A Conferência Mundial sobre Restauração Ecológica, organizada pela Society of Ecological Restoration (SER), é um evento bienal destacado como o mais importante no mundo para as discussões sobre recuperação de ecossistemas degradados, danificados ou destruídos. A atual edição acontece pela primeira vez no Brasil e na América do Sul. O WRI Brasil é uma das organizações patrocinadoras. Acompanhe as atualizações neste blog.


Metas globais são essencialmente desafiadoras. A maioria dos países comprometeu-se com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) ou o Acordo de Paris, para citar dois exemplos, e discute agora como transformar tais intenções em ações práticas.

A restauração de paisagens degradadas é um desses mecanismos práticos capazes de mitigar os impactos da mudança do clima no planeta e gerar benefícios financeiros, ambientais e sociais. Para o Brasil, é potencialmente uma das principais contribuições junto à redução do desmatamento. O país está comprometido com a restauração de 12 milhões de hectares de florestas e a promoção do desmatamento ilegal zero até 2030.

“A restauração ecológica [processo e prática de auxiliar a recuperação de um ecossistema que foi degradado, danificado ou destruído] é uma oportunidade para mitigar os impactos negativos das mudanças climáticas. Cada paisagem tem um tipo de necessidade de restauração e envolve diferentes atores. Portanto, também é um processo social”, aponta a diretora do Instituto de Investigação de Recursos Biológicos Alexander von Humboldt na Colômbia, Brigitte Baptiste, em palestra durante a SER2017.

A governança, se bem conduzida, torna eficiente a restauração em uma determinada paisagem. O Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2017 destaca a governança como elemento-base para que governos e organizações não estatais – como empresas, universidades e sociedade civil – superem os desafios da mudança do clima no Brasil e no mundo.

O facilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, Marcelo Furtado, diz que para a boa governança existir, é necessário que governos e organizações estejam alinhados em um propósito comum.

“Você abre mão de algumas coisas para favorecer o coletivo. Veja, as relações entre os atores precisam ser balizadas pela confiança. É sempre assimétrica essa relação por natureza. Outro ponto fundamental é transparência radical. Tudo o que é feito em mesa aberta funciona melhor no longo prazo. As pessoas acessam a informação e valorizam a pergunta 'Estamos caminhando juntos?’”, diz.

A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura é um movimento multissetorial que reúne mais de 150 empresas, associações empresariais, centros de pesquisa e organizações da sociedade civil para promover o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono.

Paisagem originalmente coberta com florestas próxima a Durban reserva potencial para ser restaurada (Foto: jbdodane/flickr)

Paisagem originalmente coberta com florestas próxima a Durban reserva potencial para ser restaurada (Foto: jbdodane/flickr)

Desafios de Durban

Durban (em zulu, eThekwini), na África do Sul, tem 3,4 milhões de habitantes e um território de 229 mil hectares banhado pelo Oceano Índico a oeste e por florestas e savanas nativas e uma cadeia de montanhas a leste.

A cidade sul-africana incorporou como política púbica o planejamento e a entrega de serviços ecossistêmicos, como água limpa, regulação de enchentes, proteção do solo e controle de erosão, sequestro de carbono, polinização e outros serviços culturais e recreativos.

“Começamos com o manejo de áreas prioritárias de florestas na década de 1990. Aos poucos, fomos notando o potencial de fazer restauração e reflorestamento com espécies nativas, essencial para a manutenção da biodiversidade – não apenas grandes porções degradadas, mas também áreas menores em subúrbios e jardins públicos para que sirvam de corredores de vida silvestre. Com a mudança do clima, aumentou a chance de migração de espécies na região”, explica o coordenador de Implementação do Projeto de Biodiversidade, Clima e Verde em Durban, Errol Douwe.

Apesar do incentivo público, Douwe destaca a necessidade constante de influenciar e engajar atores locais para a tomada de decisão a favor da restauração e conservação.

“Enfrentamos resistência na implementação desses mecanismos no espaço público. Fazemos oficinas e seminários com estudantes, pesquisadores e profissionais a cada dois ou três meses. Demora de dois a três anos para que um mesmo grupo de pessoas fique mais confortável”, diz.

A sensibilização da população local também é importante para restaurar o ecossistema local nos subúrbios e também na área urbana.

“Parte do desafio é mostrar a relação dos serviços ecossistêmicos com a biodiversidade e o bem-estar de todos. Mostrar, por exemplo, que a água de um córrego que passa por uma reserva natural, com florestas ou vegetação natural nas margens e expostas aos raios ultravioletas do sol, efetivamente melhora de qualidade. E isso impacta a qualidade da água em toda a área da municipalidade e reduz os custos de saneamento básico”, afirma.

Em Queluz (SP): a porção paulista do Vale do Paraíba guarda fragmentos importantes de mata atlântica (Foto: Carlos Ramalhete/flickr)

Em Queluz (SP): a porção paulista do Vale do Paraíba guarda fragmentos importantes de mata atlântica (Foto: Carlos Ramalhete/flickr)

Modelo de governança na Mata Atlântica

Se por um lado o poder público pode ser indutor de práticas de restauração de paisagens degradadas, também a sociedade civil organizada é capaz de exercitar modelos de governança participativos e que envolvem múltiplos atores.

O Pacto pela Restauração da Mata Atlântica é modelo nesse sentido no Brasil. Lançado oficialmente em 2009, pretende viabilizar de forma independente a recuperação de 15 milhões de hectares até 2050.

O PACTO reúne mais de 250 representações entre integrantes de governo, empresários, produtores rurais, pesquisadores e organizações não governamentais. Os atores atuam em grupos de trabalho (GTs) e em unidades regionais.

Os GTs desenvolvem temas estratégicos, como tecnologias e protocolos de restauração ecológica e oportunidades econômicas. As unidades regionais atuam na restauração, divulgam o PACTO, identificam as oportunidades de restauração e abastecem os envolvidos sobre quais são os principais problemas enfrentados no campo.

“Nosso maior recurso são as pessoas”, diz a analista de pesquisa do WRI Brasil, Mariana Oliveira, que atua no PACTO.

Pouco resta (12,5%) do território original da Mata Atlântica. Distribuída em 17 Estados brasileiros, a floresta remanescente sobrevive em unidades de conservação (UCs) e, sobretudo, em pequenos fragmentos verdes (80% não passam de 50 hectares) em propriedades rurais.

A secretária-executiva no Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, Ludmila Pugliese, afirma que a fragmentação impõe um desafio. Um dos principais ativos da organização é o arcabouço técnico e a multiplicidade de atores, o que facilita a resolução de problemas.

“Como são muitas organizações fazendo restauração – e não projetos que atuam isoladamente –, há um banco de dados robusto e compartilhado no PACTO. Temos lista de espécies mais produtivas, metodologias que podem ser adotadas, onde estão os viveiros de mudas e sementes e a posição por satélite dos locais que estão sendo restaurados”, salienta.

Outra vantagem da articulação de um modelo de governança multistakeholder (vários atores) é a capacidade de influenciar a administração pública e converter discussões científicas e técnicas em lei. Um exemplo foi o engajamento do PACTO para a assinatura do decreto presidencial que criou a Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg), em janeiro.

Governança: essencial para a restauração de paisagem florestal

A restauração de paisagens florestais contribui para que o planeta caminhe na direção de uma economia verde capaz de beneficiar a natureza e a todas as pessoas. Para o Banco Mundial, a governança é o “processo por meio do qual o Estado e os grupos não estatais interagem para formular e implementar políticas, trabalhando em um conjunto de normas formais e informais modeladas pelo poder”. O WRI Brasil, como integrante do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica e da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, entende que a governança é chave para o sucesso da restauração de paisagens florestais.