Nos últimos três meses, a crise econômica no Brasil se tornou mais severa, consequência da pandemia do novo coronavírus. O Banco Mundial estimou uma queda no PIB do Brasil de 6,5% em 2020. O Fundo Monetário Internacional (FMI) foi além e prevê uma queda de 9%. Com a crise econômica, vem a crise do desemprego, que deixa trabalhadores mais vulneráveis. Estimativa do IBGE indica que mais de 7,8 milhões de postos de trabalho foram destruídos por conta da pandemia.

Os números ruins não são exclusivos do Brasil. O FMI prevê queda de 12% no PIB da Espanha, 8% dos Estados Unidos e 4,5% da Índia, por exemplo. É consenso no mundo que os países precisarão agir para permitir que suas economias se recuperem, recriando os empregos perdidos e retomando o crescimento do PIB a partir de 2021. Governos, organizações multilaterais e setor privado do mundo todo deverão investir trilhões de dólares este ano e no próximo para responder aos efeitos da crise provocada pela pandemia. Como esse recurso será investido, entretanto, fará toda a diferença para o futuro do planeta e das pessoas desta e das próximas gerações.

Reconstruir a economia exatamente como ela era antes – uma economia em que os combustíveis fósseis são a principal fonte de energia, que o desmatamento e a degradação de ambientes naturais seguem sem freios – pode resultar em novos problemas sociais e ambientais, afetando a qualidade de vida das populações. Por isso, a retomada econômica precisa ir além da forma convencional de se fazer negócios, vencendo o “business as usual”. É preciso fazer da recuperação econômica uma retomada "verde".

Uma recuperação verde

Como se caracterizaria uma retomada verde? É uma retomada econômica que aproveita oportunidades de investimento em setores estratégicos, promovendo novas tecnologias, inovações nos processos de produção e uso mais eficiente dos recursos públicos e privados, tirando as pessoas da pobreza e criando empregos. Além disso, também reduz a emissão de gases de efeito estufa, diminuindo a poluição do ar e resultando numa sociedade mais resiliente a surtos de doenças e aos impactos das mudanças climáticas.

Mesmo antes da pandemia, estudos econômicos e científicos já mostravam que buscar uma transição para uma economia de baixo carbono e um crescimento econômico resiliente aos impactos das mudanças climáticas é a melhor solução para promover benefícios sociais, ambientais e econômicos neste século. A iniciativa New Climate Economy identificou que uma ação climática ambiciosa pode resultar em um ganho líquido de US$ 26 trilhões em benefícios econômicos no mundo todo até 2030, se comparado com o business as usual. Esses benefícios incluem a criação de mais de 65 milhões de postos de trabalho em setores de baixa emissão de carbono até 2030.

Os benefícios da retomada verde são significativos, assim como os riscos de uma retomada que não considere as questões climática e ambiental. Investir em atividades e infraestrutura intensivas em carbono pode “aprisionar” a economia em um modelo ineficiente do passado, fazendo setores inteiros perderem competitividade no mercado por décadas. Portanto, é preciso adaptar nossas sociedades e economias para os desafios do século 21. Os países que se modernizarem primeiro terão vantagem.

Retomada verde pelo mundo

Alguns países já estão apresentando planos e pacotes de retomada econômica verde para enfrentar a pandemia e ao mesmo tempo preparar suas sociedades para os impactos das mudanças climáticas. A Alemanha, por exemplo, apresentou um pacote de 130 bilhões de euros que abre o caminho para uma retomada econômica que promova crescimento e criação de empregos em setores de baixo carbono. O pacote tem grande ênfase em veículos elétricos, incluindo pesquisa e desenvolvimento para ônibus elétricos. Além disso, não apresenta mecanismos de apoio à sua mundialmente conhecida indústria automobilística baseada em combustíveis fósseis. A expectativa é que o plano ajude o país no processo de transição energética, promovendo crescimento e emprego no setor de energias renováveis e permitindo a desativação de usinas a carvão.

Na Coreia do Sul, a ideia de uma retomada econômica verde se tornou assunto principal dos debates legislativos. Em março, o governo atual prometeu atingir emissões líquidas zero até 2050. Em junho, já enfrentando as consequências econômicas da pandemia, a Coreia do Sul apresentou um plano de recuperação econômica com forte ênfase em tecnologias digitais. A ideia é investir um pacote de US$ 61,9 bilhões até 2025 para gerar empregos e impulsionar a economia. Entre os vários setores previstos no plano, há propostas para substituir sistemas baseados em combustíveis fósseis por energias renováveis em prédios e serviços de utilidade pública no país, investir em modelos de negócios sustentáveis, criar infraestrutura para a utilização de energia solar, eólica e a hidrogênio e criar empregos em prevenção de desastres naturais e manejo de recursos hídricos.

A proposta de retomada verde da União Europeia também chama a atenção. O bloco europeu apresentou um plano de investimento de 750 bilhões de euros para enfrentar a pandemia. Segundo analistas, um quarto desse pacote é considerado como ações de crescimento verde. O plano apresenta uma proposta de renovação de prédios antigos, tornando-os mais eficientes no consumo de energia, tem instrumentos para atrair investimentos em energias renováveis e tecnologias de captura e armazenamento de carbono, além de aumentar o financiamento à agricultura de baixo carbono. O pacote europeu ainda precisa ser aprovado no parlamento dos 27 estados-membros, então as chances de o plano mudar ainda são grandes.

Claro que não existe uma bala de prata, uma solução única que sirva de retomada econômica para todo e qualquer país do mundo. Cada país deverá entender quais são seus desafios econômicos e moldar a retomada. O Brasil pode adaptar muitas das propostas apresentadas por outros países, mas também precisa criar as suas, focadas nas necessidades nacionais. O país precisará investir em setores importantes de sua economia, como infraestrutura, indústria e agricultura, por exemplo. Além disso, sendo uma nação de grandes extensões florestais, não pode deixar de considerar soluções baseadas na natureza como forma de enfrentar a crise econômica pós-Covid-19.

Ninguém pode ficar para trás

Independentemente das ações definidas nos planos de retomada verde dos países, está claro que um ponto não pode faltar: a transição para uma economia de baixo carbono precisa ser socialmente justa.

Trabalhadores que hoje ganham a vida em setores poluentes, como por exemplo o setor do carvão, podem ficar sem empregos na transição para uma economia limpa. Para que a retomada verde seja boa para toda a sociedade, é importante prever programas de apoio a trabalhadores desempregados e iniciativas de treinamento e recolocação profissional.

Se os planos de retomada verde não deixarem ninguém para trás, será possível reposicionar os países para adotarem uma economia eficiente e inovadora, gerando emprego, aumentando o crescimento econômico e protegendo a sociedade de crises futuras, seja de pandemias causadas por novos vírus, seja dos impactos das mudanças climáticas, já tratadas como a próxima grande crise global por cientistas e investidores.