O transporte é uma das fontes de emissões de gases de efeito estufa que mais cresce, representando 24% das emissões de carbono em todo o mundo. Quase três quartos dessas emissões vêm de veículos motorizados. Soluções como eletrificação e aumento da oferta de transporte coletivo podem reduzir as emissões do setor de transportes, mas têm um custo elevado – especialmente para países de baixa e média renda, que representam 82% da população mundial.

Para alcançar o zero líquido das emissões até 2050, a Agência Internacional de Energia calcula que as emissões de carbono do setor de transportes precisam cair 50% até 2035. Para que isso aconteça, não basta apenas aumentar a porcentagem de carros elétricos nas ruas. Também é necessário mudar a forma como as pessoas se locomovem.

Para alcançar a neutralidade de carbono, o mundo precisa de muito mais transporte público, em particular o ônibus. Até 2035, os ônibus elétricos precisam representar 60% das vendas globais de ônibus para manter o setor no rumo certo, um aumento significativo em relação aos atuais 4%. Atualmente, apenas 37% das áreas urbanas do mundo contam com um sistema de transporte público confiável e frequente, apesar dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU estabelecerem que todos os moradores urbanos devem ter acesso a esse serviço até 2030. O zero líquido também depende de uma mudança dos hábitos de mobilidade, a fim de promover mais a caminhada e o uso de bicicletas, garantindo que essas opções sejam convenientes, seguras e acessíveis.

Alcançar esses objetivos exigirá investimentos significativos. Com o processo de urbanização acelerando – principalmente na África e na Ásia –, a demanda por transporte continuará subindo, aumentando também a pressão para garantir recursos e agir rápido, a fim de evitar que as cidades fiquem presas a padrões de desenvolvimento insustentáveis. Como a infraestrutura e as novas tecnologias são caras e apresentam custos iniciais elevados, os países de baixa e média renda, que muitas vezes possuem taxas de juros mais altas e um maior peso da dívida em comparação a outros países, enfrentam um desafio ainda maior na transição para sistemas de transporte mais sustentáveis.

O financiamento climático global pode ajudar a melhorar esse cenário.

Atualmente, o setor de transportes recebe US$ 334 bilhões por ano de fontes públicas e privadas, mas esse valor precisa aumentar para cerca de US$ 2,7 trilhões até 2050 para que as metas de redução das emissões globais do setor sejam atingidas. Nos países em desenvolvimento (com exceção da China), o Grupo Independente de Especialistas de Alto Nível em Financiamento Climático estima que o setor de transportes precisará de US$ 575 bilhões por ano até 2030 para atingir esses objetivos.

A nova meta de financiamento climático estabelecida na conferência do clima da ONU (COP29) – US$ 300 bilhões por ano até 2035 para todos os setores – está muito aquém dessas necessidades e evidencia o grande desafio que temos pela frente nos próximos anos. No entanto, apesar dessa limitação e dos ventos contrários na política global desde a realização da conferência, algumas tendências encorajadoras têm despontado. Os bancos multilaterais de desenvolvimento, por exemplo, têm aumentado o volume de financiamento climático que disponibilizam, totalizando US$ 125 bilhões em 2023. Esse aumento é fundamental para o setor de transportes, uma vez que 16% do financiamento concedido por esses bancos desde 2000 foi destinado ao setor.

Também é fundamental que líderes nacionais, autoridades municipais, bancos e instituições de desenvolvimento compreendam como mobilizar e ampliar o financiamento para o setor de transportes, a fim de atender às necessidades de redução de emissões e aumentar a resiliência climática. Para isso, um novo estudo do WRI analisou mais de 800 projetos de transporte na Ásia, África, América Latina e Caribe, além de examinar 14 estudos de caso para destacar oportunidades e barreiras no acesso ao financiamento climático para transporte sustentável em países de baixa e média renda.

Um panorama do financiamento climático para o transporte

No cenário atual, o financiamento climático para o setor de transportes assume diversas formas. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) define esse financiamento como recursos financeiros provenientes de fontes públicas, privadas ou alternativas para apoiar esforços de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Na prática, os fluxos financeiros são classificados como “climáticos” de acordo com a intenção do provedor ou a natureza do projeto financiado.

O blended finance, que combina empréstimos de bancos privados com recursos de instituições filantrópicas ou bancos de desenvolvimento para reduzir riscos percebidos e aumentar a confiança dos investidores, apoiou cerca de 30 dos projetos de transporte analisados. Bogotá, na Colômbia, por exemplo, adquiriu uma nova frota de 401 ônibus elétricos com US$ 134 milhões em financiamento de desenvolvimento do BID Invest e fontes privadas.

Os títulos verdes (green bonds) são outro instrumento financeiro importante para a captação de recursos, mas sua aplicabilidade em países de baixa e média renda ainda é limitada. Na pesquisa do WRI, quase dois terços dos projetos de transporte financiados por títulos verdes foram desenvolvidos em mercados de capitais bem estabelecidos. Os países de baixa e média renda registraram um número relativamente pequeno desse tipo de financiamento, possivelmente devido a instabilidades econômicas e políticas, o que aumenta a percepção de risco. Além disso, muitos governos subnacionais não têm capacidade para emitir títulos. Superar essas barreiras estruturais pode facilitar o acesso equitativo não apenas aos títulos verdes, mas também a outras formas de financiamento.

Embora o financiamento climático apoie projetos de diferentes meios de transporte, a maioria – 75% dos 839 projetos analisados – envolveu o transporte terrestre. Desses, um terço focou na construção, recuperação e manutenção de estradas, rodovias e pontes, bem como na melhoria da conectividade entre diferentes modos de transporte, incluindo a multimodalidade entre rodovias, ferrovias e portos. No entanto, apenas 130 projetos de transporte público e cerca de 60 projetos de veículos elétricos obtiveram financiamento climático. Esse dado evidencia uma lacuna no acesso ao financiamento climático entre os diferentes modos, mesmo com o aumento da mobilidade elétrica e dos investimentos nos últimos anos. Isso reforça a necessidade de maior apoio ao transporte público e a soluções mais amplas de mobilidade sustentável e de baixa emissão.

De forma geral, apenas 20% dos projetos financiados eram voltados para adaptação e resiliência do setor de transportes, um percentual que não acompanha a necessidade crescente de fortalecer esses sistemas diante das mudanças climáticas.

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Ao mesmo tempo, alguns projetos em países de baixa e média renda demonstram um potencial considerável para acessar fontes de financiamento climático.

O sistema de Bus Rapid Transit (BRT) em Dar es Salaam, na Tanzânia, por exemplo, inclui um corredor de 21 quilômetros com faixas exclusivas para ônibus no centro da cidade, estações de ônibus semelhantes às de trens e infraestrutura de qualidade para pedestres e ciclistas. O projeto é resultado de uma parceria público-privada que contou com um investimento de US$ 121 milhões do Banco Africano de Desenvolvimento, e o sistma é o primeiro desse tipo na Tanzânia e na África Oriental.

Um projeto semelhante foi inaugurado em 2025 em Dakar, no Senegal, mas com uma frota 100% elétrica – outro pioneirismo. O financiamento incluiu uma garantia de € 19,9 milhões do Banco Mundial para a Meridiam, uma empresa de investimentos e gestão de ativos especializada em infraestrutura pública e comunitária, a fim de assegurar seus investimentos no sistema. Garantias de capital público como essa podem ajudar a mitigar riscos e a atrair mais investimentos privados para o setor de transportes.

Na Índia, o governo está adquirindo dez mil ônibus elétricos para o transporte público, com o suporte de um mecanismo de segurança de pagamento projetado para reduzir riscos.

Outro exemplo vem da costa da África Oriental e destaca a importância do financiamento por subsídios em projetos de adaptação. Com um investimento de US$ 36,5 milhões do Banco Africano de Desenvolvimento, Comores está reabilitando 47 quilômetros de estradas para protegê-las da erosão marítima.

Parcerias público-privadas como essas têm sido eficazes para melhorar a eficiência e a sustentabilidade dos projetos. Embora empréstimos concessionais e subsídios de bancos multilaterais de desenvolvimento e instituições de financiamento ao desenvolvimento sejam fundamentais para viabilizar projetos, em especial nos países de baixa e média renda, mecanismos como sistemas de segurança de pagamento, originados dessas parcerias, podem reduzir a incerteza financeira e aumentar a viabilidade dos contratos.

Barreiras para países de baixa e média renda

Apesar dessas histórias de sucesso, desafios significativos ainda persistem. Para começar, países de baixa e média renda em geral não possuem políticas e marcos regulatórios que viabilizem o financiamento climático. Nos países africanos, por exemplo, o transporte público muitas vezes é informal e pouco regulamentado, o que dificulta a organização dos proprietários para acessar crédito. Além disso, a capacidade governamental para a preparação e implementação de projetos é restrita, como demonstrado pelo fato de que a agência de trânsito do BRT de Dar es Salaam precisou estabelecer seu contrato com um operador privado. A falta de coordenação entre os ministérios de transporte, clima e finanças também dificulta a identificação e execução de projetos viáveis que poderiam atrair a participação do setor privado.

Os projetos de transporte que recebem financiamento climático em geral apresentam custos iniciais elevados, o que pode ser um obstáculo para muitos países de baixa e média renda. Assim, se novas tecnologias, como ônibus elétricos, não forem adquiridas por meio de compras em grupo, podem acabar sendo mais caras do que os ônibus a diesel – um fator que contribui para a percepção de que esses projetos são de alto risco para investidores.

Além disso, há questões relacionadas à qualidade do financiamento. Embora o financiamento para o desenvolvimento cada vez mais considere os impactos das mudanças climáticas, é essencial compreender melhor como esses recursos podem se alinhar aos objetivos de redução de emissões e fortalecimento da resiliência. O financiamento climático não deve ser medido apenas pelo montante disponibilizado, mas também por seu impacto, garantindo que não agrave o endividamento de países de baixa renda que já enfrentam altos níveis de dívida.

Subsídios e financiamentos concessionais (com condições mais favoráveis, como taxas de juros mais baixas) são fundamentais para esses países. Isso é especialmente relevante para investimentos climáticos, como projetos de adaptação, que podem oferecer retornos econômicos menos imediatos ou exigir prazos de pagamento mais longos.

gráfico mostra áreas de ação para impulsionar financiamento climático do transporte

A ação multissetorial no financiamento climático pode ajudar a superar esses desafios. Os governos podem elaborar novas políticas de apoio ao transporte público nacional ou estabelecer um plano para a eletrificação de frotas. Além disso, podem criar mecanismos nacionais de garantia de pagamento para tornar os projetos mais atrativos para investidores privados. A implementação de entidades financeiras privadas que repliquem projetos bem-sucedidos e o desenvolvimento de estruturas comuns de monitoramento também ajudariam a aumentar a eficiência e a escala dos investimentos.

Apesar dos resultados insuficientes da COP29 em termos de financiamento climático e da saída dos Estados Unidos da liderança climática internacional – ou talvez justamente por isso –, é fundamental que as partes interessadas continuem empenhadas em viabilizar o financiamento climático. Os investimentos em mobilidade sustentável demonstram que os investimentos “climáticos” vão além da simples redução de emissões de gases de efeito estufa: também beneficiam comunidades, melhoram a qualidade de vida e impulsionam economias, contribuindo para um mundo mais justo e sustentável.

Este artigo foi publicado originalmente no Insights.