O Brasil tem uma meta de restaurar pelo menos 12 milhões de hectares de florestas no país todo até 2030 – uma área pouco menor que a do estado do Amapá. Essa meta foi apresentada oficialmente como compromisso do país no Acordo de Paris, e é um importante instrumento para reduzir emissões, proteger a biodiversidade e promover uma nova economia no país. 

Para implementar a restauração de forma eficaz, é essencial não apenas organizar as ações, mas também planejar cuidadosamente, direcionando-as a áreas prioritárias, incentivando as iniciativas já em curso e maximizando os benefícios para a sociedade. 

O Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, conhecido como Planaveg, define diretrizes para acelerar e dar escala a restauração no Brasil. Inicialmente lançado em 2017, o plano passou por uma revisão, resultando em uma nova versão em 2024, aprovada pela Comissão Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa (Conaveg) e lançada durante a 16ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica 2024 (COP 16). 

O que é o Planaveg e por que esse documento é tão importante para a promoção do desenvolvimento sustentável no Brasil? 

O que tem de novo no Planaveg 2.0 

Um dos aspectos mais importantes do novo Planaveg é a reafirmação, pelo Estado brasileiro, de que a restauração de pelo menos 12 milhões de hectares permanece como uma prioridade.  

Clique na imagem para acessar o Sumário Executivo do Plano no site do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). 
Foto: Divulgação

Desde que o primeiro plano foi lançado, medidas de enfraquecimento da legislação ambiental comprometeram sua implantação, como a extinção dos conselhos ambientais pelo Decreto nº 9.759, de 2019; o desaparecimento da meta de restauração da NDC brasileira em sua atualização de 2021; e a flexibilização das áreas de preservação permanente urbanas, também em 2021. Com a mudança de governo em 2023, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) retoma as políticas ambientais, e a atualização do Planaveg é um importante momento de repactuação da meta de restauração. 

Além da meta em si, o Planaveg 2.0 apresenta importantes avanços para ampliar a escala da restauração no Brasil, como uma estrutura de governança aprimorada e previsão de instrumentos financeiros e sistemas de monitoramento inovadores que viabilizam a implementação da recuperação da vegetação nativa. 

Além disso, ele posiciona a restauração de paisagens e florestas como uma agenda socioeconômica do país, utilizando as medidas de recuperação como um instrumento para reduzir desigualdades sociais e combater a insegurança alimentar. Dessa forma, a restauração é integrada como um elemento essencial nas estratégias de transição justa para um novo modelo de desenvolvimento.  

Para estruturar a cadeia da restauração, o Planaveg 2.0 apresenta três pilares essenciais para a restauração florestal brasileira:  

  1. Governança e arranjos de implementação: diretrizes para fortalecer a articulação entre diferentes níveis de governo, setor privado e sociedade civil para garantir a coordenação eficiente das ações de restauração;  
  2. Mecanismos financeiros e investimentos: mobilização de recursos e criação de mecanismos financeiros que incentivem atores locais e investidores a prática de recuperação ambiental. Reforço ou criação de instrumentos inovadores para atrair investimentos e promover o acesso que viabilize a restauração em larga escala;  
  3. Monitoramento e inteligência territorial: caminhos para expandir e otimizar o monitoramento da restauração, com o apoio de tecnologias de sensoriamento remoto e conexão com plataformas já existentes.  

Esses pilares foram construídos a partir da participação e colaboração entre os setores privado, público, sociedade civil e academia no processo liderado pelo Departamento de Florestas do MMA. 

Uma novidade muito importante desta nova versão do Planaveg é o reconhecimento dos movimentos de restauração por bioma nesse processo. Todos os biomas terrestres brasileiros têm um movimento de restauração de ecossistemas: Aliança pela Restauração da Amazônia, Araticum - Articulação pela Restauração do Cerrado, Recaa – Rede para Restauração da Caatinga, Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, Pacto pela Restauração do Pantanal e a RedeSul de Restauração Ecológica. Esses movimentos participaram do desenvolvimento do Planaveg e têm um papel importante na execução do plano, inclusive com cadeira permanente no Conaveg, algo ausente na versão anterior. 

Visita a área de restauração na Caatinga
Área de restauração na Caatinga. Planaveg 2.0 prevê representação dos coletivos de restauração de todos os biomas brasileiros. Foto: Claudio Gomes/Raízes da Caatinga

O que é restauração segundo o Planaveg 2.0 

O Planaveg 2.0 traz um avanço importante ao propor arranjos de restauração viáveis e eficazes para a implementação em larga escala. 

Para isso, foram definidos critérios baseados em potencial de ganho de escala, oportunidades de financiamento, adequação legal e práticas já em andamento. Assim, o plano apresenta quatro principais arranjos que contemplam esses critérios e visam maximizar os impactos da restauração no país: 

  • Restauração com foco na regularização ambiental: a recuperação de áreas degradadas ou desmatadas que, pela lei, devem ser protegidas, como as Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e Reserva Legal (RL); 
  • Recuperação produtiva associada a economia florestal: recuperação da vegetação nativa em modelos com fins econômicos, como as agroflorestas, a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) ou a silvicultura de nativas
  • Recuperação de áreas públicas: a restauração ecológica em áreas públicas, como Unidades de Conservação (TI) ou Terras Indígenas (TI); 
  • Recuperação compulsória: a restauração determinada por atos de infração, termos de ajustamento de conduta (TACs) ou determinadas em processos de licenciamento ambiental de grandes obras de infraestrutura.  
Localizada em Minas Gerais, a Fazenda Mangalô Agroflorestal tem como foco a produção de leite. Com o objetivo de aliar agrofloresta e pecuária de maneira sustentável e financeiramente viável, o negócio desenvolveu um sistema chamado de pastagens agroflorestais, que possibilita a restauração de áreas de pastagem degradada, melhora da produtividade da pecuária leiteira e a geração de emprego e renda
Integração Lavoura-Pecuária-Floresta na Fazenda Mangalô, em Minas Gerais. Modelos produtivos de restauração são considerados no Planaveg 2.0. Foto: André Cherri/WRI Brasil

Histórico e conexão com outras políticas  

A implementação do Planaveg requer uma forte conexão com outras políticas e alavancagem de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. No âmbito internacional, o Planaveg alinha-se com marcos globais importantes que orientam a restauração de ecossistemas: 

  • Década da Restauração de Ecossistemas (2021-2030): criada em 2021 pela ONU e liderada pelo Pnuma e FAO, promove a recuperação ambiental global e contribui diretamente para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). 
  • Compromisso Brasileiro no Acordo de Paris (2015): a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira, ratificada em 2016 e promulgada em 2017, no contexto do Acordo de Paris, prevê como forma de alcance da redução de emissões de gases de efeito estufa a restauração de 12 milhões de hectares até 2030. 
  • Convenção da Diversidade Biológica (CDB): o Brasil apoia as metas globais de biodiversidade pós-2020, reconhecendo o papel crucial da restauração para a conservação ambiental e o desenvolvimento humano sustentável. 
  • Metas Nacionais de Biodiversidade: as novas metas foram estabelecidas na 15ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica 2022 (COP 15). A Meta 2 prevê “assegurar que, até 2030, pelo menos 30% das áreas degradadas de ecossistemas terrestres, de águas interiores e costeiras e marinhas estejam sob restauração efetiva, a fim de aumentar a biodiversidade e as funções e serviços ecossistêmicos, a integridade ecológica e a conectividade”. 
  • Desafio de Bonn e Iniciativa 20x20: em 2016, o Brasil firmou o compromisso voluntário de restaurar 12 milhões de hectares, implementar 5 milhões de hectares em sistemas agrícolas integrados até 2030 e recuperar pastagens degradadas. 

Esses marcos fortalecem a estrutura e o impacto do Planaveg como política de restauração ambiental integrada a objetivos globais de sustentabilidade e dão suporte à legislação ambiental brasileira, que prevê mecanismos para restauração e conservação de ecossistemas, com destaque para a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (LPVN), conhecida como Código Florestal. Essa Lei estabeleceu a recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal desmatadas ilegalmente, promovendo a adequação ambiental das propriedades. Sua aprovação foi o ponto de partida para o desenho do que se tornaria o Planaveg. 

Além do Código Florestal e de compromissos internacionais brasileiros, o Planaveg se alinha à recuperação de áreas degradada em Terras Indígenas, Unidades de Conservação, ou derivadas de processos de Licenciamento Ambiental e crimes ambientais, possibilitando ao país maior implantação da Política Nacional do Meio Ambiente e do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, ampliando a regularidade ambiental e gerando maior segurança jurídica. 

A Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, instituída pelo Decreto nº 8.972, de 2017, criou o Planaveg como instrumento de sua implantação. Seu estabelecimento utilizou as bases metodológicas do Diagnóstico da Restauração, um método para desenvolver estratégias de restauração de paisagens e florestas por meio da avaliação de fatores-chave de sucesso. O lançamento do plano marcou um avanço importante para a comunidade da restauração no Brasil, pois reuniu temas relevantes, pesquisa acadêmica e iniciativas práticas de implementação e, principalmente, por incorporar aspectos econômicos e sociais na restauração ecológica.  

Apesar do avanço, a primeira versão do Planaveg também teve suas limitações, como a ausência de diretrizes para áreas prioritárias, ausência de indicação de ferramentas de implantação e o baixo engajamento e representatividade dos estados e municípios. Além disso, foi percebida uma participação limitada da sociedade na formulação da política. 

Planejando a restauração com Participação Social 

O novo Planaveg foi desenvolvido para responder às limitações anteriores, integrando a participação ativa dada sociedade civil, comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultura familiar em um processo de construção de nove meses. A reativação da Comissão Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa (Conaveg) também foi fundamental, garantindo representatividade dos coletivos de restauração dos seis biomas brasileiros e alinhando o Planaveg com os planos e políticas estaduais de restauração, como a PRVN, do estado do Pará

 Visita às áreas de RNA implementadas no Assentamento Abril Vermelho e Workshop para levantamento de oportunidades de restauração em assentamentos rurais no bioma Amazônico
Oficina de oportunidades de restauração em assentamentos da reforma agrária no Pará. Participação social é um dos pilares do novo plano de restauração. Foto: Igor Lopes/WRI Brasil

A restauração de paisagens e florestas, nesse contexto, é um meio para gerar benefícios amplos para a sociedade, incluindo a melhoria da qualidade da água, a regulação climática, a proteção da biodiversidade e a segurança alimentar. Com suas ações bem definidas e planejadas, o Planaveg pode funcionar como um grande aglutinador de políticas, direcionando o país rumo a uma transição justa que proteja e restaure seus ecossistemas.  

Assim, o Planaveg 2.0 representa não apenas um marco na restauração, mas também uma oportunidade de transformar os compromissos do Brasil em ações concretas, integradas e duradouras. Com o alinhamento de políticas públicas, o fortalecimento do engajamento social e o respeito às especificidades dos biomas brasileiros, o novo plano tem potencial de gerar benefícios ambientais, sociais e econômicos de longo prazo.