Quem poderia prever 2020? Mesmo no início do ano, quando já se sabia da existência de um novo coronavírus, era difícil imaginar que o mundo passaria por tantas mudanças. Os impactos não se limitaram à saúde e espalharam-se pelo comportamento, a economia e muitos outros aspectos da vida no planeta, incluindo o meio ambiente.

Neste momento, não é possível prever como as vacinas contra o vírus podem mudar o destino da humanidade no próximo ano, nem como será a trajetória do Brasil na recuperação da crise causada pela Covid-19. O ano de 2021 começa com essa mistura de incertezas e expectativas – e um forte senso de urgência. Janeiro também marca o início de uma nova década cheia de grandes desafios como a emergência climática, a necessidade de tornar as economias mais limpas, de mudar a nossa relação com as florestas, o uso da terra, os espaços urbanos, reduzir as desigualdades, o racismo e muitos outros.

A proposta deste artigo não é apostar no que pode acontecer, mas reunir temas e momentos importantes para acompanhar ao longo de 2021 em Cidades, Clima e Florestas – os programas do WRI Brasil. Eles ajudarão a apontar como o Brasil e o mundo vão responder aos desafios da década que se inicia e que vão muito além da pandemia.

Florestas e agro sustentável como trunfos da retomada econômica

Início da Década de Restauração dos Ecossistemas da ONU: a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou, em resolução aprovada em 2019, que a partir do ano de 2021 será instaurada a Década de Restauração dos Ecossistemas. Longe de ser apenas uma medida simbólica, a Década encoraja estados-membros a adotarem políticas reais para mobilizar recursos, capacidade técnica e cooperação para conservar e restaurar florestas. O objetivo é estimular iniciativas de restauração que já estão em curso, desenvolver políticas públicas para evitar a degradação e recuperar áreas degradadas e, assim, acelerar e dar escala à restauração no mundo todo. Dessa forma, a ONU espera incentivar que cidades, estados e países restaurem ecossistemas para combater a pobreza, mitigar as mudanças climáticas, conservar os recursos naturais e melhorar a qualidade de vida das pessoas. O Brasil é peça fundamental nesta engrenagem e tem a oportunidade de liderar essa agenda no mundo, com benefícios ambientais, sociais e econômicos.

<p>mãos humanas seguram um cacho de açaí</p>

Brasil pode ser um dos líderes da agenda da restauração de ecossistemas no mundo. Na foto, viveiro de produção de mudas nativas no Parque Estadual do Rio Doce, em Minas Gerais (foto: Evandro Rodney/IEF)


Monitoramento da restauração florestal: no campo já se pode ver que a restauração das florestas está acontecendo em todos as regiões no Brasil, gerando benefícios ambientais e econômicos para os brasileiros. A websérie As Caras da Restauração ajudou a revelar o trabalho de alguns desses milhares de pioneiros. Em 2021, o desafio é acelerar, dar escala aos projetos e monitorar a transformação na paisagem. Uma das tendências previstas para o ano está no avanço das tecnologias de monitoramento do uso da terra para a restauração. O Brasil tem hoje alguns dos mais avançados sistemas de monitoramento por satélite para identificar desmatamentos e degradação, como o Prodes e o MapBiomas. O próximo passo é desenvolver um sistema para identificar quem está restaurando florestas, ajudando a dar o devido crédito para os produtores rurais que estão recuperando nossos ecossistemas. Um importante passo nesse sentido será dado ainda no começo de 2021, com o lançamento de um observatório da restauração e reflorestamento coordenado pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura com apoio do WRI Brasil.

Sustentabilidade no campo em resposta à crise econômica: recuperação de pastagens degradadas, restauração florestal, sistemas agroflorestais, Integração Lavoura, Pecuária e Floresta e agricultura regenerativa são algumas das opções disponíveis para estimular uma economia de baixo carbono sem agravar a crise ambiental. Uma retomada verde para a agricultura pode gerar ao menos R$ 19 bilhões em produtividade para o país. A restauração florestal é também uma ferramenta para gerar empregos no meio rural. O Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), política pública brasileira que definiu a meta de restauração de 12 milhões de hectares até 2030, estima que o esforço de recuperação em larga escala da vegetação nativa brasileira pode gerar entre 112 mil e 191 mil empregos rurais diretos por ano.

<p>mãos humanas seguram um cacho de açaí</p>

Açaí tem grande potencial para uma bioeconomia não-exaustiva na Amazônia (foto: Paula Vieira/Idam)


Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação: como qualquer atividade de uso do solo, o sucesso da restauração florestal depende de investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D). Para isso, o WRI Brasil e parceiros têm apoiado a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura no desenvolvimento de um programa de P&D para silvicultura de espécies nativas no Brasil. Para cada R$ 1,00 investido no programa, espera-se um retorno de R$ 2,39. O programa inclui oito temas de pesquisa e 30 espécies nativas e será lançado em janeiro de 2021.

Em ano chave para o clima, Estados Unidos e Amazônia sob os holofotes

Um ano decisivo para a ação climática: o ano de 2021 abre uma década estratégica para o mundo mitigar os impactos da crise climáticas em nossas vidas. A reunião do Clima que acontecerá em novembro, em Glasgow, Escócia, definirá os detalhes do plano de ação, mas cabe a cada país declarar seus próprios compromissos e metas diante desse desafio coletivo. Infelizmente o Brasil anunciou uma nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) pouco ambiciosa, que pode inclusive prejudicar uma retomada econômica mais verde e sustentável para o país. Um dos temas a serem tratados em Glasgow e de grande interesse para o Brasil será o mercado de carbono.

Estados Unidos darão prioridade à diplomacia do clima: As primeiras escolhas do presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, para compor a sua equipe indicam que as questões climáticas serão de fato um ponto central do novo governo americano. O experiente John Kerry será o enviado especial para o clima e terá assento no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca – a primeira vez que o órgão terá um cargo dedicado à questão climática. Com ele estarão nomes como Jake Sullivan, reconhecido pela atuação na área de clima, no papel de conselheiro de Segurança Nacional, e Antony Blinken, que será secretário de Estado e responsável por tornar as mudanças climáticas um dos pilares da diplomacia do país. A partir de janeiro, a questão climática será fundamental nas decisões sobre segurança nacional, economia, direitos humanos e outros aspectos vitais para a política externa dos Estados Unidos. O retorno oficial ao Acordo de Paris, esperado para ocorrer nos primeiros dias de mandato, será apenas o primeiro passo.

<p>imagem mostra Joe Biden ajustando paletó de John Kerry</p>

John Kerry e Joe Biden no Salão Oval da Casa Branca, em 2014, durante o governo Obama (foto: Pete Souza/Obama White House/Flickr)


Amazônia sob os olhares do mundo: as decisões do governo e a relação do Brasil com a Amazônia continuarão ganhando atenção dentro e fora do país. O ano de 2020 foi marcado por um movimento crescente da sociedade civil, empresários, bancos privados, setor financeiro e outros atores buscando um caminho sustentável para o desenvolvimento da região. O aumento de 9,5% no desmatamento durante o último ano, segundo os dados mais recentes do Prodes compilados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), acende um sinal de alerta. Assim como o levantamento do Mapbiomas de que 99% do desmatamento foi ilegal. Pesquisas mostram que 90% da população apoia a preservação. Vale a pena observar como esse movimento ganhará forças em 2021 e se haverá uma união de esforços entre as diversas iniciativas para impulsionar um futuro melhor para a região.

Novas metas de preservação da biodiversidade: a Conferência de Biodiversidade das Nações Unidas (COP 15), que ocorreria em 2020, na China, foi transferida para maio de 2021. Espera-se que este evento seja um marco para a proteção da biodiversidade do planeta como foi a conferência do clima de Paris, em 2015, para as mudanças climáticas. A rapidez com que o mundo vem perdendo biodiversidade é alarmante e exige mudanças sistêmicas. Espera-se que durante o encontro sejam definidos novos compromissos e metas para reverter a perda de espécies até 2030 e 2050. Ainda não há uma visão clara sobre quais posições o Brasil – país que abriga a maior biodiversidade do planeta, com mais de 20% do total de espécies – levará à China (se o encontro for presencial) ou às reuniões virtuais de negociação.

Investimentos verdes devem ganhar ainda mais tração: os investimentos ESG (do termo em inglês Environmental, Social and Governance) vêm ganhando força nos últimos anos pelo mundo, e aos poucos a agenda avança no Brasil. O tema ganhou destaque no Fórum Econômico Mundial, em janeiro de 2020, com importantes anúncios, como o da BlackRock. A pandemia da Covid-19 ajudou a impulsionar esse tipo de investimento pela urgência cada vez maior de enfrentar questões sociais e ambientais. A qualidade das informações divulgadas pelas empresas ainda é um desafio, mas cada vez mais bancos e corretoras estão incorporando os critérios ESG no Brasil, em um claro sinal de que este é um movimento em ascensão.

Qualidade do ar precisa ganhar atenção dos governos: problema “invisível” que pode tornar as pessoas mais vulneráveis à Covid-19, a poluição do ar é um problema crônico brasileiro e um desafio ambiental que traz consequências diretas para a saúde, a economia e o clima. A legislação atual é insuficiente e poucos estados realizam o monitoramento dos níveis de poluentes no ar, comprometendo a gestão do problema. Além disso, o país adota padrões mais permissivos do que os recomendados pela Organização Mundial da Saúde. Em janeiro, o WRI Brasil apresentará um panorama da situação no Brasil com a participação de especialistas reconhecidos na área.

Cidades têm de se reinventar para superar desafios novos e antigos

Novos prefeitos, novos ciclos: o ano marca o começo de novos mandatos nos municípios brasileiros, que estão na linha de frente dos impactos da Covid-19. A luz no fim do túnel da pandemia ainda está distante, e os prefeitos terão papel importante na resposta à crise sanitária e econômica. Em muitos casos, a situação fiscal é preocupante, o transporte coletivo beira o colapso e será preciso continuar respondendo a situações emergenciais causadas pela pandemia, especialmente nas regiões em que ela agravou desigualdades crônicas.

Soluções inovadoras para enfrentar a crise do transporte coletivo: a queda de demanda no sistema ônibus já era uma tendência, mas a pandemia tornou o desafio ainda mais complexo. Soluções e modelos do passado não serão capazes de responder a uma mudança tão brusca no padrão de transporte coletivo nas cidades. Contratos vigentes precisarão ser repactuados. Criar mecanismos para captar recursos extra-tarifários, especialmente a cobrança das externalidades causadas pelo transporte individual, e ajudar a cobrir os custos do transporte coletivo se tornaram necessidades inadiáveis. O veto presidencial ao pacote de auxílio ao transporte público deixa o cenário ainda mais incerto. Os prefeitos precisarão de coragem para desenvolver e aprovar propostas inovadoras que garantam sistemas de transporte coletivo de qualidade para toda a população – especialmente para as pessoas que dependem deles para acessar as oportunidades.

<p>pessoa com equipamentos de segurança faz limpeza contra o coronavirus em terminal de ônibus</p>

Pandemia afetou diretamente a demanda do transporte coletivo e exigiu cuidados adicionais. Na foto, processo de limpeza realizado nos terminais de ônibus em Curitiba (foto: Luiz Costa/SMCS)


Estimular a caminhada e o uso de bicicletas ainda é uma boa resposta à Covid-19: muitos países escolheram a bicicleta como foco de suas ações de resposta à crise sanitária, em alguns casos até financiando consertos ou a compra de bicicletas pela população. No Brasil, a oportunidade de aumentar a infraestrutura para ciclistas e pedestres, seja tirando do papel obras já previstas ou adotando soluções emergenciais e temporárias, foi adotada de maneira pontual por algumas cidades. Se a Covid-19 fez muitas pessoas abandonarem o transporte coletivo, as cidades ainda podem passar uma mensagem mais forte de que essa transição deveria se dar para modos ativos de transporte.

A mobilidade elétrica pode ganhar tração: com histórico de inovação nos sistemas de transporte coletivo por ônibus e uma matriz energética menos dependente de combustíveis fósseis quando comparada à de muitos países desenvolvidos, o Brasil pode se beneficiar muito da eletrificação dos transportes. O mercado indica que está pronto para a transição de frota. Pesquisa publicada em dezembro pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS) mostra que 92% dos entrevistados gostariam de mais ônibus elétricos em suas cidades e 72% concordam que o uso de combustíveis fósseis é a principal causa das mudanças climáticas. O lançamento da Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica, uma articulação entre governo, mercado, sociedade civil e Institutos de Ciência e Tecnologia, mostra um esforço para agregar e estimular projetos em andamento. A iniciativa também coordena a elaboração de um Plano Nacional de Mobilidade Elétrica para alavancar ações micro e macro que vão mobilizar recursos, pessoas e força política.

<p>ônibus elétrico nas ruas de são paulo</p>

Novos modelos de contrato podem impulsionar transição para frotas elétricas no transporte coletivo (foto: BYD/Divulgação)


Uma política nacional para o desenvolvimento urbano: a pandemia trouxe novas reflexões sobre o uso dos espaços públicos e privados nas cidades. A tendência é um aumento do teletrabalho, que pode resultar em novos usos para prédios até então destinados unicamente a escritórios. Os espaços públicos – em especial os verdes – se tornaram ainda mais valorizados pela população. Essas transformações chegam justamente no ano em que o Ministério do Desenvolvimento Regional deve elaborar a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, que adota como premissas a diversidade e a singularidade do território nacional. O objetivo é reduzir essas desigualdades, apoiando os municípios na elaboração de políticas municipais e na revisão dos instrumentos de desenvolvimento urbano. Grandes capitais como Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo já estão trabalhando na atualização dos seus planos diretores ou vão começar o processo, e podem usar essa oportunidade para repactuar visões de futuro e definir estratégias claras para tirá-las do papel.

Soluções Baseadas na Natureza para o Desenvolvimento Humano no Antropoceno: O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento lançou recentemente o Relatório de Desenvolvimento Humano 2020. Além de apresentar o ranking dos países em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o documento traz um novo índice, que considera também a pressão dos países sobre o planeta. O argumento é que o desenvolvimento humano e a redução das desigualdades não serão possíveis sem o combate às mudanças do clima, à poluição e à perda da biodiversidade. Um dos mecanismos para a mudança no padrão de desenvolvimento destacados no relatório é a adoção sistemática das Soluções Baseadas na Natureza, que oferecem múltiplos benefícios ambientais, sociais e econômicos. Considerando a importância da integração das agendas urbana e ambiental, a iniciativa Cities4Forests promove a implementação desse tipo de solução nas cidades brasileiras, através da troca de experiências entre cidades, disseminação de boas práticas e apoio técnico.