Um olhar clínico sobre a ação climática de Trump
Este post foi escrito por Kristin Igusky e Rebecca Gasper e originalmente publicado no WRI Insights.
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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou nesta terça-feira (28) decreto que visa reverter boa parte dos elementos-chave da estratégia climática do país, como a revisão do Plano de Energia Limpa e a regulamentação sobre o gás metano. Como destacou o presidente e CEO do World Resources Institute (WRI), Andrew Steer, foi um “ataque contra a ação climática dos Estados Unidos”.
As ações do governo Trump ameaçam a saúde dos americanos e a prosperidade econômica do país e, ao mesmo tempo, diminuem a posição de liderança dos Estados Unidos no mundo.
Trump parece gabar-se de uma redução nos gastos públicos, mas a verdade é que o decreto do presidente americano fragiliza medidas que previnem o desperdício e moderam a poluição do ar e da água. Além disso, o decreto também perde a chance de aproveitar plenamente o potencial da energia limpa para expandir a economia americana e um mercado de trabalho em rápido crescimento.
O decreto vem na contramão do que empresas, investidores, consumidores e os muitos estados e municípios americanos estão fazendo. Esses já adotam soluções de baixo carbono para economizar dinheiro, proteger a saúde pública e apoiar uma ação climática sólida.
Abaixo, listamos as principais medidas e os impactos potenciais do decreto do governo Trump:
1) Plano de Energia Limpa
O que diz?
O Plano de Energia Limpa estabelece pela primeira vez nos Estados Unidos padrões de poluição para as usinas de energia existentes, que representam a maior fonte de emissões de dióxido de carbono no país. O Plano foi desenvolvido ao longo de vários anos e recebeu a contribuição de mais de 4,3 milhões de comentários. A argumentação jurídica tanto a favor quanto contrária ao Plano foi recebida pelo Tribunal de Apelações de Washington em setembro de 2016. Espera-se uma decisão em breve.
O que define o decreto?
Instrui a Agência de Proteção Ambiental (EPA) a rever o Plano de Energia Limpa e, potencialmente, propor a suspensão, a revisão ou a rescisão dos padrões. Desde que o decreto foi assinado, o Procurador-Geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, ingressou nos tribunais com pedido para adiar a revisão do Plano de Energia Limpa. O movimento, combinado com as declarações do presidente americano, evidenciam que o governo Trump quer reverter os padrões de poluição.
Qual é o impacto?
O Plano de Energia Limpa prevê a redução das emissões do setor de energia em 32% até 2030 (o ano-base é 2005), um componente-chave para os Estados Unidos no combate às mudanças climáticas. O decreto busca subverter ações climáticas significativas no setor de energia, o que criará maior incerteza e retardará a transição para a energia limpa.
Retroceder no Plano de Energia Limpa vai pôr em risco a segurança climática, prejudicar a saúde humana e criar incerteza nos investimentos. Também poderá impedir o ímpeto americano de criar uma economia de energia limpa. Trinta e três estados americanos viram suas economias crescerem enquanto as emissões caíam entre os anos de 2000 e 2014 e 2,7 milhões de americanos trabalham atualmente em energia eólica e solar e eficiência energética. O total de trabalhadores na indústria da energia limpa é 16 vezes maior do que o número de pessoas empregadas pela indústria do carvão. O Plano de Energia Limpa teria ajudado a impulsionar essa tendência. O retrocesso agora vai retardar o progresso em todo o país.
2) Regras sobre Emissões para Novas Usinas de Energia de Combustível Fóssil
O que dizem?
Limitam a poluição de carbono de novas, modificadas e reconstruídas usinas termelétricas que geram energia a partir de um combustível fóssil, como o carvão e o gás natural.
O que define o decreto?
Instrui a EPA a rever e potencialmente propor a suspensão, revisão ou revogação dessas regras.
Qual é o impacto?
As regras são um passo importante para controlar as emissões de dióxido de carbono do setor de energia e para solidificar a transição já em andamento para o uso de fontes geradoras de baixo carbono. Elas estabelecem um limite de emissão de 453,5 kg (1.000 lb) de CO2 por MWh para novas usinas termelétricas a gás natural, e 635 kg (1.400 lb) por MWh para novas usinas a carvão. Para cumprir esses limites, as empresas que investiem em novas usinas de energia a carvão precisariam usar tecnologias e combustíveis que as ajudassem a reduzir as emissões de dióxido de carbono, como o uso de tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CSS) ou a queima de uma mistura de carvão e gás natural.
Pronunciamentos recentes do governo Trump sugerem o desejo de eliminar ou reduzir significativamente as regras e outros regulamentos para estimular o ressurgimento do carvão. Ainda que isso aconteça, uma mudança nas regras sobre emissões praticamente não levará à construção de novas usinas a carvão nos Estados Unidos. As forças do mercado, como o baixo preço do gás natural e o barateamento dos custos de tecnologias renováveis, afastaram os investimentos do carvão. Além do mais, a Administração de Informação de Energia (EIA) dos Estados Unidos prevê que essa tendência se mantenha. Desde 1997, o crescimento da capacidade energética na matriz americana teve apenas 5% de contribuição das usinas de carvão, e a mais recente Perspectiva Energética Anual da EIA não projeta qualquer nova construção de termelétrica a carvão até 2050, mesmo diante de cenários que incluem o aumento do preço do gás natural. Os novos padrões de desempenho de fontes fornecem um suporte valioso para garantir que as empresas continuem investindo em um futuro com baixa emissão de carbono.
Floresta Nacional de Shoshone, no Wyoming (Foto: Mark Goebel/Flickr)
3) Políticas para Modernizar a Produção de Carvão, Petróleo e Gás natural em Terras Públicas Federais e Indígenas
O que dizem?
Uma moratória temporária, proposta pelo Bureau of Land Management (BLM) para novas concessões em terras públicas federais, e a revisão do programa federal do carvão, dos padrões do BLM (que estabelecem os requisitos de segurança para fraturas hidráulicas em terras públicas federais e indígenas) e a atualização dos regulamentos do National Park Service e do Fish and Wildlife Service para operações não-federais de petróleo e gás natural dentro de parques nacionais e refúgios.
O que define o decreto?
O decreto ordena o Secretário de Interior dos Estados Unidos a: retirar a moratória do carvão e adotar medidas que alterem ou suspendam a ordem para começar a revisão do programa federal do carvão (um passo que o secretário Ryan Zinke tomou no dia 29 de março ), reveja e potencialmente suspenda, revise ou rescinda os padrões de fraturamento hidráulico em terras públicas federais e indígenas e os regulamentos de operações de petróleo e gás natural não-federais dentro de parques nacionais e refúgios.
Qual é o impacto?
As políticas tinham como objetivo assegurar que a orientação para a extração de combustíveis fósseis em terras públicas federais e indígenas estivessem atualizadas. Reverter esse esforço vai limitar a capacidade da administração pública de avaliar e oferecer proteção contra os potenciais impactos ambientais e para a saúde pública que essas operações podem gerar.
4) Regras para Controlar as Emissões de Metano
O que dizem?
A EPA estabelece limites às emissões de metano para equipamentos novos, reconstruídos e modificados de petróleo e gás natural e também para a regra de redução de gás metano e resíduos, prevista nos padrões do BLM, que exige dos produtores de petróleo e gás natural a diminuição dos vazamentos de metano nas operações de perfuração em terras públicas federais e indígenas.
O que define o decreto?
O decreto instrui a EPA e o BLM a rever e, potencialmente, propor a suspensão, revisão ou revogação desses padrões. O governo Trump deixa claro que o objetivo é diminuir os esforços que levariam à redução das emissões de metano.
Qual é o impacto?
O metano é um gás do efeito estufa extremamente perigoso. É pelo menos 28 vezes mais potente do que o dióxido de carbono. As regras da EPA e do BLM garantem que as empresas utilizem tecnologias modernas para prevenir, detectar e reparar o escapamento do gás metano em poços de petróleo e gás natural e também durante a produção. Grande parte dessas tecnologias são rentáveis, o que significa que se pagam em poucos anos. Fazer as regras retrocederem e não tomar medidas adicionais que minimizem o vazamento de metano dos sistemas existentes de petróleo e gás natural permitirá que mais metano vá para a atmosfera, gerando impactos mais caros e perigosos para a mudança do clima.
Operação de fracking em usina de energia a carvão em terra pública federal no estado de Utah (Foto: WildEarth Guardians/Flickr)
5) Orientação Federal sobre Mudanças Climáticas para Licenciamento de Projetos
O que diz?
A Lei Nacional de Política Ambiental (NEPA), de 1970, exige que as agências federais avaliem os efeitos ambientais, sociais e econômicos das ações propostas. Isso vale desde a construção de uma estrada até permitir que uma empresa perfure em terras públicas federais. Em 2016, a Casa Branca distribui orientação sobre como as agências federais devem considerar a mudança climática em suas avaliações da NEPA, destacando, por exemplo, como se deve quantificar as emissões projetadas de gases do efeito estufa (GEE) de um projeto e como considerar quais seriam as alternativas a um projeto para tornar comunidades vulneráveis mais resilientes às mudanças climáticas.
O que define o decreto?
Rescinde inteiramente a orientação federal sobre as mudanças climáticas.
Qual é o impacto?
Segundo especialistas em Direito, decisões recentes dos tribunais “exigem que as agências federais considerem as emissões de GEE em determinadas revisões da NEPA, o que significa que eliminar a orientação não vai aliviar as agências da obrigação de considerar os impactos das mudanças climáticas para o licenciamento de projetos”. Rescindir a orientação legal significa confundir as agências federais em seus esforços para estimar as potenciais emissões e os impactos dos GEE de um projeto. Na prática, o governo Trump poderá ver nascer ainda mais litígios relacionados às mudanças climáticas e à NEPA.
6) Custo Social do Carbono
O que diz?
O Custo Social do Carbono (SCC), estipulado pelo governo dos Estados Unidos, atribui valores em dólar aos benefícios da redução das emissões de dióxido de carbono e do combate às mudanças climáticas. Esses valores são componentes importantes da análise de custo-benefício dos regulamentos que afetam as emissões.
O que define o decreto?
A partir de 2009, especialistas técnicos passaram a se reunir no Grupo de Trabalho Interagências (IWG) a fim de desenvolver um conjunto único de estimativas sobre o SCC com base no que existe de melhor na ciência e economia. O decreto do governo Trump dissolve o IWG e passa a desconsiderar como parte da política americana as estimativas realizadas pelo grupo de trabalho sobre o custo social do carbono.
Qual é o impacto?
O decreto manda as agências federais de volta à estaca zero no que toca à importante tarefa de monetizar os benefícios da redução do dióxido de carbono e de outras emissões de GEE. O decreto pede às agências que apliquem tanto “a melhor ciência e economia disponíveis”, quanto a orientação de longo prazo do Escritório de Gestão e Orçamento sobre as melhores práticas para a realização de análises regulatórias de custo-benefício (a última revisão é de 2003 e consta na Circular A-4). No entanto, foi isso precisamente o que fez o IWG no trabalho que realizou de 2009 até o ano passado. A Academia Nacional de Ciências realizou uma extensa revisão das estimativas do IWG e recomendou melhorias que poderiam ser feitas em futuras atualizações, mas não identificou falhas ou parcialidade no trabalho do IWG. Dadas as declarações do presidente americano e dos funcionários do governo Trump, que contradizem a ciência climática predominante, parece provável que eles prefeririam as estimativas do SCC. Elas são muito inferiores às do IWG, e talvez cheguem até mesmo a zero (se eles, de fato, acreditam que a mudança do clima é uma "brincadeira").
Leia mais sobre a importância do SCC para a formulação de políticas públicas em post do WRI Insigts).
Supertempestade Sandy, no Seaside Heights, em Nova Jersey (Foto: Anthony Quintano/Flickr)
7) Ações Presidenciais sobre Resiliência Climática nos Estados Unidos
O que dizem?
Duas das ações presidenciais afetadas pelo decreto de Trump são: a Ordem Executiva 13653: Preparando os Estados Unidos para os Impactos das Mudanças Climáticas, que alerta as agências federais para os impactos das mudanças climáticas com planos abrangentes de preparação e adaptação, e o Memorando Presidencial sobre Mudanças Climáticas e Segurança Nacional, de 2016, que exige que 20 agências federais e escritórios que tratam de ciência climática, inteligência e política nacional de segurança trabalhem em conjunto para desenvolver planos para os impactos das mudanças do clima.
O que define o decreto?
Revoga a ordem executiva e o memorando.
Qual é o impacto?
A Ordem Executiva 13653 foi criada para reduzir os custos humano e financeiro de grandes impactos climáticos, como condições climáticas extremas, secas e inundações. Tais impactos climáticos desestabilizadores vão muito além de mera ideologia. Ao revogar a ordem executiva, o governo Trump compromete a capacidade da administração pública de economizar recursos públicos (pagos pelos contribuintes americanos) que seriam usados em danos futuros causados por desastres ambientais.
O Memorando Presidencial baseia-se em argumentos do Departamento de Defesa, que reconhece a mudança do clima como um risco à segurança nacional que precisa ser resolvido. O decreto de Trump contradiz os esforços do Pentágono, que qualifica as mudanças climáticas como “multiplicadoras de ameaças”, e do secretário de Defesa James Mattis, que coloca a mudança do clima como uma ameaça aos interesses americanos no exterior e aos bens do Pentágono em todo o mundo.
Leia mais sobre as ações de resiliência climática em outro post do WRI Insights.
8) Acordo de Paris
O decreto não retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris. Segundo vários artigos veiculados na imprensa, o governo Trump ainda está decidindo como os Estados Unidos vão se envolver no Acordo.
Sair do Acordo de Paris não será uma decisão sensata. Os Estados Unidos têm se mostrado um líder global em mudanças climáticas e deixar o Acordo arriscaria não apenas a habilidade do país em moldar as ações internacionais, mas também a participação dos americanos em conversas estratégicas globais. Ao mesmo tempo, muitos dos 189 países que apresentaram planos nacionais sobre mudança do clima no âmbito do Acordo de Paris podem se mostrar hesitantes em se envolver com os Estados Unidos em outros temas, prejudicando a competitividade americana no crescente mercado de energia limpa. Mais de mil empresas e investidores declararam apoio ao Acordo de Paris e às políticas e investimentos de baixo carbono.
Um passo atrás
A administração pública tem o dever de reduzir as emissões para o bem da saúde dos cidadãos, resiliência econômica e segurança nacional. Se os Estados Unidos retrocederem agora, os americanos sairão prejudicados.