Como economias emergentes podem buscar uma recuperação verde
Líderes em todo o mundo tentam encarar as consequências econômicas e sanitárias da crise de Covid-19, ao mesmo tempo em que confrontam a realidade da crise climática. Responder a essa combinação de crises exigirá ações decisivas. Análises recentes sugerem que a implementação de estratégias verdes para a recuperação da pandemia, junto a políticas climáticas ambiciosas, pode ter efeitos positivos de curto e longo prazo em termos de empregos, redução da pobreza, crescimento do PIB e metas sociais e de equidade.
Evidências da Universidade de Oxford demonstram que políticas de recuperação econômica podem efetivamente trazer tanto benefícios econômicos quanto climáticos. O Plano de Recuperação Sustentável da IEA (sigla em inglês para Agência Internacional de Energia) mostra que o investimento anual de US$ 1 trilhão (0,7% do PIB global) entre 2021 e 2023 em seis setores-chaves (transportes, indústria, eletricidade, combustíveis, construção e tecnologias emergentes de baixo carbono) pode aumentar o crescimento econômico mundial em 1,1% a cada ano – impulsionando a geração de empregos mais rápido do que seria possível com investimentos no setor de combustíveis fósseis.
Ao mesmo tempo, cresce a lista de países prometendo ações climáticas ambiciosas ao submeter Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) mais fortes como parte de seus compromissos no âmbito do Acordo de Paris e estabelecendo metas de zero emissões líquidas. No início de 2021, 59 países responsáveis por 53% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) haviam estabelecido metas para zerar suas emissões, a maioria se comprometendo a fazer isso até 2050. Esse grupo inclui mais de metade dos países do G20.
Embora algumas das maiores economias, como a União Europeia e, mais recentemente, os Estados Unidos, tenham anunciado robustos pacotes de estímulo econômico verde, países emergentes e em desenvolvimento também podem ter benefícios com planos de baixo carbono para recuperar suas economias da crise de Covid-19. Vários deles já caminham nessa direção – da Colômbia à Nigéria e à Coreia do Sul.
Longe de ser um obstáculo, o crescimento verde é, na verdade, um catalisador econômico comprovado. Um conjunto crescente de evidências, do WRI, do projeto New Climate Economy e de outras entidades, mostra que isso é verdade tanto globalmente quanto em diferentes países. A seguir, destacamos o que a pesquisa nos mostra sobre como avançar em trajetórias econômicas de baixo carbono que apoiem uma recuperação verde no Brasil e na Indonésia, e o que é necessário para aproveitar esse momento.
O casal de produtores Hasbulah Lubis e Rofiqoh Nasution colhe frutos de café arábica em uma área recentemente desmatada na vila de Pagar Gunung, perto do Parque Nacional Batang Gadis, no norte de Sumatra, na Indonésia (Foto: Conservation International/Tory Read)
Recuperação verde no Brasil: infraestrutura de qualidade, indústria inovadora e agricultura sustentável
O Brasil enfrenta a ameaça crescente de eventos climáticos extremos. Em 2017, cerca de 49% das cidades brasileiras foram afetadas por secas e 31% por enchentes. Em 2020, chuvas torrenciais no Sudeste causaram inundações e deslizamentos que forçaram o deslocamento de 30 mil pessoas. As atuais taxas de desmatamento geraram reações em âmbito nacional e internacional e podem chegar a um ponto crítico que ameaça os padrões de chuva e o setor agrícola do país.
Infelizmente, a NDC atualizada do Brasil, apresentada em dezembro de 2020, está muito aquém da ambição necessária para evitar uma crise climática e colocar o país em uma trajetória de desenvolvimento mais sustentável e inclusiva. Durante a Cúpula de Líderes sobre o Clima, em abril, o presidente Bolsonaro anunciou que o objetivo do país seria atingir a neutralidade em carbono até 2050, em vez de 2060, conforme declarado na NDC de dezembro. Ele também reiterou as promessas recentes de acabar com o desmatamento ilegal até 2030 por meio de recursos adicionais para garantir a aplicação da lei e investimento na governança fundiária. Embora essa retórica seja animadora, são necessárias ações significativas para demonstrar que o país está comprometido com a mitigação climática, especialmente considerando que esses novos compromissos contradizem muitas das decisões ambientais tomadas pelo governo do mesmo presidente nos últimos dois anos.
Uma pesquisa da iniciativa Nova Economia para o Brasil, liderada pelo WRI Brasil e pela New Climate Economy, em parceria com especialistas e outras instituições brasileiras, mostra que esse caminho não só é viável como na verdade gera melhores impactos econômicos e sociais. O relatório inaugural da iniciativa, “Uma Nova Economia para uma Nova Era”, descobriu que, até 2030, uma recuperação econômica de baixo carbono e resiliente em termos climáticos poderia gerar no país um aumento líquido de mais de 2 milhões de empregos em 2030 e um aumento acumulado adicional de R$ 2,8 trilhões no PIB até o fim da década em comparação a uma trajetória mantendo o cenário atual, com os benefícios aparecendo já a partir do primeiro ano. Uma transição como essa também pode levar a reduções na poluição do ar e da água, com benefícios substanciais para a saúde dos brasileiros e uma redução de 42% nas emissões de GEE até 2025, em relação aos níveis de 2005. O relatório demonstra como, com foco em infraestrutura de qualidade, inovações na indústria e agricultura sustentável, uma recuperação verde para o Brasil é possível. Esses três setores têm sido a força motriz da economia brasileira e se tornariam ainda mais produtivos e competitivos em uma transição de baixo carbono, atraindo, ao mesmo tempo, os necessários investimentos privados e internacionais.
Os ônibus elétricos são uma oportunidade para o desenvolvimento da indústria de baixo carbono e da competividade das alternativas de baixo carbono no Brasil. Não apenas podem ser gerados novos empregos ao longo da cadeia de produção dos veículos, como o investimento nesse modo de transporte coletivo contribui para reduzir a poluição do ar e seus impactos na saúde das pessoas. A poluição atmosférica é a causa de aproximadamente 50 mil mortes por ano no Brasil, o equivalente ao número anual de mortes em decorrência da violência e de acidentes de trânsito.
Em 2020, o setor agrícola foi responsável por um a cada três empregos no país e por 26,6% do PIB. Se quiser continuar competitivo no mercado internacional, o setor precisa ser desassociado do desmatamento. Uma expansão agrícola livre do desmatamento é viável. No Brasil, restaurar mais de 12 milhões de hectares de áreas de pastagem degradadas visando a usos mais produtivos exigiria um investimento de aproximadamente US$ 4,5 bilhões, mas poderia gerar um retorno sobre o investimento de US$ 3,6 bilhões até 2030 e fornecer um adicional de US$ 134 milhões em arrecadação tributária. O reflorestamento é outra oportunidade econômica: reflorestar áreas degradadas com espécies nativas e sistemas agroflorestais tem uma taxa de retorno de cerca de 12%, semelhante à do eucalipto e das culturas permanentes.
Oportunidades e desafios da transição para uma economia de baixo carbono na Indonésia
Desde que foi lançada em 2017 pelo Ministério do Planejamento do Desenvolvimento Nacional da Indonésia, o BAPPENAS, a Iniciativa de Desenvolvimento de Baixo Carbono (LCDI, na sigla em inglês) lidera a integração de atividades de baixo carbono nos planos de desenvolvimento econômico do país. O relatório de 2019 da iniciativa descobriu que uma trajetória de baixo carbono mais ambiciosa na Indonésia pode gerar um crescimento econômico maior e mais contínuo, assim como benefícios sociais e ambientais.
Uma rota sustentável e inclusiva de crescimento de longo prazo pode gerar 15 milhões de empregos verdes até 2045, bem como uma taxa média de crescimento do PIB de 6% ao ano até 2045 – mais do que no cenário atual e com benefícios líquidos já no primeiro ano. Um caminho de baixo carbono como esse também poderia ajudar a Indonésia a ir além da meta apresentada em sua NDC, de redução de 29% das emissões, alcançando o índice de quase 43% até 2030. Além disso, o plano de desenvolvimento reduziria as taxas de pobreza, ajudaria a evitar 40 mil mortes por ano em decorrência da poluição do ar, além de preencher as lacunas de gênero e desenvolvimento regional.
Com base no trabalho feito até aqui, a abordagem de desenvolvimento de baixo carbono foi integrada ao plano de desenvolvimento de médio prazo da Indonésia, de 2020 a 2024, tornando o país um dos primeiros no mundo a incorporar políticas públicas de baixo carbono nos planos nacionais de desenvolvimento econômico. De fato, as redução de emissões de GEE é agora um dos principais indicadores macroeconômicos que serão utilizados para medir o progresso do plano de desenvolvimento, ao lado das taxas de crescimento econômico, desemprego e redução da pobreza.
Apesar dos desafios em termos de coordenação burocrática, apoio financeiro e também impostos pela pandemia, o BAPPENAS fez do desenvolvimento de baixo carbono um programa prioritário no plano de trabalho anual do governo visando a uma melhor recuperação da crise de Covid-19. A Ministra da Fazenda, Sri Mulyani, também destacou o papel fundamental das políticas governamentais na promoção de transições para uma economia verde, embora o governo não tenha colocado diretamente a economia e o investimento verdes como focos principais no orçamento de seu ano fiscal de 2021.
A análise inicial da modelagem econômica da LCDI, feita pelo BAPPENAS, com o apoio do WRI e da New Climate Economy, agora está sendo atualizada para refletir a realidade econômica com a Covid-19 – incluindo uma retração econômica de 2,1% em 2020 – e os potenciais benefícios de uma recuperação verde. O Ministro do BAPPENAS, Suharso Monoarfa, explicou recentemente que, na última análise do ministério, um cenário de zero emissões líquidas na metade do século levaria a um crescimento do PIB e a uma renda per capita 2,5 vezes maior em comparação ao cenário atual entre 2021 e 2070. O BAPPENAS também está desenvolvendo um programa de estímulo fiscal verde que apoia a transição da Indonésia para uma economia verde. O programa, focado em energia, agricultura e gestão de resíduos, deve gerar empregos e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões de GEE.
Por outro lado, o governo também acelerou a promulgação do primeiro projeto de lei para “Criação de Empregos” da Indonésia durante a crise de Covid-19, reescrevendo 73 leis setoriais que relaxam os requisitos de investimento. Essa lei pode comprometer normas ambientais e trabalhistas em prol do crescimento econômico e do investimento. Esforços para melhorar a colaboração estão agora em andamento por parte do BAPPENAS junto a outros ministérios, com o objetivo de identificar medidas que possam concretizar os benefícios de uma recuperação verde no futuro. Politicamente, no entanto, essa não é uma tarefa de avanço fácil, dadas a proeminência de algumas indústrias tradicionais e as agendas conflitantes entre os ministérios.
Aproveitando o momento para a recuperação da Covid-19
Os exemplos do Brasil e da Indonésia não são casos isolados; são indicadores de oportunidades reais existentes em países em todo o mundo.
O pacote de estímulo da Nigéria alocou em torno de US$ 619 milhões em um projeto de sistemas de energia solar que oferecerá energia para 5 milhões de famílias que vivem hoje sem eletricidade. Em paralelo, pacotes de estímulo na China abriram espaço para “novas infraestruturas” – incluindo transporte de baixo carbono, sistemas de trilhos, estações de carregamento de veículos elétricos e transmissão de eletricidade de alta tensão. Uma análise do WRI mostra que, com uma ação climática mais ambiciosa, a China poderia atingir o pico de suas emissões de carbono até 2026, e até 2050 poderia prevenir 1,89 milhão de mortes prematuras e gerar quase US$ 1 trilhão em benefícios econômicos e sociais líquidos. O plano de recuperação da Colômbia inclui soluções baseadas na natureza, como redução do desmatamento, restauração de terras degradadas e criação de espaços públicos verdes. O plano também destina US$ 4,7 bilhões para acelerar 27 projetos de energia renovável e transmissão, com o objetivo de criar 55 mil empregos. Aproveitando essas oportunidades, mesmo em meio à pandemia global, a China anunciou o compromisso de chegar a zero emissões líquidas em sua economia até 2060, e a Colômbia anunciou uma NDC aprimorada e bastante ambiciosa.
Muitos outros atores – como investidores e empresas, em particular – estão reconhecendo e aproveitando essa oportunidade. Mais de 1,4 mil grandes empresas assinaram a iniciativa Science Based Targets (Metas Baseadas na Ciência), comprometendo-se a reduzir suas emissões de acordo com o que a ciência afirma ser necessário. Mesmo antes da crise de Covid-19, investidores privados já haviam começado a abandonar infraestruturas de alto carbono. Agora, aproveitam a oportunidade para conduzir uma recuperação a partir de iniciativas verdes. As instituições financeiras globais estão se afastando do carvão e se comprometendo com carteiras de investimento alinhadas à neutralidade de carbono. A Aliança Financeira de Glasgow pelo Zero Líquido (GFANZ, na sigla em inglês), por exemplo, reúne 160 bancos, proprietários e gestores de ativos que juntos são responsáveis por ativos superiores a US$ 70 trilhões. O grupo se comprometeu a alinhar seus investimentos para atingir o zero líquido até 2050 ou antes.
A restauração de milhares de hectares de áreas degradadas no norte do Espírito Santo é vista como uma oportunidade de encarar os sérios riscos de seca e falta de água no estado (Foto: Kika Gouvea/WRI)
Ação nacional, apoio internacional
É crescente a conscientização de que não devemos retornar aos mesmos sistemas econômicos falhos de antes. As recuperações econômicas nacionais verdes oferecem oportunidades para uma reconstrução melhor, visando a um futuro de baixo carbono, inclusivo e resiliente. Embora muitos países, incluindo Brasil e Indonésia, tenham proposto pacotes de estímulo que ainda incluem apoio a atividades intensivas em carbono, outros, como Coreia do Sul, China e Canadá, estão se movendo em direção a planos de recuperação mais verdes.
Políticas internas como essas também podem apoiar a ambição climática. Fortalecendo suas NDCs, os países podem reforçar os esforços nacionais para criar empregos, tornarem-se competitivos nas indústrias do futuro, reduzir os riscos à saúde e construir resiliência após a pandemia. A Covid-19 nos deixou mais conscientes a respeito de como estamos interconectados – uns aos outros e com a natureza. Estamos mais cientes de como podem surgir ameaças às nossas sociedades e economias, sejam elas novas pandemias ou o aumento da frequência e da intensidade dos desastres naturais provocados pelas mudanças climáticas.
O que é necessário agora é apoio internacional para ajudar os países a concretizarem essa visão – com mais urgência para os países pequenos, vulneráveis e de baixa renda, muitos dos quais estão na vanguarda dos esforços para aumentar a ambição da ação climática. Diferente de muitas nações industrializadas, economias emergentes como o Brasil e a Indonésia enfrentam restrições para expandir os investimentos e também podem precisar de apoio. Um exemplo é que, embora um caminho mais ambicioso de baixo carbono na Indonésia possa oferecer benefícios econômicos e de desenvolvimento líquidos desde o primeiro ano, também vai exigir investimentos iniciais mais altos – de até US$ 22 bilhões por ano (1,7% do PIB). Para realizar esses investimentos tão necessários, será essencial trabalhar em conjunto com a comunidade internacional e o setor financeiro privado. A recuperação dos países de baixa renda exigirá a criação de espaço orçamentário e a redução das pressões sobre a balança de pagamentos – uma área em que a comunidade internacional pode ajudar de forma significativa.
A comunidade internacional também pode ajudar a identificar conjuntos de projetos sustentáveis e ajudar os países a obterem acesso a crédito verde e garantias de mercado. À medida que as nações formulam um roteiro de economia verde, assim como estímulos fiscais verdes para setores específicos, a colaboração e o apoio internacionais serão essenciais para que os planos se tornem realidade. E, à medida que investidores nacionais e internacionais se afastam cada vez mais de projetos não sustentáveis arriscados, a opção por uma recuperação sustentável e de baixo carbono pode permitir que países como Brasil e Indonésia tenham acesso a cada vez mais financiamento verde e oportunidades de investimento.
Esse é o momento para todos os países avançarem em direção a economias sustentáveis, inclusivas, resilientes e de baixo carbono e integrarem a ação climática em suas políticas de recuperação econômica. Fazendo isso, podem cumprir metas climáticas e aproveitar a oportunidade para construir um futuro mais verde, justo e resiliente para todos.