Nova economia para o Brasil: retomada verde pode aumentar o PIB e criar empregos
Agir para mitigar e adaptar às mudanças climáticas é agir para salvar milhões de vidas. Assim como são as ações para salvar a economia do Brasil e combater a desigualdade em um cenário de crise socioeconômica agravada pela pandemia Covid-19, que já ceifou mais de 100 mil vidas. A pandemia também acabou com 7,8 milhões de empregos até o mês de maio, segundo o IBGE. Fome e pobreza matam. Tudo é urgente, a crise não será passageira e, portanto, como decidir quais investimento priorizar nos próximos anos? Em um país com os problemas do Brasil, será que clima está no topo da lista?
Em 2019, o WRI Brasil construiu a iniciativa Nova Economia do Brasil em parceria com economistas e especialistas de diversas instituições – como Coppe-UFRJ, CPI, Ipea, Febraban, PUC-Rio, CEBDS e iniciativa New Climate Economy – para se debruçar sobre as perguntas: o Brasil deveria priorizar a transição para uma economia da baixo carbono na próxima década? Como fazer isso? Economia de baixo carbono significa a adoção de tecnologias e infraestruturas que emitem menos gases de efeito estufa, são menos poluentes, mais modernas e resilientes a eventos extremos. A palavra transição não é alegórica: significa partir para um novo modelo econômico mais sustentável, evitando gerar impactos negativos sociais, ambientais ou econômicos no processo. Dentre as transições mais aguardadas, deve contar a migração para uma economia menos dependente de combustível fóssil, fomentando inclusão social. Na diplomacia climática, esse esforço ficou cunhado como "transição justa".
O estudo “Uma Nova Economia para uma Nova Era: Elementos para a construção de uma economia mais eficiente e resiliente para o Brasil” mostra como o Brasil tem muito a ganhar e praticamente nada a perder adotando o crescimento verde e de baixo carbono como rota de saída da recessão econômica em que se encontra.
Mais emprego, maior crescimento econômico
Segundo o estudo, uma economia verde fará o Brasil crescer mais nos próximos dez anos do que o modelo de desenvolvimento atual, o chamado business as usual (BAU). As medidas de baixo carbono resultariam num aumento acumulado adicional do Produto Interno Bruno (PIB) brasileiro de R$ 2,8 trilhões até 2030, o que equivale a um ano do PIB da Bélgica ou da Argentina.
A retomada verde geraria 2 milhões de empregos a mais do que o business as usual em 2030, comparável a quatro vezes mais empregos do que os existentes no setor de petróleo e gás atualmente no país. Esses empregos seriam gerados principalmente no setor de indústria e serviços. No setor de agricultura, veríamos um aumento da especialização e empregos de maior qualificação.
Em vez de ruptura, priorização
Além dos benefícios econômicos, o estudo mostra que existe um caminho das pedras para a transição para uma economia mais limpa, justa e resiliente. A retomada verde não precisa ser disruptiva, mas apenas uma priorização de boas práticas que já estão disponíveis e poderiam ganhar escala. O Brasil está bem posicionado em pelo menos três setores para aumentar sua produtividade, competitividade, eficiência e geração de emprego. Tudo isso reduzindo emissões de gases de efeito estufa. Os três setores são:
Infraestrutura de qualidade: Os projetos de infraestrutura, extremamente necessários para desenvolver e gerar empregos no país, precisam integrar critérios de sustentabilidade. Isso significa ampliar acesso a financiamento de projetos estruturantes, pois o mercado internacional se afasta cada vez mais de projetos de alto risco, e requer a instalação de uma infraestrutura mais resiliente aos impactos das mudanças climáticas. Para se ter ideia da ordem de grandeza de investimentos desse tipo, vale lembrar que cerca de R$ 180 bilhões foram gastos em atividades de resposta e/ou recuperação de infraestrutura danificada por eventos extremos entre 1995 e 2017 no Brasil.
Inovação industrial: A indústria é um dos setores aptos a transformar o plano de recuperação econômica em uma oportunidade de modernizar regiões mais carentes no curto e médio prazo, por meio do acesso a energia e mercados descentralizados. Há oportunidades de inovação a serem exploradas nos setores de energia renovável, transporte, biocombustíveis e construção usando tecnologias brasileiras. No cenário de retomada verde, o setor industrial pode criar pelo menos 1,1 milhão de postos de trabalho a mais do que o modelo de desenvolvimento atual.
Agricultura sustentável: O setor agropecuário é hoje responsável por 1 em cada 3 empregos no país e 22% do PIB brasileiro. Porém, é alvo de questionamentos sobre sua correlação com as taxas de desmatamento nos principais biomas do país. Para continuar competitivo no mercado internacional, o setor precisa crescer desassociando-se desta prática. O investimento em recuperação de áreas degradadas é um caminho. Análise inédita do estudo mostra que recuperar 12 milhões de hectares de áreas degradadas, meta assumida pelo Brasil, pode gerar um retorno de investimento de R$ 19 bilhões em dez anos, com arrecadação de R$ 742 milhões.
Agricultura sustentável é oportunidade para gerar empregos no meio rural (foto: José Medeiros/Gcom-MT)
Nas próximas semanas, o WRI Brasil publicará textos detalhando os benefícios e oportunidades em cada um desses setores, mostrando como o Brasil pode aproveitar as vantagens que já possui para alavancar uma nova economia. Uma retomada verde com medidas nesses três setores pode tornar o Brasil menos desigual, mais competitivo e com um sistema produtivo livre de desmatamento. Isso é crucial para evitar riscos à reputação do país no exterior e ampliar acesso a financiamento internacional e investimentos privados.
Uma oportunidade sem precedentes
A recuperação da economia brasileira é uma questão central no debate público atual. Alguns nomes importantes do pensamento econômico do país passaram a argumentar a necessidade de uma retomada verde no último mês. Uma carta assinada por ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central defendeu que a retomada econômica também precisa levar em conta os riscos das mudanças climáticas. Os presidentes de três grandes bancos comerciais lançaram um plano conjunto para a sustentabilidade na Amazônia. Tudo isso interligado com o debate que acontece no cenário internacional, com investidores mostrando cada vez maior preocupação com critérios ambientais em financiamentos.
O estudo mostra que uma retomada econômica verde coloca o Brasil dentro de uma tendência global. Países como a Alemanha ou o bloco da União Europeia estão debatendo ou aprovando propostas de crescimento verde. Mesmo antes da pandemia, estudos já mostravam isso. Por exemplo, a iniciativa New Climate Economy identificou uma oportunidade de aumento de ganho líquido no mundo de US$ 26 trilhões até 2030, se comparado com o business as usual.
O Brasil precisa fazer parte dessa tendência para tornar-se mais competitivo e inclusivo. O que este estudo traz são evidências que mostram quanto o Brasil pode ganhar adotando uma rota de crescimento verde e sustentável como caminho de saída da crise agravada pela Covid-19. Também revela que o modelo atual não é necessariamente a melhor opção para aquecer a economia e deixá-la mais competitiva, inclusiva e produtiva. Há um debate posto sobre o futuro que queremos.