A vantagem de descarbonizar o transporte é clara: é o setor que mais cresce em emissões depois do industrial, representando hoje quase um quarto das emissões de CO2 do setor de energia. Também está diretamente relacionado ao desenvolvimento econômico, às questões sociais e à liberdade de ir e vir. Mas como chegar lá?

Líderes globais e especialistas de diversas partes do mundo se reuniram no dia 16 de fevereiro para dar início ao Transforming Transportation 2022, uma conferência virtual ao vivo, organizada pelo WRI e pelo Banco Mundial, dedicada a reimaginar a mobilidade no contexto do desenvolvimento sustentável. À medida que o setor de transportes em todo o mundo continua a sofrer com os impactos da pandemia de coronavírus, também cresce a urgência – e as oportunidades – de combater a crise climática.

Existem duas grandes mudanças acontecendo ao mesmo tempo no transporte global, afirmou Jean-Baptiste Djebbari, Ministro de Transportes da França: “A pior crise econômica na história do transporte” e uma das mais velozes transformações tecnológicas pela qual o setor já passou, com os veículos elétricos (VEs), combustíveis à base de hidrogênio e outras.

O boom dos veículos elétricos ao longo do último ano – desde as vendas, passando por novos modelos, até compromissos de governos e empresas – é um ponto positivo. As vendas anuais de VEs ficaram em torno de 5,6 milhões de unidades em 2021, 83% a mais do que em 2020 e 168% acima de 2019, apontou Ani Dasgupta, presidente e CEO do WRI. Na COP26, governos e indústrias representando quase um terço do mercado global assumiram um compromisso relevante com a “declaração para acelerar a transição rumo a uma frota de carros e vans 100% zero emissões”, destacou Alok Sharma, presidente da Conferência.

É um avanço significativo, mas os veículos elétricos ainda representam menos de 1% da frota veicular atual. Mais importante: mesmo que todos os veículos fossem eletrificados amanhã, as redes elétricas ainda precisariam ser descarbonizadas, sem falar nas dificuldades causadas pelo alto número de veículos nas estradas.

Assista às sessões plenárias e técnicas do evento na íntegra.

Uma abordagem sistêmica

“Podemos aproveitar este momento para chegar mais longe?”, perguntou Dasgupta. O especialista destacou três prioridades para além dos veículos elétricos: 1) cidades mais compactas que incentivem as pessoas a não usarem os carros; 2) sistemas de transporte coletivo de alta qualidade que levem as pessoas aonde desejam chegar; e 3) infraestrutura segura para pedestres e ciclistas. Se não modificarmos fundamentalmente a forma como transportamos pessoas e mercadorias, disse Dasgupta, o mundo se encaminha para uma frota de mais de 2 bilhões de carros até 2050 e para um aumento de 60% nas emissões do setor, algo simplesmente insustentável – para não dizer injusto.

“Vivemos em um mundo onde o transporte ainda deixa muitas pessoas para trás”, afirmou Anna Bjerde, vice-presidente para Europa e Ásia Central no Banco Mundial. Seis a cada dez usuários de transporte são mulheres, e ainda assim muitas não se sentem seguras ao utilizar o serviço. “Nos preocupamos com questões como a participação da força de trabalho feminina e sabemos que o transporte tem um papel fundamental em garantir que as mulheres tenham acesso a oportunidades de trabalho”, completou.

Nos países em desenvolvimento, onde a maior parte da infraestrutura ainda não foi construída, existe uma boa oportunidade de fazer as coisas de forma diferente, destacou Amitabh Kant, CEO da National Institution for Transforming India. “A forma urbana é fundamental”, disse. “As cidades não devem crescer e se desenvolver com base nas necessidades dos carros, mas sim nas dos sistemas de transporte. E essa é, na minha visão, a chave para a inclusão”.

“Temos uma grande oportunidade, mas precisamos entender que temos de adotar uma abordagem sistêmica”, ressaltou Andrea Meza Murillo, Ministra do Meio Ambiente e Energia da Costa Rica. “Não podemos continuar trabalhando em silos, de forma isolada”. Ela acrescentou ainda que a descarbonização do setor de transportes na Costa Rica poderia gerar US$ 43 bilhões em benefícios até 2050, quase o dobro dos investimentos estimados para a descarbonização.

Priorizando a segurança

A segurança viária é um desafio que apenas a eletrificação não resolve. “Os acidentes de trânsito tiram a vida de 1,35 milhão de pessoas por ano, 93% delas em países em desenvolvimento”, apontou Ricardo Puliti, vice-presidente de Infraestrutura no Banco Mundial.

O Desafio Visão Zero, uma iniciativa do WRI e parceiros, reconheceu quatro cidades latino-americanas que deram passos importantes para tornar as ruas mais seguras e equitativas durante a pandemia. Buenos Aires, na Argentina; Lima, no Peru; Mérida, no México; e Belo Horizonte, no Brasil, foram além dos compromissos e implementaram ações concretas. As mudanças incluíram esforços abrangentes na gestão das velocidades, alterações nas zonas escolares, criação de novas áreas de baixa velocidade e a instalação de infraestrutura para induzir a redução das velocidades, uma vez que este é o principal fator de risco nos acidentes fatais.

“Todas as cidades que celebramos hoje reconheceram que as fatalidades no trânsito são inaceitáveis e podem ser prevenidas”, disse Zoleka Mandela, Embaixadora Global de Segurança Viária da Fundação Zoleka Mandela e uma das juízas do Desafio Visão Zero. “Erros humanos sempre acontecerão, mas precisamos assegurar que as pessoas não sejam punidas com sentenças de morte.”

Annie Petsonk, vice-secretária adjunta principal de aviação e assuntos internacionais do Departamento de Transportes dos Estados Unidos, observou que o país aprovou recentemente o maior investimento em transporte público de sua história, com a segurança viária como componente-chave do projeto. “Temos uma taxa de acidentes e mortes em acidentes de trânsito extremamente alta, e estamos determinados a reduzi-la”, disse ela.

"Inspiração aplicada"

“Faz tempo que descrevo inovação como ‘inspiração aplicada’”, comentou Mitch Jackson, chefe de sustentabilidade da FedEx. “Não se trata apenas de chegar com conceitos e colocá-los na mesma. A questão é a implementação desses conceitos.”

Prefeitos e ministros de lugares tão diferentes quanto Paris e a Cidade do México afirmaram que as soluções vão variar de lugar para lugar. “O que funciona muito bem pra Londres ou Nova York não necessariamente vai funcionar em Accra”, apontou Hassan Sulemana Tampuli, vice-ministro de Transportes de Gana. A “mudança dos sistemas”, no entanto, foi um tópico comum.

Pesquisas indicam que os governos podem obter ganhos em saúde e benefícios ambientais, econômicos e sociais significativos ao aumentar a ambição dos compromissos do setor de transportes no âmbito do Acordo Climático. Investir US$ 1 milhão para criar oportunidades de trabalho relacionados a veículos elétricos e transporte público pode gerar de duas a três vezes mais empregos do que a construção de estradas. A taxação dos congestionamentos em Londres, um dos componentes da candidatura da cidade à edição 2020-2021 do WRI Ross Center Prize for Cities, reduziu a poluição do ar e as emissões de carbono e gerou mais de £ 1,3 bilhão em 14 anos. A receita foi usada em qualificações do transporte público e contribuiu para aumentar o número de passageiros e diminuir o uso de veículos particulares.

“Se quisermos uma economia saudável, precisamos de um meio ambiente saudável”, afirmou Andrea Meza Murillo, da Costa Rica.

De fato, a pandemia inseriu a importância dos transportes nos debates climáticos internacionais como nunca antes, apontou Maruxa Cardama, secretária geral da SLOCAT Partnership on Sustainable, Low Carbon Transport (Parceria para o Transporte Sustentável de Baixo Carbono). No entanto, ainda estamos longe de um entendimento comum a respeito das “deficiências que predominam no financiamento dos sistemas de transporte”, disse ela, assim como de reconhecer amplamente os benefícios do transporte público para o bem comum.

“Não acredito que exista uma maneira de atingirmos as metas de descarbonização do Acordo de Paris se não focarmos na quantidade de movimentações de pessoas e mercadorias”, ponderou Christian Brand, professor associado de Transporte, Energia e Meio Ambiente na Universidade de Oxford, que apresentou sua pesquisa em mobilidade ativa. “Nas cidades de carbono zero do futuro, as necessidades de mobilidade ativa precisam ser uma prioridade, junto com a prevenção dos deslocamentos.”

Bronwen Thornton, CEO da Fundação Walk21, observou que os impactos positivos, para o bom funcionamento dos sistemas de transporte, de infraestrutura segura e bem conectada para pedestres tem sido ignorado por muito tempo. “Setenta por cento dos deslocamentos em todo o mundo são feitos a pé”, disse ela, “mas nosso foco em projetos de maior escala descartou projetos voltados para a caminhada (em muitos lugares)”.

“A Covid-19 mostrou que de fato podemos agir rápido”, apontou Thornton. “Podemos fazer mudanças rapidamente e podemos realinhar a infraestrutura para que atenda a nossas necessidades.”

“Embora sejam necessários bilhões de dólares para construir sistemas de transporte público, não são necessários bilhões de dólares para redesenhar ruas para pedestres e ciclistas”, alegou Kelly Larson, diretora de programas da Iniciativa Global para a Segurança Viária da Bloomberg Philanthropies. “Basta uma lata de tinta.”

Acesse https://www.transformingtransportation.org/ para assistir as sessões da conferência na íntegra. E participe do debate no Twitter usando #TTDC22.


Este artigo foi publicado originalmente no The City Fix.