Em 2020, a vida como a conhecemos acabou.

O coronavírus matou quase 2 milhões de pessoas até o momento e colocou cerca de 100 milhões em situação de extrema pobreza. O mundo entrou em sua pior recessão desde a Segunda Guerra Mundial. Profundas injustiças raciais e econômicas foram expostas, enquanto os impactos da pandemia afetaram pessoas não brancas de modo desproporcional. E essas crises se desenrolaram em meio à ameaça sempre presente das mudanças climáticas, incluindo recordes de incêndios florestais, nuvens de gafanhotos, tempestades e outros eventos climáticos extremos.

A forma como o mundo irá recomeçar após essa turbulência sem precedentes vai definir o ano que se inicia e moldar o curso da história por anos – até mesmo décadas. Como o escritor e ativista indiano Arundhati Roy disse sobre a pandemia, “é um portal, uma passagem entre um mundo e o outro”.

A pergunta para 2021 é: em que tipo de mundo estamos entrando?

O presidente e CEO do WRI, Andrew Steer, abordou essa questão no Stories to Watch, o principal evento anual do WRI, onde ele descreveu os momentos, tendências e pessoas que afetarão o meio ambiente e o desenvolvimento internacional no próximo ano. Parece que nunca houve tanto em jogo quanto em 2021.

“Ao final deste ano, saberemos que tipo de civilização nós realmente somos”, disse Steer.

Depois da pandemia de coronavirus: como o mundo vai recomeçar?

De fato, o “Grande Recomeço” após a Covid-19 é o pano de fundo sobre o qual todos os momentos ocorrerão neste ano. Os sinais em 2021 mostrarão se estamos caminhando em direção a um mundo mais limpo, justo e forte, ou rumando na direção oposta.

Veja seis indicadores que merecem ser observados ao longo de 2021, para entender melhor a direção de nossa jornada à medida que o mundo começa a se recuperar da Covid-19 e do colapso econômico:

Os maiores estímulos econômicos da história

Países já alocaram US$ 13 bilhões (cerca de R$ 69 milhões) para recuperar suas economias, e é provável que gastem outros trilhões neste ano. Esses recursos vão apoiar projetos limpos e de baixo carbono ou infraestruturas sujas, baseadas em combustíveis fósseis? Promoverão mais equidade ou continuarão a exacerbar a cisão social?

Pesquisas mostram que um estímulo verde faz sentido para a economia. Investir na eficiência das construções, por exemplo, cria de 3 a 4 vezes mais trabalhos a cada US$ 1 trilhão investido do que investir em carvão e gás. Mesmo assim, desde o início da pandemia, os países do G20 se comprometeram a destinar US$ 240 bilhões (R$ 1,27 trilhão) para combustíveis fósseis e somente US$ 184 bilhões (R$ 976 milhões) para energia limpa.

A União Europeia emergiu como líder global com seu histórico green deal (“acordo verde”), investindo em iniciativas favoráveis ao clima e em uma transição justa. O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, prometeu apoio semelhante a um desenvolvimento verde e justo quando assumir o cargo.

Acompanhe se outros países, tanto grandes economias quanto aquelas em desenvolvimento, bem como outras instituições internacionais de desenvolvimento, seguirão essa abordagem para garantir que o mundo se torne mais resiliente após a Covid-19.

Ação climática nos Estados Unidos sob a administração Biden-Harris

O presidente Donald Trump moveu o segundo maior emissor de carbono do mundo na direção errada, inclusive revertendo regulações sobre usinas, veículos e outros setores. O presidente-eleito Joe Biden e a vice Kamala Harris prometeram corrigir esses erros investindo US$ 2 trilhões em infraestrutura e energia limpas, com a meta de atingir 100% de eletricidade limpa até 2035 e direcionando 40% do financiamento de energia limpa para comunidades desfavorecidas.

A pergunta que fica é: Biden e Kamala serão capazes de cumprir essas promessas? E quais ferramentas utilizarão?

“Os Estados Unidos têm muito a recuperar, francamente, e simplesmente dizer as coisas certas não será o bastante”, disse Steer. “E é por isso que os primeiros 100 dias são tão importantes.”

Os primeiros sinais de progresso podem incluir a volta dos EUA ao Acordo do Clima de Paris, o restabelecimento de regulamentações ambientais que a administração de Trump descartou, a permissão à Califórnia para definir os mais rígidos padrões de carros limpos da nação, emissão uma ordem executiva de justiça ambiental e a suspensão de novos licenciamentos para combustíveis fósseis em terras federais.

No longo prazo, os Estados Unidos precisarão aumentar a ambição de seu plano nacional do clima. O WRI recomenda reduzir a emissão de gases de efeito estufa para 45% a 50% abaixo dos níveis de 2005 até 2030, assim como fortalecer as medidas de adaptação. Fomentar a diplomacia climática internacionalmente ؘ– por exemplo, estabelecendo um acordo climático com a Índia, cooperando com a China e restaurando laços com Canadá e México – também é importante para garantir a liderança climática global.

A administração também manifestou comprometimento claro com as questões de justiça climática e racial. Cumprir essa promessa será crítico para garantir que a administração seja bem-sucedida em fomentar a equidade e a inclusão.

As prioridades da China no ano que se inicia

A China é o único país do G20 a apresentar crescimento econômico em 2020 e deve aumentar seu PIB em 8,2% em 2021. O país tirou 100 milhões de pessoas da pobreza entre 2012 e 2020. No final de 2020, a China anunciou novas metas climáticas importantes, incluindo o objetivo de se tornar neutra em carbono até 2060.

Porém, no outro lado da balança, a China ainda é o maior emissor mundial de gases de efeito estufa e o maior investidor global em carvão. O país precisará agir no curto prazo para entrar em uma trajetória de carbono-zero. Há várias oportunidades em 2021:

  • O 14º Plano Quinquenal da China, que começará a ser implementado em março, bem como seu novo plano nacional para o clima (conhecido como “contribuição nacionalmente determinada”, ou NDC) oferecerão sinais importantes sobre a direção que o país está indo. Será que a China anunciará um novo prazo para atingir o pico de emissões antes de 2030? E colocará um limite no carvão? Ampliará suas promessas de emissões para gases além do CO₂?

  • O novo mercado de carbono chinês iniciará as transações em fevereiro de 2021, com foco no setor de energia. Quão fortes serão os limites para o carbono? E o país expandirá o mercado para além do setor de energia?

  • A cidade chinesa de Kunming sediará a maior cúpula da ONU sobre biodiversidade (COP15) ainda este ano. O país usará a oportunidade para tornar suas cadeias de suprimentos mais verdes? (A China é atualmente o principal importador de carne bovina, soja, celulose e papel, commodities que impulsionam o desmatamento e a degradação da terra.)

  • E, finalmente, irá o país estabelecer padrões ambientais mais fortes para sua iniciativa Cinturão e Rota, uma grande iniciativa de investimento no exterior espalhada por 138 países?

Pesquisas do WRI mostram que é do interesse da China aumentar a ambição de sua ação climática: avançar em energia, indústria, transportes e captura de carbono poderia salvar 1,9 milhão de vidas e gerar US$ 1 trilhão (R$ 5,3 trilhões) em benefícios econômicos e sociais líquidos em 2050.

2021 será o ano decisivo para a natureza?

Há um crescente reconhecimento de que paisagens naturais são essenciais para reduzir emissões, preservar a biodiversidade, alimentar uma população que está aumentando e assegurar o desenvolvimento econômico. Pesquisa recente do Fórum Econômico Mundial mostra que soluções benéficas para a Natureza poderiam criar 395 mil empregos e gerar US$ 10 trilhões em oportunidades de negócios até 2030.

No entanto, estamos indo para a direção contrária. A perda de floresta tropical aumentou 41% anualmente desde 2014.

Este ano oferece grandes momentos em que é possível ter progresso, como a Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU em setembro, a reunião do G20 em outubro e a COP 26, em Glasgow, em novembro. Resultados alinhados com uma estratégia em quatro frentes são essenciais para mostrar o valor da natureza:

  • Produzir: A União Europeia implementará uma nova Farm to Fork Strategy (Estratégia da Fazenda para o Garfo, em tradução livre) este ano que pode inspirar outras nações. Devemos observar como a administração Joe Biden nos EUA vai incorporar a natureza em seu plano agrícola, assim como observar de que maneira outros países incluirão questões agrícolas em suas NDCs.

  • Proteger: na Conferência da ONU para biodiversidade, os países deverão tomar decisões-chave sobre a proteção de 30% da terra e dos oceanos do planeta até 2030.

  • Reduzir: A Dinamarca e a Noruega já estão na metade do caminho para cumprir suas metas de redução de desperdício de alimentos em até 50%. Se bem-sucedida, a nova campanha da China economizará comida o suficiente para alimentar 60 milhões de pessoas. Será que outros países, cidades e corporações lançarão iniciativas semelhantes?

  • Restaurar: Países estão comprometidos com o Desafio de Bonn para restaurar mais de 200 milhões de hectares de áreas degradadas, com 14 milhões de hectares já em andamento. Será que novos avanços em tecnologia do monitoramento – como o futuro Restoration Watch, do WRI – podem incentivar mais ação e novos investimentos?

Transporte coletivo na esteira da Covid-19

O número de passageiros do transporte coletivo despencou durante a pandemia de coronavírus. Muitos sistemas de transporte estão à beira do colapso.

A União Europeia enfrenta um déficit de US$ 50 bilhões (R$ 266 bilhões) no financiamento do transporte público devido à queda no número de passageiros em 2020, enquanto o sistema de ônibus da Índia perdeu US$ 7 bilhões em receita.

Ao mesmo tempo, é essencial expandir os sistemas de transporte coletivo para enfrentar as mudanças climáticas e promover a equidade. Por exemplo, nos Estados Unidos, em domicílios de pessoas negras, a probabilidade de dispor de veículo próprio é três vezes menor do que a de domicílios de pessoas brancas. Modelos mostram que cortes no transporte coletivo na África Subsaariana em 2020 são parte da razão para um aumento de 9% da população em pobreza extrema.

À medida que cidades se recuperam da crise da Covid-19, será que elas priorizarão o transporte coletivo em vez dos carros?

A Nigéria e as cidades de Austin, nos EUA, e Londres, no Reino Unido, para citar apenas três exemplos, já anunciaram iniciativas encorajadoras para o transporte coletivo em 2021. Mais de 200 cidades investiram em ciclovias e infraestrutura para pedestres desde o início da pandemia. A China tem 95% dos ônibus elétricos do mundo. Outras Cidades e países colocarão empenho similar na transição para transportes verdes?

Ação climática internacional e a rota para Glasgow

Os últimos anos trouxeram um esforço louvável de ação climática: 61 países anunciaram compromissos para atingir emissões líquidas zero, mais de mil empresas definiram metas de redução de emissões baseadas na ciência e mais de 10 mil cidades entraram para Global Covenant of Mayors for Climate & Energy.

O problema é que toda essa ação ainda não está sendo o suficiente. Pesquisa recente do WRI mostra que o mundo precisa adotar energias renováveis numa velocidade 6 vezes maior, desligar usinas a carvão 5 vezes mais rapidamente, e eletrificar a frota de veículos 22 vezes mais rápido até 2030 – entre outras ações – para prevenir os piores efeitos das mudanças climáticas.

Este ano pode ser um ponto de inflexão para a ação climática global, permitindo que o mundo aproveite as oportunidades em quatro áreas-chave.

  1. A primeira é que todos os países deveriam lançar novas NDCs até a COP 26 em Glasgow. Até o momento, países apresentaram 71 novas NDCs, mas apenas 43 são mais ambiciosas do que os planos de 2015. A União Europeia, Reino Unido e Colômbia, assim como muitos países em desenvolvimento e nações insulares, estão liderando. Observe se mais países – especialmente Estados Unidos e China – apresentarão metas mais ambiciosas.

  2. As negociações climáticas na COP 26 precisam concluir importantes regras do Acordo de Paris, incluindo as relacionadas ao mercado de carbono (Artigo 6), o reporte de cronogramas das NDCs, o estoque global de carbono e o financiamento climático.

  3. Importante observar se o setor financeiro vai se alinhar com a meta global de limitar o aumento de temperatura a 1,5°C, a meta que os cientistas dizem ser necessária para evitar os piores impactos das mudanças climáticas. Isso inclui países desenvolvidos se comprometerem com US$ 100 bilhões em financiamento climático, assim como comprometimentos adicionais, incluindo dar escala para o financiamento de ações de adaptação.

  4. Finalmente, será que o mundo verá uma “Corrida para o Zero”, onde setores específicos buscam implementar avanços para descarbonizar rapidamente suas economias? Planos para eliminar motores a combustão interna, criar navios e edifícios de zero emissões seriam especialmente significativos.


Quer ver a apresentação completa do Stories to Watch? Confira a gravação do evento (em inglês) e outros materiais clicando aqui.

Este blog foi publicado originalmente no Insights.