Este blog foi escrito por Anna Bray Sharpin e publicado originalmente no Insights.


Trinta e seis pessoas morreram em acidentes de trânsito em Washington, Estados Unidos, no ano passado, um aumento de 20% em relação a 2017. Oito pessoas, seis delas andando ou pedalando, já foram mortas neste ano, levando a uma grande manifestação pública há cerca de duas semanas. Os moradores estão irritados porque a cidade não está conseguindo conter as mortes no trânsito, apesar do prefeito Muriel Bowser ter se comprometido a zerá-las até 2024.

É uma situação comum. Embora mais de 40 cidades nos Estados Unidos e muitas outras em todo o mundo tenham se comprometido com a Visão Zero, um movimento global para acabar com mortes e lesões graves no trânsito a partir de uma abordagem sistêmica, muitas estão lutando para transformar essa visão em realidade. Os próprios cidadãos podem buscar a segurança no trânsito em muitos níveis – nas escolas, locais de trabalho, ruas e comunidades. Mas são os líderes eleitos que controlam orçamentos e prioridades e que realmente têm a responsabilidade de catalisar melhorias duradouras que salvarão a vida das pessoas.

Nesta semana, que marca a Semana Mundial da ONU sobre Segurança no Trânsito, cabe perguntar: o que significa a liderança política em segurança viária?

Três fatores são importantes:

1. Metas viáveis de redução de mortes no trânsito

Pesquisas em 14 países que estabeleceram metas de segurança no trânsito entre 1981 e 1999 levaram a melhorias significativas na segurança viária. Uma meta de zerar as mortes prepara a cidade para uma mudança de metalidade, mas os gestores também precisam estabelecer metas intermediárias ambiciosas e realistas. Isso permite que o progresso seja monitorado e avaliado, recebendo as adaptações conforme necessário.

Também é preciso definir metas específicas para cada contexto e considerar a adoção de indicadores adicionais de avaliação além da redução de mortes e lesões, como mudanças na percepção da população ou a avanços em mudanças sistêmicas, como novos limites de velocidade seguros. Isso permite que se avalie o progresso enquanto espera-se que o número de colisões, mortes e lesões diminuam.

Londres é amplamente reconhecida como líder em adotar uma abordagem sistêmica e holística para a segurança viária. Depois de reduzir as mortes no trânsito em 45% na última década, melhorando os projetos de ruas e reduzindo os limites de velocidade, o prefeito Sadiq Khan adotou formalmente o conceito de Visão Zero em 2018. O compromisso veio com um Plano de Ação para eliminar mortes e lesões graves até 2041, incluindo metas intermediárias para reduzir mortes e lesões graves em 65% até 2022, em comparação aos níveis de 2005 a 2009, e 70% abaixo dos níveis de 2010 a 2014 até 2030. O plano também estabeleceu muitas outras metas mensuráveis a serem alcançadas ao longo do caminho, como reduções específicas de fatalidades envolvendo ônibus, que em algumas vias tem limite de velocidade de 30 km/h.

<p>Londres reduziu as mortes no trânsito em 45% na última década ao melhorar o desenho de ruas e reduzir limites de velocidade (foto: Max Pixel)</p>

Londres reduziu as mortes no trânsito em 45% na última década ao melhorar o desenho de ruas e reduzir limites de velocidade (foto: Max Pixel)

2. Financiamento integrado da Segurança Viária

À medida que mais pessoas percebem que as mortes no trânsito são uma das principais causas de mortes no mundo, muitos fundos e redes de segurança viária multinacionais e filantrópicos surgem para ajudar a resolver o problema. No entanto, os gestores das cidades precisam apoiar seus compromissos de reduzir as mortes alocando o financiamento diretamente para melhorias na segurança viária. Além do compromisso ético de salvar vidas, esse investimento é econômico: ruas perigosas geram custos em termos de vidas perdidas e produtividade, assim como impactos negativos para a economia.

Uma pesquisa do International Road Assessment Program mostrou que só seriam necessários de 1% a 3% a mais do que já é gasto na construção de ruas para aumentar a segurança, sugerindo que o problema é mais de conscientização do que sobre a falta de recursos. Outros estudos também mostram os benefícios de transformar rodovias urbanas caras em ruas bem projetadas, com transporte público e infraestrutura para pedestres e ciclistas.

Como a segurança no trânsito é uma questão multifacetada, o orçamento não deve ser alocados apenas em projetos de segurança viária. Em vez disso, qualquer alocação orçamentária para mobilidade – desde o projeto da rua até o planejamento do transporte público – deve incluir um componente de segurança. A Associação de Ciclistasas da Área de Washington (WABA, na sigla em inglês) citou a falta de princípios de segurança em grandes projetos de mobilidade como uma das barreiras para a cidade alcançar seu compromisso de Visão Zero. Atualmente, a cidade não tem políticas que exijam que os milhões de dólares investidos em infraestrutura viária sejam com projetos de ruas seguras.

<p>Bogotá, na Colômbia</p>

Bogotá, na Colômbia (foto: EEIM/Wikimedia Commons)

3. Vontade política de tomar decisões difíceis em nome da segurança

As cidades que emergiram como líderes em segurança viária tomaram decisões difíceis, porém cruciais, de priorizar a segurança, como instalar radares, reduzir os limites de velocidade e redistribuir o espaço das ruas. Essas decisões muitas vezes enfrentam resistência inicial, mas à medida que vidas são salvas e surgem outros benefícios inesperados como a redução do congestionamento, a popularidade tende a crescer.

Bogotá, na Colômbia, por exemplo, desenvolveu recentemente um plano de gestão de velocidade para definir limites de velocidade seguros e reforçar a fiscalização. Uma das ações envolveu a redução do limite de velocidade de 60 km/h para 50 km/h em cinco das vias arteriais mais perigosas da cidade, onde ocorrem cerca de 150 mortes por ano. O plano já reduziu as mortes no trânsito em 32%, salvando 22 vidas desde o final de 2018. Enquanto o público e a mídia inicialmente criticaram o esforço e ficaram preocupados com o aumento do congestionamento, dados preliminares sugerem que os novos limites de velocidade podem ter melhorado o trânsito.

Muitas cidades, como Fortaleza, também estão experimentando o redesenho de ruas para equilibrar melhor o espaço oferecido aos carros com o de pedestres, ciclistas e veículos de transporte coletivo. Para minimizar reações negativas da população, Fortaleza começou com projetos de segurança viária que tinham maior apoio, como zonas de baixa velocidade em torno de hospitais e escolas e investiu na melhoria de espaços públicos.

A cidade só partiu para medidas tradicionalmente impopulares como a redução do limite de velocidade depois que os primeiros projetos tiveram resultados positivos e os cidadãos puderam experimentar os benefícios. Por exemplo, depois que 235 pessoas morreram em duas vias arteriais entre 2007 e 2017, a cidade reduziu os limites de velocidade de 60 km/h para 50 km/h e instalou novos semáforos, sinalização para pedestres, ciclovias, uma faixa de ônibus, entre outras medidas. Em uma dessas vias, a transformação reduziu o número de feridos em acidentes em 41%.

Não há como negar que os prefeitos enfrentam muitas pressões e demandas conflitantes de seus cidadãos. Poucas partes das cidades são mais disputadas do que as ruas em que vivemos e nos deslocamos. Os líderes não podem voltar atrás em intervenções pela segurança viária, como a redução de limites de velocidade, para obter ganhos políticos, nem devem assinar compromissos de Visão Zero se não transformarem suas palavras em ações. A responsabilidade fundamental dos líderes é proteger seus cidadãos. A vida das pessoas não deve ser uma moeda de barganha política.