10 prioridades para o novo presidente dos EUA combater a crise climática
O ex-vice-presidente Joseph R. Biden e sua parceira de campanha Kamala Harris são mundialmente reconhecidos por terem vencido as eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos, com maioria de votos no Colégio Eleitoral e uma maioria impressionante no voto popular. O Partido Democrata manteve o controle da Câmara dos Representantes nos EUA, enquanto os resultados para o Senado estão próximos, mas ainda indeterminados. Neste artigo, o diretor do WRI nos Estados Unidos, Dan Lashof, sugere um plano de 10 ações para a nova administração.
O presidente eleito Biden vai ser juramentado no cargo em meio a quatro crises profundamente interligadas: crise sanitária, crise econômica, crise de injustiça racial e crise climática. Ele prometeu uma retomada verde a partir de ações fortes e simultâneas nessas quatro frentes, incluindo investimentos sem precedentes em saúde, infraestrutura e energia limpa.
Durante a última crise econômica, alguns conselheiros políticos pressionaram os líderes eleitos a priorizar, em detrimento da ação climática, a saúde e a economia, vistas como preocupações mais imediatas e populares. Dessa vez, essa não é uma postura viável.
A crise climática está aqui agora, e a ação é urgente.
A paisagem política também mudou à medida que os efeitos das mudanças climáticas bateram à porta, e os jovens se mobilizaram para reivindicar uma resposta condizente com as proporções do problema. Está claro, agora, que as mudanças climáticas estão causando um impacto tremendo na economia e ameaçam a estabilidade do nosso sistema financeiro. Por outro lado, os benefícios econômicos e as oportunidades de emprego que podem surgir a partir da ação climática também são muito mais reconhecidos.
Apesar da pandemia do coronavírus, as mudanças no clima apareceram de forma mais proeminente durante esta campanha eleitoral do que em qualquer outra antes. De fato, é uma questão difícil de ignorar quando incêndios florestais sem precedentes rasgam a região oeste [dos Estados Unidos] e são tantas tempestades tropicais atingindo a região leste que o Serviço de Meteorologia usou todo o alfabeto romano e teve que recorrer às letras gregas para dar nome às tempestades.
O governo Biden ainda vai ter trabalho para reparar os estragos feitos pela administração de Trump, que buscou implementar uma agenda de desregulamentações pró-combustíveis fósseis como uma vingança.
O governo de Trump tentou reverter mais de 125 normas ambientais. Trabalhou de forma sistemática para marginalizar cientistas e especialistas ambientais em prol de executivos e lobistas da indústria, erodindo a capacidade de atuação da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês), do Departamento do Interior e de outras agências governamentais que atendem aos interesses públicos. Centenas de medidas serão necessárias não apenas para reverter os retrocessos do governo Trump como para avançar uma agenda que responda ao desafio e promova garantias ambientais.
Não faltam ideias sobre o que deve ser feito. Além de sua própria plataforma climática, Biden contará com relatórios abrangentes do Comitê de Crise Climática da Câmara dos EUA e do Comitê Especial do Senado para a Crise Climática, assim como dezenas de propostas de organizações não governamentais.
Para ter sucesso, porém, Biden terá que estabelecer prioridades e se concentrar em uma série de medidas de alto impacto que podem ser implementadas por meio de ações do Executivo ou pelo Congresso, além de buscar um plano de ação climática abrangente. As prioridades climáticas de Biden devem ser guiadas por três grandes princípios:
3 princípios para uma nova era de ação climática
- Prosperidade inclusiva: políticas climáticas inteligentes podem não apenas reduzir os danos das mudanças no clima como liberar amplas oportunidades de crescimento econômico e reduzir a desigualdade, conforme mostra o relatório da Nova Economia Climática dos Estados Unidos.
- Monitorar o carbono: o sucesso precisa ser medido pelo progresso na redução de emissões, não apenas em termos de dólares gastos. É necessária uma mudança sistêmica nos setores responsáveis pela maior parte das emissões nos Estados Unidos. Isso significa aumentar o foco no setor de transportes e na indústria e acelerar o processo de descarbonização do setor de energia.
- Toda ajuda possível: ao longo dos últimos quatro anos, a liderança climática partiu, por necessidade, de governos locais e estaduais e do setor privado. À medida que o governo Biden trabalhar em sua agenda climática, não podemos nos permitir perder o apoio dos atores subnacionais. É essencial planejar políticas que empoderem, apoiem e complementem a ação de estados, cidades e empresas e, ao mesmo tempo, estabelecer metas nacionais ambiciosas e oferecer os recursos de que só o governo federal pode dispor.
10 ações prioritárias para combater as mudanças climáticas nos Estados Unidos
Partindo dos princípios mencionados acima, para implementar seu plano de promover uma revolução na energia limpa e na justiça ambiental, Biden deve focar nessas 10 ações prioritárias:
1. Comprometer-se a reduzir o total de emissões de gases de efeito estufa entre 45% e 50% até 2030.
A campanha de Biden prometeu zerar as emissões das usinas de energia até 2035 e atingir o emissões líquidas zero na economia como um todo até 2050. Como presidente, ele deve reiterar essas metas e acrescentar uma meta para 2030, a fim de conduzir ambições de curto prazo em todos os setores.
Biden deve adotar uma meta bem embasada mas ambiciosa para 2030, na faixa de 45% a 50% de redução das emissões em relação aos níveis de 2005, com base no relatório Acelerando o Compromisso dos Estados Unidos, de 2019. Isso exigiria que a administração de Biden estabelecesse políticas federais robustas para ampliar e complementar a liderança assumida pelos estados, cidades e pelo setor privado. A extremidade inferior dessa faixa de redução é o mínimo consistente com o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5°C. O ponto mais alto ajudaria os EUA a restabelecer uma posição de liderança nas negociações internacionais, mas quase certamente exigiria que Congresso promulgasse novas leis climáticas significativas.
2. Aprovar um bom pacote de estímulo climático para a recuperação da Covid-19.
Biden propôs US$ 2 trilhões em investimentos climáticos inteligentes para estimular a economia, gerar empregos e ampliar a indústria de energia limpa dos Estados Unidos, o que superaria o montante do pacote de recuperação econômica de 2009. Embora, com um Congresso dividido, Biden talvez não consiga a aprovação do pacote na íntegra, ele terá influência significativa para insistir que suas prioridades sejam incluídas na legislação que deve ser aprovada. O WRI destacou uma série de prioridades para modernizar a rede elétrica, eletrificar ônibus escolares e do transporte coletivo, melhorar o sistema de transporte, investir nas escolas públicas, promover inovação industrial e fortalecer a restauração de paisagens.
Além de assegurar que pelo menos 40% dos recursos beneficiem comunidades desfavorecidas, como Biden prometeu, esses investimentos devem ser planejados para catalisar o progresso de curto e longo prazo nas metas de redução de emissões. Isso significa não apenas aplicar tecnologias econômicas e eficientes de que já dispomos, como energia solar, eólica, bombas de calor e veículos elétricos, mas também investir no futuro. O país precisa de um programa robusto para desenvolver um portfólio de tecnologias disponíveis para as próximas décadas, como melhores sistemas geotérmicos, hidrogênio limpo e aço de emissão zero.
3. Exigir que todos os novos veículos de passageiros vendidos a partir de 2035 sejam de emissão zero.
O custo das baterias de veículos elétricos caiu 87% na última década. Estima-se que o preço de novos veículos elétricos seja equivalente ao de veículos similares com motor a combustão em 2025 ou até antes.
Em setembro de 2020, o governador da Califórnia, Gavin Newson, assinou uma ordem executiva orientando o Conselho dos Recursos Atmosféricos da Califórnia a estabelecer padrões para reduzir de forma gradativa as vendas de veículos poluentes até 2035. Ônibus e a maior parte de outros veículos médios e pesados movidos a diesel também podem se tornar elétricos, conforme proposto pela Iniciativa de Veículos Médios e Pesados de Emissão Zero (em inglês, Zero Emission Medium- and Heavy-Duty Vehicle Initiative), assinada por 15 estados em julho de 2020, o que ajudaria a reduzir a carga desproporcional de poluição a que são expostas comunidades de baixa renda e a população negra. Biden deve emitir uma ordem executiva orientando a EPA a estabelecer padrões similares para carros e caminhões em escala nacional.
4. Elevar os padrões de eletricidade limpa a 55% até 2025, 75% até 2030 e 100% até 2035.
Eletricidade limpa em abundância é essencial – não apenas para eliminar a poluição de todas as usinas de energia até 2035, compromisso assumido por Biden, como para descarbonizar os setores de transporte, construção e boa parte das indústrias. Um estudo publicado pela Escola Goldman de Políticas Públicas da Universidade da Califórnia, em Berkeley, mostra que as reduções recentes e consideráveis no custo de painéis solares, turbinas eólicas e baterias de íon-lítio implicam que podemos chegar a um sistema de eletricidade limpo, confiável e acessível muito mais rápido do que imaginávamos se políticas públicas efetivas forem colocadas em prática. Essas políticas podem ser mais duradouras se promulgadas por meio de legislação bipartidária, mas também podem ser adotadas a partir de regulações da Lei do Ar Limpo (Clean Air Act). Elas devem exigir uma redução na poluição que afeta as comunidades na linha de frente e assegurar que as metas nacionais sejam cumpridas.
5. Combater os superpoluentes.
Um lado positivo da cooperação bipartidária durante 2020 foi o consenso obtido na legislação federal a respeito da implementação da emenda de Kigali para desacelerar a produção e o uso de hidrofluorcarbonetos “superpoluentes”. Grama por grama, esses gases de efeito estufa, geralmente usados como refrigeradores, podem ter milhares de vezes o impacto de retenção de calor do dióxido de carbono. Se a nova legislação não for promulgada antes de Biden assumir o cargo, ele deve solicitar ao Congresso que a aprove o quanto antes no próximo ano.
O metano, principal componente do gás natural, também retém mais calor do que o dióxido de carbono. O governo Biden deve restabelecer e fortalecer as regras da EPA e do Departamento do Interior da era Obama para conter os vazamentos de metano.
6. Estabelecer padrões de aparelhos e equipamentos para substituir os combustíveis fósseis por eletricidade sempre que possível.
Quase 12% das emissões de dióxido de carbono dos Estados Unidos vêm da queima de gás, óleo ou propano nas casas e edifícios, com fins de aquecimento ou água quente. Na maior parte dos casos, essas emissões poderiam ser eliminadas com um bom custo-benefício exigindo o uso de bombas de calor elétricas quando os aparelhos precisarem ser substituídos.
As normas do setor devem incentivar novas construções a serem totalmente elétricas, uma mudança que cada vez mais cidades estão exigindo e que gera economia, já que não há a necessidade de instalar linhas de gás. Alguns construtores se mostram relutantes em adotar essa medida por acreditar que os consumidores preferem fogões a gás.
Vale ressaltar, contudo, que os impactos na saúde da queima de gás nas cozinhas se tornaram uma preocupação crescente. Os novos cooktops de indução, como os usados na tenda do Great British Baking Show, permitem ferver água mais rápido e oferecem um controle de temperatura mais preciso do que os fogões a gás. Boa parte do aquecimento de baixa e média temperatura necessário na indústria também pode ser fornecido por bombas de calor elétricas, micro-ondas ou outras tecnologias, dependendo do aparelho, contribuindo para reduzir a poluição local e também as emissões de dióxido de carbono.
7. Estabelecer padrões de emissões para cimento, aço e plásticos.
Algumas das maiores fontes industriais de dióxido de carbono envolvem emissões originadas a partir de reações químicas, além da queima de combustível para caldeiras e aquecimento a altas temperaturas. Diversas técnicas inovadoras estão em fase de desenvolvimento para reduzir, eliminar ou mesmo reverter essas emissões. Há alguns casos, porém, para os quais as melhores abordagens ainda não estão claras ou podem nem mesmo ter sido inventadas.
Dadas essas circunstâncias, o governo Biden deve trabalhar com o Congresso para fornecer recursos para projetos de pesquisa, desenvolvimento e demonstração dessas tecnologias. O governo também pode usar seu poder de compra para criar mercados para produtos limpos e definir padrões de emissões para tecnologias neutras que fiquem mais fortes com o tempo.
8. Ampliar a remoção de dióxido de carbono.
Além de reduzir as emissões de fontes diretas o mais rápido possível, está cada vez mais claro que os Estados Unidos precisarão remover bilhões de toneladas de dióxido de carbono que já estão no ar para compensar emissões do passado e fontes difíceis de eliminar (como as emissões de metano do gado, de óxido nitroso das fazendas e de dióxido de carbono dos aviões). Sem a remoção de carbono, os EUA não conseguirão fazer sua parte para manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C, o limite estabelecido pela ciência como necessário para evitar os piores impactos das mudanças climáticas.
Uma forma natural de capturar carbono é aumentar o número de árvores, seja em florestas, sistemas agroflorestais ou em áreas urbanas. Mas há um limite para a quantidade total de carbono que podemos sequestrar a partir das árvores e do solo, devido à necessidade de produzir alimento o suficiente para alimentar a crescente população global. Isso significa que também precisamos desenvolver abordagens tecnológicas, como a captura direta do ar e a mineralização de carbono. O projeto CarbonShot, do WRI, delimitou um conjunto de prioridades políticas em âmbito federal para ampliar o portfólio de opções de remoção de dióxido de carbono.
9. Restabelecer a liderança internacional.
Além de imediatamente reintegrar os Estados Unidos ao Acordo de Paris, como prometeu fazer, Biden deve colocar a ação climática no topo da política externa do país. Muito antes da conferência do clima de Glasgow, prevista para novembro de 2021, o governo Biden deve apresentar às Nações Unidas um novo plano climático nacional incluindo uma meta de redução de emissões entre 45% e 50% até 2030 (em relação aos níveis de 2005). Além disso, também deve entregar os US$ 2 bilhões pendentes da promessa feita pelos Estados Unidos em 2014 ao Green Climate Fund e assumir um novo compromisso com o Fundo, alinhado com a ambição de outros países.
Biden também deve usar as reuniões de chefes de estado, como o G7 e o G20, para promover a cooperação internacional e trabalhar em conjunto com os países aliados a fim de estabelecer um mecanismo de grande escala para o financiamento de projetos de infraestrutura com inteligência climática nos países em desenvolvimento.
10. Taxar a poluição.
Por último, mas não menos importante: nenhuma política climática está completa sem um mecanismo para responsabilizar os emissores e garantir que as reduções de emissões baseadas em evidências científicas sejam atingidas. Isso pode ser feito com o aumento do preço do carbono se outras medidas forem insuficientes. Algumas plataformas de política climática se concentram na precificação do carbono, enquanto outras consideram os mecanismos de mercado ineficazes ou mesmo contraproducentes; pesquisas do WRI, porém, mostram que a precificação do carbono precisa ser um componente integral de qualquer plano climático eficaz.
Embora não esteja claro quando os votos possam se alinhar para aprovar a precificação de carbono no Congresso, Biden deve argumentar que é melhor taxar a poluição do que os empregos e buscar qualquer oportunidade para levar adiante esse elemento-chave da política climática.
Usar todas as ferramentas disponíveis para combater as mudanças climáticas nos Estados Unidos
Ao seguir as 10 ações descritas acima, Biden pode contribuir para uma boa recuperação da pandemia de Covid-19 e preparar os Estados Unidos para alcançar um futuro mais seguro e próspero, de zero emissões líquidas.
Dada a magnitude da crise climática e a velocidade com que é necessário transformar os principais sistemas para reduzir as emissões entre 45% e 50% em uma década, chegando a 100% em meados do século, precisamos usar todas as ferramentas disponíveis:
- Novos padrões são essenciais para prevenir a construção de novas fontes altamente poluentes, como caldeiras de combustível fóssil, e reestruturar os setores que mais emitem.
- Investimentos são essenciais para gerar novos empregos, construir infraestrutura e acelerar a transição para uma economia de zero emissão.
- A justiça é essencial para retificar as cargas desproporcionais de poluição impostas às populações negras, indígenas e a pessoas não brancas* por gerações e criar a coesão social necessária para avançar essa agenda transformadora.
- A precificação da poluição por carbono é essencial para reforçar os efeitos obtidos com os novos padrões e com os investimentos, acelerar a retirada de fontes de poluição existentes, influenciar milhões de tomadores de decisão ao mesmo tempo e impor metas de redução de emissões.
Será uma tarefa monumental para o governo Biden desfazer os danos da administração de Trump e fazer o país caminhar para a frente de novo. Biden tem uma oportunidade histórica que não surgirá novamente. Para ter sucesso nessa empreitada, ele precisará exercer liderança e disciplina.
Minha esperança é de que o plano de 10 ações apresentado aqui possa ajudar a focar a atenção do novo presidente nas medidas que farão a maior diferença. Uma coisa é certa: não há tempo a perder. A ação climática precisa ser uma prioridade desde o primeiro dia de governo.
* No original em inglês, o autor usa a expressão “pessoas de cor”, utilizada nos Estados Unidos para descrever qualquer pessoa não considerada branca, como latinos, asiáticos, povos nativos, entre outros.