Desde a década de 1990, quando foi criado na Suécia, o Visão Zero se tornou um movimento global para prevenir mortes e ferimentos graves nas estradas, adotando uma abordagem de sistema seguro para a segurança viária. Mas, apesar dos sucessos documentados da abordagem na redução de ferimentos e mortes, muitas das ruas do mundo continuam a se tornar mais perigosas a cada ano. Por quê? Mais veículos nas ruas e mais pessoas nas cidades são fatores importantes, mas também existe uma lacuna frustrante entre os compromissos públicos com a Visão Zero e as ações para tornar esses compromissos realidade.

Em janeiro de 2020, lançamos o Desafio Visão Zero com 24 cidades da América Latina e do Caribe para apoiar a concretização plena da Visão Zero, identificando e superando as barreiras para a mudança. A programação do Desafio é baseada na troca de conhecimento entre especialistas e líderes das cidades, bem como entre as próprias cidades. Em reuniões virtuais de treinamento, as cidades participantes identificaram as barreiras que enfrentam para implementar a Visão Zero e aprenderam formas de superá-las.

<p>gráfico com dificuldades mencionadas para implementar visão zero</p>

Mais do que apenas "acidentes" de trânsito

No início do Desafio, as cidades foram solicitadas a identificar os três principais obstáculos para a implementação de um plano de segurança viária Visão Zero. A maior barreira identificada foi a falta de liderança política. Como disse Sergio Martinez, da Agência Distrital de Mobilidade em Bogotá, em um webinar, “A liderança política é o fator mais importante, pelo menos para iniciar o processo [de Visão Zero].”

Um elemento que pode ajudar a gerar impulso, segundo os especialistas, é o fato de que a segurança viária impacta em outras agendas urbanas importantes, como sustentabilidade e saúde pública, que geralmente contam com amplo apoio político. As mudanças nas políticas e na infraestrutura que surgem com a implementação da Visão Zero não apenas reduzem as fatalidades e lesões graves, mas também estimulam os meios de transporte ativos e sustentáveis ao melhorar as condições para ciclistas e pedestres. À medida que as ruas se tornam mais seguras para esses usuários mais vulneráveis, é mais provável que as pessoas optem por caminhar e andar de bicicleta ao invés de usar o transporte motorizado, o que pode reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

De acordo com Stuart Reid, diretor de Visão Zero da Transport for London, a segurança viária e a sustentabilidade estão necessariamente relacionadas. Ele explicou que Londres está trabalhando para aumentar a mobilidade ativa e que “o medo e as percepções de segurança foram a principal barreira para desbloquear o potencial de viagens sustentáveis e ativas”. O Plano de Ação Visão Zero de Londres mira nos perigos que geram esses medos, reduzindo a velocidade dos veículos e implementando intervenções como o Programa Junções Seguras, que visa melhorar a infraestrutura para caminhadas e ciclismo nos pontos mais perigosos.

O aumento dos deslocamentos ativos também tem potencial para melhorar a saúde pública e reduzir os custos de sinistros (ou “acidentes”) de trânsito. A cada ano, mais de 100 mil pessoas morrem em toda a América Latina em consequência de sinistros de trânsito, o que representa uma enorme perda social e econômica. Os dados sugerem que países da região perdem de 1,5% a 2,9% do PIB nacional devido a mortes e lesões no trânsito. Durante um treinamento, Eugênia Maria Rodrigues, assessora regional de segurança viária da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), disse que “em alguns hospitais, 70% dos leitos são ocupados por vítimas do trânsito”.

A pandemia de Covid-19 colocou ainda mais pressão sobre as cidades para criar ambientes novos e seguros para viagens. O uso da bicicleta, em particular, disparou globalmente, obrigando as cidades a projetar rapidamente ciclovias emergentes que são flexíveis e adaptáveis ao espaço disponível nas ruas.

Muitos participantes do Desafio Visão Zero se perguntaram como obter apoio político para tornar essas ciclovias permanentes. Giovanni Zayas, um consultor de mobilidade ativa do Grupo Banco Mundial no México, disse que a importância de contar uma história não pode ser subestimada. “Precisamos mostrar aos nossos líderes que essas são iniciativas exigidas pelas pessoas. Pelos moradores das cidades que lideram”, afirmou.

Aproveitando a voz da comunidade

O envolvimento da comunidade é parte fundamental da construção de apoio político para mudanças de segurança viária. Além de garantir que as necessidades dos mais vulneráveis sejam atendidas, esse envolvimento oferece uma ferramenta poderosa para convencer líderes e mudar o comportamento de usuários.

Johanna Vollrath, secretária executiva da Comissão Nacional de Segurança viária do Chile, destacou o valor para as cidades latino-americanas em particular de “ter [os usuários mais vulneráveis] como parceiros na exigência de medidas de gestão de velocidade”, bem como outras iniciativas de segurança viária.

Vários especialistas recomendaram priorizar as vozes de crianças e jovens na tentativa de persuadir os legisladores a traduzir o compromisso da Visão Zero em ação. Implementar medidas amigáveis às crianças, como zonas de baixa velocidade e áreas escolares seguras, infraestrutura segura para caminhada e ciclismo e espaços verdes acessíveis, ajuda a tornar a cidade mais segura e sustentável para todos, não apenas para as crianças. “É muito difícil dizer não às crianças”, disse Annie Peyton, associada sênior do programa da NACTO. “É uma abordagem dupla de focar nas crianças, criando espaços educacionais realmente bonitos e maravilhosos, ao mesmo tempo em que se cria ruas que funcionam para todos.”

<p>gráfico com elementos que tornam cidade amigável para ciraças</p>

Construir apoio de base para a segurança viária leva tempo e deve começar a partir de uma estratégia de comunicação e engajamento bem planejada. Ao longo do Desafio Visão Zero, especialistas aconselharam as cidades a se concentrarem em mudanças específicas de desenho que estão sendo implementadas para evitar confusão pública sobre a abordagem Visão Zero. Sara Whitehead, uma consultora de saúde pública e medicina preventiva, enfatizou que “tentar fazer um esforço de comunicação pública sobre uma mudança de paradigma é inútil. A comunicação com a comunidade precisa ser concreta e específica”. Um plano de comunicação forte também pode angariar apoio político, educando as autoridades municipais e o público.

À medida que o Desafio Visão Zero entra em seu segundo ano, as cidades participantes encontram-se equipadas com mais ferramentas, mas também enfrentam novos desafios para lidar com a Covid-19. Usando o que aprenderam ao longo de 2020, muitos estão bem posicionados para propor, projetar e executar novas iniciativas de segurança viária. Seguindo em frente, os Parceiros do Desafio Visão Zero, incluindo o WRI, continuarão a fornecer apoio a essas e outras cidades enquanto buscam ajudar os centros urbanos a se adaptarem e transformarem suas ruas.


Este artigo foi publicado originalmente no TheCityFix.