Se uma imagem vale mais do que mil palavras, então a foto abaixo, de uma interseção em Dar as Salaam, na Tanzânia, mostra o passado, presente e futuro da transformação do setor de transportes. Durante o Transforming Transportation 2024, focado no tema “Mobilizar financiamento para a ação climática”, Frannie Léautier, CEO do SouthBridge Investment e membro do Conselho Global do WRI, descreveu como essa cena captura muito daquilo que os formuladores de políticas precisam considerar ao investir em soluções de transporte resilientes.

pessoas atravessam em faixa de pedestres
Imagem de uma travessia de pedestres na rodovia Morogoro, em Dar es Salaam, na Tanzânia – imagem de destaque do Transforming Transportation 2024. (Foto: Clayton Lane/ITDP Africa/Flickr)

Construída com dinheiro do governo a partir de um empréstimo junto ao Banco Mundial, a avenida em Dar as Salaam representa a necessidade de investimento constante na manutenção de infraestruturas essenciais de transporte. Os ônibus ilustram o poder da priorização e eletrificação das frotas de transporte coletivo. As pessoas, cruzando a via a pé e de bicicleta, destacam a necessidade de as cidades investirem também na mobilidade ativa – uma solução econômica para descarbonizar o setor de transportes. O mercado na lateral da via demonstra a relação intrínseca entre transporte, logística e comércio. E até mesmo as tendas fazendo sombra no mercado, exibindo o logo da Tigo, empresa de pagamento móvel, lembram o papel que o setor privado pode desempenhar ao financiar as mudanças de que nossas cidades precisam. 

O transporte conecta todos os aspectos do dia a dia em uma cidade que precisa passar por uma transformação para enfrentar as mudanças climáticas. A 21ª edição do Transforming Transportation, realizada em conjunto pelo Banco Mundial e pelo WRI Ross Center for Sustainable Cities, aprofundou o debate sobre as estratégias que cidades, países e investidores devem adotar para destravar o financiamento climático e, ao mesmo tempo, implantar sistemas de transporte mais resilientes. 

“Precisamos aprender uns com os outros e replicar as inovações”, salientou Ani Dasgupta, presidente e CEO do WRI, ao dar as boas-vindas aos mais de mil participantes que acompanharam o evento em Washington D.C., além de outras 1.800 pessoas online. Com tantos especialistas e representantes de diversos setores reunidos no mesmo lugar, o Transforming Transportation 2024 foi uma oportunidade de alinhar metas, compartilhar estratégias e acelerar os avanços.

 

 

Acelerar os avanços por meio da redução de riscos nos investimentos em transporte

O transporte representa 23% das emissões de carbono diretas em todo o mundo. Por isso, “a urgência em reduzir as emissões de gases do efeito estufa no setor exige soluções e ações transformadoras”, afirmou o vice-presidente de Infraestrutura do Banco Mundial, Guangzhe Chen. Um tópico recorrente nos debates da conferência foi que, apesar dessa urgência, os projetos de transporte sustentável encontram dificuldades para obter investimentos. “Nossos estudos mostram que tornar a infraestrutura, e em particular o transporte, mais resiliente, normalmente custa apenas entre 1% e 5% a mais do que as abordagens tradicionais”, ressaltou Juergen Voegele, vice-presidente de Desenvolvimento Sustentável do Banco Mundial.

 

 

E por que os investidores não fazem mais investimentos desse tipo? Devido a incertezas sobre os benefícios e o retorno de projetos de transporte resiliente. No entanto, ao longo dos dois dias da conferência, foram debatidas diversas estratégias que contrapõem essa percepção, além de oportunidades para reduzir o risco dos investimentos em infraestrutura resiliente.

Estratégias de financiamento inovadoras

Ao aliar de forma estratégica recursos de instituições filantrópicas e o financiamento para desenvolvimento, as abordagens de financiamento combinado oferecem uma via mais estável para investir e ampliar essas soluções nos mercados emergentes. Victoria Kwakwa, vice-presidente regional para a África Oriental e Austral do Banco Mundial, descreveu como Dacar, no Senegal, conseguiu um pacote de financiamento que alia empréstimos do programa de assistência técnica do Grupo de Desenvolvimento de Infraestrutura Privada, recursos públicos da União Europeia e uma garantia da Agência Multilateral de Garantia de Investimentos do Banco Mundial para construir a sua rede de BRT.

Gerar e manter a demanda por transformações resilientes

Provar que projetos de transporte sustentável e resiliente podem ser bem-sucedidos e lucrativos não apenas reduz os riscos para investimentos futuros como estimula o apetite por transformações contínuas. Vijay Kumar Saraswat, da NITI Aayog, agência do governo indiano, relatou como o programa FAME (sigla em inglês para “adoção e fabricação mais rápidas de veículos híbridos e elétricos”) permitiu que nove cidades aumentassem a demanda dos ônibus elétricos, baixando os custos e demonstrando vontade política para promover a transição.

Medição precisa dos impactos e retornos dos investimentos

Resultados quantitativos confiáveis também podem ajudar a reduzir os riscos e atrair capital para projetos de transporte sustentável. Para Heather Thompson, CEO do ITDP, a mobilidade ativa é uma área para a qual “precisamos encontrar um ponto de entrada para o financiamento”. Lançado durante a COP28 em Dubai, o último relatório do ITDP e do Banco Mundial, The Path Less Traveled, reúne estudos de caso de cinco cidades – Addis Abeba, Etiópia; Buenos Aires, Argentina; Dar es Salaam, Tanzânia; Lima, Peru; e Tianjin, China – que demonstram as vantagens do investimento em mobilidade ativa.

 

 

Uma vez que projetos de mobilidade ativa estão entre as maneiras mais baratas e mais eficazes de promover transformações nas redes de transporte urbano, “a relação custo-benefício desses projetos é inegável”, ressaltou Nicolas Peltier-Thiberge, diretor global de Transportes do Banco Mundial. Ele mencionou a taxa inicial de retorno de 53% obtida pela cidade de Tianjin ao qualificar o acesso a seu sistema de metrô por meio de melhorias nas estações e nas vias. “[Essas soluções] estão entre os melhores investimentos que podemos fazer no setor de transportes”, acrescentou.

O poder de uma abordagem intersetorial sistêmica

Para promover a mudança para sistemas de transporte mais sustentáveis e resilientes, é preciso pensar além dos atributos mais clássicos de um sistema de transporte – ruas e veículos – e adotar uma abordagem intersetorial abrangente. “Imagine o que é preciso fazer para descarbonizar tudo dentro de um grande hub de transporte, como o Porto de Los Angeles – o transporte marítimo, 20 mil caminhões circulando por dia, os edifícios, toda a rede”, comentou Paul Bodnar, diretor de Financiamento Sustentável, Indústria e Diplomacia da Bezos Earth Fund. Cada elemento dentro de um sistema de transporte também precisa ser descarbonizado e modificado, e cada aspecto desse processo representa uma necessidade de financiamento e uma oportunidade de investimento

Como relembrou Camila Jain Holtse, vice-presidente de Assuntos Públicos e Regulatórios da Maersk, “as mudanças climáticas e os eventos extremos ameaçam cadeias de valor e a logística em escala global, incluindo a agricultura e a indústria”. A Maersk tem a meta de atingir o zero líquido até 2040 por meio de um plano ambicioso que exige a aquisição de novos navios, e o acesso a cerca de 20 milhões de toneladas de combustíveis verdes para operá-los, ao longo dos próximos 15 anos.

 

 

Não se trata de uma necessidade de mudança apenas dos sistemas de transportes: as cidades precisam mudar também. “A pegada de carbono do transporte nas cidades está diretamente relacionada à densidade urbana”, explicou Juan Carlos Muñoz, ministro de Transportes e Telecomunicações do Chile. “Se pudermos percorrer distâncias menores para nos deslocarmos entre os lugares aonde precisamos ir, evitaremos emissões e congestionamentos”, acrescentou Mohammed Mezghani, secretário geral da Associação Internacional de Transporte Público (UITP). A densidade urbana e um melhor planejamento do uso do solo nas cidades aumenta o acesso a infraestruturas de transporte público e mobilidade ativa, reduzindo consideravelmente as emissões relacionadas aos transportes.

Construir visando à resiliência

A resiliência precisa estar no centro das abordagens para transformar os transportes. O Banco Mundial estima que investir em novas infraestruturas resilientes em países de baixa e média renda pode gerar US$ 4,2 trilhões em benefícios líquidos – o equivalente a US$ 4 para cada US$ 1 investido.

 

 

Um atributo de sistemas resilientes é a redundância. “Precisamos garantir que todos as partes de um sistema estejam operando de forma adequada, para que, se houver uma falha em uma das partes – por exemplo, uma malha viária inundada –, contemos com uma rede secundária capaz de administrar a interrupção da primeira”, explicou Susanna Zammataro, diretora geral da Federação Rodoviária Internacional. María Luisa Domínguez, consultora do Conselho da Administração de Infraestrutura Ferroviária da Espanha (ADIF) e presidente dos Gestores de Infraestrutura Ferroviária Europeia (EIM Rail), contou como, em setembro de 2023, uma forte tempestade no sul de Madri causou estragos nos sistemas de transporte. Apesar dos impactos substanciais, o sistema de trens de alta velocidade retomou o serviço em poucas horas – uma demonstração da importância de múltiplas alternativas de transporte.

Aumentar o financiamento climático com intencionalidade

Com poucos recursos disponíveis para a ação climática e a transformação do setor de transportes, é fundamental financiar projetos que proporcionem o máximo de benefícios para as pessoas e para o planeta. “Muitas vezes, nos preocupamos apenas com os subsídios para o transporte, em vez de pensarmos nos benefícios para as pessoas que utilizam o transporte”, assinalou Pabel Muñoz, prefeito de Quito, Equador.

 

 

Em vez de investir em infraestruturas que reforçam comportamentos potencialmente perigosos, como passarelas de pedestres e vias rápidas, uma pesquisa recente indica que mobilizar financiamento privado para medidas de segurança viária é uma estratégia melhor, social e financeiramente.

O potencial de estruturar os mecanismos de financiamento para que incluam padrões de segurança e acessibilidade foi outro aspecto que emergiu durante a conferência. “Em vez de continuar investindo em infraestruturas pouco seguras, vamos incorporar nos mecanismos de financiamento medidas de mobilidade ativa e segurança viária”, disse Rogier van den Berg, diretor do WRI Ross Center for Sustainable Cities. “Precisamos de um meio-termo no financiamento para projetos de áreas como resiliência hídrica e infraestrutura para pedestres e ciclistas. Temos a oportunidade de trabalhar com parceiros e financiadores e desenvolver fundos específicos focados na mobilidade ativa”.

 

 

Para aumentar a eficácia do financiamento, acessibilidade e inclusão precisam estar no centro das estratégicas, afirmou a Senadora do Quênia, Crystal Asige. “A crise climática está aumentando a desigualdade para pessoas com deficiência”, ela afirmou, sugerindo que doadores e financiadores podem desempenhar um papel ativo ao priorizar as necessidades dessas pessoas negando recursos para projetos que não atendam aos princípios de desenho universal. “As melhores práticas já nos ensinaram repetidas vezes que, quando planejamos e financiamos um ambiente plenamente acessível para todos, tendo as pessoas com deficiência como referencial, esse ambiente é automaticamente mais seguro, sustentável e fácil de utilizar para os demais, além de menos oneroso a longo prazo, uma vez que isso reduz a necessidade de reconstrução e adaptações”, acrescentou.

 

 

Transformar os sistemas de transporte de forma efetiva também implica priorizar as necessidades de meninas e mulheres, ressaltou Claudia López, membro do Conselho Consultivo do WRI Ross Center e ex-prefeita de Bogotá, na Colômbia. “A maior fonte de desigualdade em nossas cidades, e no mundo como um todo, é que as mulheres, em quase qualquer lugar, caminham mais, trabalham por mais tempo e recebem menos do que os homens”, afirmou. “Querem um conselho simples? Precisamos planejar nossas cidades pensando como uma menina e construí-las nos deslocando como uma mulher”.

O potencial de investir diretamente nas cidades

homem fala em púlpito com dedo em riste
Rogier van den Berg, diretor do WRI Ross Center for Sustainable Cities, no encerramento do Transforming Transportation 2024 (foto: Callan LaJuett/WRI Ross Center for Sustainable Cities)

O que a conferência deste ano deixou claro é que a estratégia de financiamento mais efetiva para transformar o transporte é aquela que permite que as cidades assumam a frente desse trabalho, afirmou Rogier van den Berg. “As cidades precisam estar no coração dessa transição, uma vez que já demonstraram diversas vezes o quanto podem liderar mudanças começando pela base”. 

Eillie Anzilotti é líder de Comunicação do programa UrbanShift no WRI Ross Center for Sustainable Cities.

Taylor Symes é especialista em Comunicação do WRI Ross Center for Sustainable Cities.

Este artigo foi publicado originalmente no TheCityFix.