Por que os próximos 3 meses são cruciais para as pessoas, a natureza e o clima
Até o final do ano, tomadores de decisão de quase todos os países do mundo participarão de uma série de cúpulas internacionais de alto nível. Juntos, esses eventos são uma oportunidade única de buscar soluções para os maiores desafios enfrentados pelas pessoas, pela natureza e pelo clima.
Tudo começa com a Assembleia Geral da ONU e a Semana do Clima, em Nova York. Depois, em outubro, os líderes globais estarão reunidos em Cali, na Colômbia, para a COP16 sobre as metas globais de biodiversidade, que acontece na mesma semana em que as Reuniões Anuais do Banco Mundial e do FMI sobre financiamento internacional para o desenvolvimento. Muitos desses mesmos líderes também estarão na Conferência do Clima da ONU (COP29) em Baku, no Azerbaijão, e na Cúpula dos Líderes do G20, no Rio de Janeiro, em novembro.
Com essa sequência de encontros, os tomadores de decisão têm uma oportunidade sem precedentes de finalmente colocar o mundo no caminho certo para um futuro habitável.
Se olharmos para os resultados de cúpulas passadas, podemos antecipar mudanças “incrementais” na melhor das hipóteses. Não podemos nos dar ao luxo de continuar dessa forma. Diante da magnitude dos desafios globais das mudanças climáticas, perda de biodiversidade e desigualdade – todos avançando na direção errada e com consequências terríveis –, avanços fragmentados não são o suficiente. Os líderes precisam não apenas abordar esses desafios de forma integrada, mas garantir que as conferências dessa temporada se baseiem umas nas outras para encaminhar as mudanças transformadoras que precisamos promover no mundo.
As metas globais de sustentabilidade estão muito longe do rumo necessário
Cerca de uma década atrás, em Paris, quase todos os países do mundo concordaram em manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C. No mesmo ano, os estados-membros da ONU adotaram com unanimidade os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, visando acabar com a pobreza, erradicar a fome e enfrentar outros desafios, sem deixar de estimular o crescimento econômico. E, em 2022, 190 nações se comprometeram com a iniciativa 30x30, um acordo para combater a perda de biodiversidade e proteger pelo menos 30% das áreas terrestres e oceânicas do mundo e restaurar 30% dos ecossistemas degradados até 2030.
Essas ambições são significativas. Até agora, porém, elas não se traduziram em ações suficientes. O Balanço Global de 2023, por exemplo, revelou que, longe da meta de manter o aquecimento dentro do limite de 1,5°C, o mundo caminha rumo a um desastroso aquecimento de 2,9°C até o final do século. Apenas em 2023, o planeta perdeu 3,7 milhões de hectares de florestas tropicais primárias, o equivalente a 10 campos de futebol por minuto!
2024 oferece a chance de finalmente colocarmos os objetivos globais – e um futuro melhor – ao alcance. Nas próximas cúpulas e no espaço de tempo entre elas, é essencial que os líderes promovam três grandes mudanças: mais financiamento, políticas mais incisivas e mais ambição.
Financiamento: mais recursos e de melhor qualidade para os países que precisam
Os países em desenvolvimento são os menos responsáveis pelas mudanças climáticas, mas tendem a sofrer os maiores impactos – e precisarão de aproximadamente US$ 2,4 trilhões por ano em investimentos até 2030 (sem contar a China) para atingir as metas globais relacionadas ao clima e à natureza. Desse total, cerca de US$ 1 trilhão precisa vir de fontes externas. Garantir esse valor – quatro vezes mais do que os níveis de investimento atuais – exigirá mudanças significativas de fontes internacionais, nacionais, públicas e privadas.
Este ano oferece uma das maiores oportunidades em décadas para promovermos essas mudanças. Para isso, é fundamental que os países mais ricos tomem a iniciativa – tanto como um imperativo moral quanto econômico. Se quisermos evitar impactos climáticos ainda mais graves e todo o sofrimento que causam, é vital apoiar os países em desenvolvimento na adaptação e descarbonização de suas economias. Não existe um caminho possível para manter o aquecimento global dentro do limite de 1,5°C sem esses recursos.
A COP29 já foi apelidada de “COP do Financiamento”. Pela primeira vez em 15 anos, as negociações vão definir uma nova meta global de financiamento climático, que vai substituir o compromisso anterior de US$ 100 bilhões fornecidos anualmente pelos países ricos para apoiar o desenvolvimento de baixo carbono em nações em desenvolvimento. É essencial não apenas aumentar o montante de recursos, de forma que seja possível atender às necessidades das nações mais pobres e vulneráveis, mas também melhorar a qualidade do financiamento climático. Atualmente, 60% dos países de baixa renda estão endividados ou perto de estar. Esse cenário mostra que os países em desenvolvimento precisam de uma proporção maior de subsídios e financiamento concessional em detrimento de empréstimos.
Uma vez que a maior parte da biodiversidade e das florestas tropicais do mundo estão em países em desenvolvimento – e que esses ecossistemas oferecem benefícios ao mundo inteiro na forma de armazenamento de carbono, fornecimento de água e outros serviços –, os países mais ricos e desenvolvidos têm a responsabilidade de apoiar a proteção dessas áreas. As nações desenvolvidas prometeram fornecer US$ 20 bilhões em financiamento para a conservação até 2025, mas, com um déficit de US$ 11,6 bilhões, esse compromisso está longe de ser cumprido. Os países precisam chegar à COP16, da Biodiversidade, preparados para cumprir essa promessa, além de mostrar como estão redirecionando os US$ 500 bilhões em subsídios prejudiciais que contribuem para a degradação dos ecossistemas.
Além das negociações na COP29 e na COP16, discussões mais amplas sobre a reforma do sistema financeiro global e investimentos por parte do setor privado serão essenciais para aumentar os fluxos de financiamento sustentável – que precisam passar da casa de bilhões para trilhões de dólares por ano. Assim como as nações mais ricas, o G20 também pode ajudar a promover reformas profundas no setor financeiro – incluindo alinhar todos os fluxos de financiamento público e privado com as metas do Acordo de Paris e do Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, além de identificar maneiras de aliviar e reestruturar a dívida. Em paralelo, as Reuniões Anuais do Banco Mundial/FMI, que acontecem em outubro, são uma excelente oportunidade para aumentar o capital fornecido pelos bancos multilaterais de desenvolvimento e garantir que o financiamento possa fluir para as nações e setores que mais precisam. Tanto para cumprir as metas relacionadas ao clima e à natureza quanto para aumentar a ambição, precisamos de financiamento de qualidade e em maior quantidade.
Políticas: estabelecer um caminho de desenvolvimento integrado para os países
Metas globais criam um cenário favorável, mas só se concretizam por meio de ações internas em cada país. É por isso que implementar políticas nacionais mais incisivas é fundamental para aproveitar oportunidades para as pessoas, a natureza e o clima.
Os líderes nacionais podem começar usando as conferências de 2024 para demonstrar avanços concretos em seus compromissos coletivos. Nos últimos anos, diversos países fizeram promessas coletivas para interromper o uso de combustíveis fósseis, triplicar a energia renovável, reduzir o metano, mudar para sistemas alimentares sustentáveis e acabar com o desmatamento até 2030. Ao demonstrar sinais concretos de que estão agindo para promover essas mudanças, os líderes nacionais podem inspirar os demais a cumprirem suas próprias promessas e aumentar a ambição como um todo.
As metas para a natureza, o clima e as pessoas são profundamente interligadas, mas, historicamente, as políticas têm sido formuladas de forma isolada e fragmentada. As políticas climáticas e ambientais só serão viáveis se forem positivas para as pessoas e para a economia. Criar empregos, melhorar a saúde, reduzir custos e garantir uma “transição justa” são objetivos que devem estar no centro das estratégias climáticas e ambientais dos países. Para implementar essas mudanças, os líderes precisam adotar uma abordagem holística, envolvendo todos os setores governamentais e integrando os objetivos climáticos e ambientais às políticas agrícolas, industriais e econômicas, entre outras.
O G20 pode contribuir nesse aspecto criando uma estrutura para que os países elaborem planos de desenvolvimento econômico integrados, incorporando o clima e a natureza. Se adequadas, essas estruturas podem ajudar os países a atrair mais financiamento para suas políticas e ações.
Ambição: metas mais incisivas para o clima, a natureza e as pessoas
Ao mesmo tempo, os líderes precisam estabelecer objetivos mais ambiciosos.
Sem dúvida, o mundo já está cheio de compromissos – e cumpri-los é essencial. Se os países cumprirem seus planos climáticos já existentes, pesquisas mostram que o mundo avança em uma trajetória de até 2,9°C de aquecimento até o final do século. É um cenário muito melhor do que os 4°C projetados caso as nações não cumpram seus planos, mas ainda insuficiente para garantir um futuro seguro. Os próximos meses são cruciais para os países definirem metas mais ambiciosas que possam proteger a natureza, estabilizar o clima e garantir que as pessoas possam prosperar.
Até a COP16, todos os países devem enviar suas Estratégias e Planos de Ação Nacionais de Biodiversidade (NBSAPs, na sigla em inglês) detalhando como atingirão as metas coletivas do Marco Global de Biodiversidade, incluindo a iniciativa 30x30. Até agora, porém, apenas algumas nações enviaram suas estratégias. Os países devem apresentar metas e planos ousados e pragmáticos, mostrando quais áreas serão priorizadas com medidas de proteção e restauração, quais mudanças serão feitas nos sistemas alimentares (um dos principais catalisadores da perda de biodiversidade) e de que forma apoiarão os direitos dos Povos Indígenas e das comunidades que estão na linha de frente.
No âmbito do Acordo de Paris, os países são obrigados a submeter novas metas climáticas nacionais e planos de ação (NDCs) a cada cinco anos, com o próximo conjunto previsto para fevereiro de 2025. Na Semana do Clima, na COP29 e em outros momentos-chave de 2024, os países devem compartilhar suas intenções de tornar essa próxima rodada de NDCs muito mais ambiciosa do que a última. Reduções de emissões mais rigorosas por parte dos países do G20, responsáveis por mais de 75% dos gases de efeito estufa emitidos no mundo, serão especialmente importantes para estimular outros países e inspirar NDCs mais ambiciosas de forma geral.
É importante que os líderes reconheçam que a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas são crises diretamente interligadas. Estratégias e planos nacionais de biodiversidade mais ousados podem gerar NDCs mais ambiciosas e vice-versa. Os países devem integrar as metas das NDCs e NBSAPs em suas políticas, planos e recursos internos relacionados aos sistemas alimentares, florestas e segurança hídrica – três áreas fundamentais para as metas climáticas, de biodiversidade e de desenvolvimento dos países.
Criando um ciclo positivo rumo ao sucesso
Todas as cúpulas internacionais de 2024 estão conectadas entre si – decisões tomadas em um evento afetam as discussões e os resultados dos demais. Os países que estabelecerem metas nacionais ambiciosas de clima e biodiversidade, integradas em novos planos de desenvolvimento econômico e respaldadas por políticas e financiamento, podem atrair investimentos privados e internacionais – e agir em prol da natureza, do clima e das crises humanas ao mesmo tempo. Uma nova meta global de financiamento climático ambiciosa, por exemplo, pode dar aos países em desenvolvimento a confiança para apresentar NDCs mais ousadas em 2025. Em paralelo, as reuniões do Banco Mundial/FMI e a cúpula do G20 são momentos cruciais para estimular reformas financeiras internacionais e garantir uma transição global bem-sucedida e justa.
Os próximos meses ajudarão a determinar se o mundo continuará acomodado diante de metas não cumpridas e avanços isolados – ou se promoveremos as mudanças necessárias para construir uma economia global positiva para as pessoas, a natureza e o clima.
Este artigo foi publicado originalmente no Insights.