores exatos de casos epidemiológicos e custos relacionados à renovação da frota.

Exemplo a seguir - inclusive em Bogotá

Ao demonstrar os benefícios à saúde e, consequentemente, à economia, o estudo WRI pode encorajar a adoção mais ampla de ônibus elétricos na capital colombiana e na América Latina. A última licitação para o componente troncal do TransMilenio, em 2018, acabou não priorizando veículos elétricos, que à época ainda eram pouco disponíveis em modelos articulados, necessários à operação do BRT. Mas esses e outros desafios têm sido superados.

Até a implementação do sistema BRT TransMilenio, em 2000, Bogotá não era um bom exemplo em termos de transporte coletivo. Desde então, não sem “dores de crescimento", a cidade tem dado passos importantes em direção à sustentabilidade do sistema de transporte coletivo. Mas a adoção de centenas de ônibus elétricos e os benefícios projetados pelo estudo do WRI são o passo mais significativo: são a única tecnologia capaz de gerar zero emissões, fundamental para um futuro livre de combustíveis fósseis e das consequências catastróficas de seu uso continuado.

Bogotá é um bom exemplo da importância da sociedade civil na condução das ações climáticas por governos. Em 2018, foram necessárias pressão social e política para que o governo municipal modificasse o processo de licitação, dando às tecnologias mais limpas alguma vantagem competitiva. O que seria uma "renovação" um tanto contraditória terminou no meio termo: dos 1.441 ônibus para a renovação do TransMilenio, 741 são a gás Euro VI (que reduzem as emissões de partículas em 99%) e os demais 700 são veículos Euro V com filtro (que reduzem as emissões em 95%).

Políticas públicas também têm consolidado um quadro de mais oportunidades na cidade. No ano passado, foi sancionada a Lei de Mobilidade Elétrica e Sustentável, que garante incentivos de 150 milhões de pesos colombianos por meio de isenções de IVA e outros impostos.