Este post foi publicado originalmente no WRI Insights.


Todos os meses, cientistas fazem novas descobertas que avançam nossa compreensão sobre as causas e os impactos das mudanças climáticas. As pesquisas nos dão uma noção mais clara das ameaças que já enfrentamos e apontam o que ainda está por vir se não reduzirmos as emissões em um ritmo mais rápido.

A série “Este mês na ciência climática”, do WRI, faz um resumo das pesquisas mais significativas de cada mês, compiladas de publicações científicas reconhecidas. Nesta edição são explorados alguns dos estudos publicados em agosto de 2019. (Para receber esse conteúdo diretamente em seu e-mail, em inglês, cadastre-se na newsletter “Hot Science”, do WRI.)

Eventos extremos recentes

O último mês trouxe sinais alarmantes das mudanças no clima, muitos dos quais alinhados com as projeções do mundo em aquecimento:

  • O furação Lorenzo quebrou recordes – nenhum furação de categoria 5 havia sido registrado tão ao leste e ao norte do Atlântico antes.

  • O furação Dorian foi a tempestade mais fortede que se tem registro a atingir as Bahamas, destruindo quase metade das casas construídas na ilha.

  • A depressão tropical Imelda causou inundações catastróficas no sudeste do Texas. Uma análise rápida feita pelo World Weather Attribution mostrou que as mudanças no clima induzidas pela ação humana aumentaram a intensidade e a probabilidade de ocorrência de chuvas extremas.

  • Uma onda de calor marinha se espalhou pelo Pacífico, com as águas da costa oeste dos Estados Unidos até cinco graus mais quentes do que o normal – a segunda onda de calor mais extensa nas águas do Pacífico norte nas últimas quatro décadas.

  • Queensland, no nordeste da Austrália, passou por incêndios florestais devastadores. As chamas se moveram rápido pela floresta, fechando escolas e queimando muitas estruturas locais.

  • Uma montanha na Suécia perdeu seu título de pico mais alto depois que as altas temperaturas derreteram um terço de sua geleira, que contava para altura do pico.

  • Foi organizado um funeral para a geleira de Pizol, nos Alpes Suíços, que já despareceu quase por completo.

  • Autoridades italianas alertaram para a possibilidade de que uma parte da geleira de Mont Blanc entre em colapso, com 9 milhões de pés cúbicos de gelo em risco de se romper; casas e cabanas locais foram evacuadas e estradas foram fechadas.

  • A dengue é uma nova ameaça em Kathmandu, no Nepal, onde manifestações da doença até então eram raras.

  • Eventos extremos na primeira metade de 2019 forçaram o deslocamento de uma população recorde de sete milhões de pessoas.

Oceanos

  • IPCC emite um alerta grave sobre os impactos climáticos no oceano: o IPCC divulgou seu Relatório Especial sobre o Oceano e a Criosfera nas Mudanças Climáticas, que documentou como as mudanças no clima induzidas pelo homem já mudaram nossos oceanos, com ainda mais impactos por vir. As ondas de calor marinhas estão se tornando mais extensas, intensas e duradouras. Eventos de branqueamento de corais em larga escala tornaram-se mais frequentes nas últimas duas décadas devido ao aquecimento. O aumento do nível do mar acelerou nas últimas décadas em decorrência da maior perda de gelo na Groenlândia e na Antártica, uma vez que a água do oceano se expande quando aquece. Saiba mais aqui.

Gelo

  • O relatório do IPCC também documenta a rápida perda de neve e gelo: o mesmo relatório citado anteriormente revela que a extensão da faixa de gelo marinho no Ártico em setembro (mês em que essa extensão atinge seu ponto mais baixo ao longo do ano) diminuiu cerca de 13% por década. As camadas de gelo e geleiras estão perdendo gelo em todo o mundo, e todas as regiões montanhosas viram um declínio na profundidade, extensão e duração de sua cobertura de neve. O Ártico aqueceu mais que o dobro da média global nas últimas duas décadas. Leia mais aqui.

  • Extensão de gelo no Ártico atinge o terceiro índice mais baixo já registrado para o mês de setembro: a Análise Nacional de Dados sobre Neve e Gelo, produzida pela agência americana que monitora os polos, constatou que a extensão do gelo no Ártico foi a terceira mais baixa já registrada em mais de quatro décadas. Em setembro, foram observadas condições quentes no Oceano Ártico e nas áreas vizinhas, com a temperatura do ar na região oceânica de 2 a 4 graus acima do período de referência de 1981-2010 para o mês.

  • Uma nova fonte de derretimento de água no interior da Groenlândia: na Groenlândia, a água proveniente do derretimento do gelo na superfície está escorrendo para a neve e congelando, formando placas de gelo, conforme indicou um novo estudo. Dado o rápido aquecimento e o crescente volume de água derretida, essas placas de gelo estão ficando mais grossas – algumas expandiram de 5 para 7 metros em apenas cinco anos. À medida que as placas de gelo engrossam, a água não consegue mais penetrar na neve e, em vez disso, corre para o oceano. As regiões do interior da Groenlândia não haviam contribuído com uma quantidade tão grande de escoamentos nos anos anteriores, e as novas descobertas estimam que o escoamento pode dobrar até o final do século.

  • Formação de lagos de gelo derretido no Leste da Antártica: um estudo publicado este mês mostra que a região leste da Antártica está cheia de lagos supraglaciais que se formam na superfície das geleiras. Antes desse estudo, pouco se sabia sobre a distribuição desses lagos na região. Uma vez que diminuem a refletividade da superfície e aumentam a absorção de radiação solar, os lagos podem intensificar ainda mais o derretimento das geleiras.

  • Água derretida na Antártica acelera o fluxo glacial: cientistas descobriram que a água derretida na superfície das geleiras, que se encontra agora espalhada pela camada de gelo da Antártica, está causando uma rápida aceleração no fluxo natural de escoamento das geleiras em direção ao oceano. Essas mudanças não tinham sido incluídas em modelos climáticos até o momento.

Espécies e ecossistemas

<p>Grupo de pássaros em Elkhorn Slough, na Califórnia (Foto: Don DeBold/Flickr)</p>

Grupo de pássaros em Elkhorn Slough, na Califórnia (Foto: Don DeBold/Flickr)

  • Declínio devastador das espécies de aves na América do Norte: um novo estudo mostrou que, deste 1970, três bilhões de pássaros na América do Norte – 30% da população total – foram perdidos. Muitas espécies e habitats foram afetados negativamente, incluindo espécies outrora comuns e espalhadas pelo território. O autor ressalta que as descobertas sinalizam a necessidade urgente de conter as ameaças a espécies de aves, entre as quais estão as mudanças climáticas, perda do habitat natural, intensificação da agricultura e outros fatores. Caso contrário, os pássaros do continente podem enfrentar um “potencial colapso”.

  • Aquecimento leva ao colapso da comunidade de aves do deserto: estudando o deserto de Mojave, cientistas descobriram que as espécies de aves diminuíram significativamente ao longo do século passado, em especial as que vivem nos locais mais secos e quentes, porque não há mais água suficiente para resfriar seus corpos. À medida que a temperatura aumenta, as aves precisam de mais água para esfriar o corpo e, em algumas áreas, ou a água não está disponível ou os pássaros precisam trabalhar mais para obter alimentos ricos em umidade, como os insetos.

  • Foco na temperatura encobre a vulnerabilidade das espécies marinhas: pesquisadores mostraram que se que as projeções climáticas globais focarem apenas nos efeitos do aumento da temperatura nas espécies marinhas, perderão uma série de interações complexas que também influenciam a variedade e a vulnerabilidade das espécies. Outros fatores, como o nível do mar e a salinidade, podem contribuir para projeções mais precisas. Modelos multifatoriais como esses levaram a previsões mais sombrias, com o bacalhau do Atlântico desaparecendo completamente em comparação com projeções mais simples, que apontavam apenas a diminuição de seu habitat.

  • Ameaça negligenciada aos corais do Mar Vermelho: muitos corais construtores de recifes se reproduzem pela liberação simultânea de óvulos e espermatozoides na água. Um novo estudo dos corais no Mar Vermelho constatou que a sincronia desses eventos de desova se tornou incompatível, de modo que há menos novos corais jovens e mais colônias de corais em envelhecimento. Embora possa haver vários fatores que levam a esses efeitos, incluindo a poluição, os autores observam que a temperatura do mar aumentou 0,3 graus por década na região.

  • Salamandras afetadas por mudanças no fluxo da água: uma pesquisa focada nas populações de salamandras em New Hampshire, Estados Unidos, descobriu que as mudanças no fluxo da água afetaram a capacidade de sobrevivência desses animais. O número de adultos das espécies de salamandras estudadas diminuiu cerca de 50% nos últimos 20 anos. E as mudanças climáticas devem aumentar ainda mais a variabilidade nos fluxos de água.

Clima extremo

  • Custos estimados do clima extremo nos Estados Unidos: um estudo publicado este mês estimou os cursos dos dez eventos climáticos mais extremos que atingiram os EUA em 2012, incluindo incêndios florestais, calor extremo e o florescimento de algas nocivas. Os eventos foram a causa de quase mil mortes e tiveram um custo de US$ 10 bilhões relacionado a problemas de saúde.

  • Ilhas de calor nas cidades: analisando os dados das temperaturas de mais de 30 mil cidades, cientistas desenvolveram um modelo para entender o efeito potencialmente letal das ilhas de calor. Eles descobriram que a quantidade de chuva e a densidade populacional são fatores determinantes para a formação das ilhas de calor. Também mostraram que as soluções para o problema dependem da localização da cidade: em regiões mais secas, ampliar as áreas verdes e a refletividade da superfície podem ser medidas efetivas, enquanto em cidades tropicais essas técnicas podem não funcionar tão bem.

  • A exposição ao calor impacta a produtividade no trabalho: cientistas estimaram perdas econômicas significativas resultantes da queda de produtividade em decorrência de calor extremo. Com os níveis atuais de calor, é possível que a perda no PIB já seja de 2% devido à queda na produtividade. Países de renda mais baixa vão ser até nove vezes mais impactados.

Agricultura

<p>Campo de trigo em Wisconsin (Foto: Chris Ford/Flickr)</p>

Campo de trigo em Wisconsin, EUA (Foto: Chris Ford/Flickr)

  • Trigo em risco: modelos climáticos estimam que sem uma redução nas emissões, até 60% da área atual usada para o cultivo de trigo vai passar por eventos severos de escassez de água – com a seca atingindo grandes áreas de terra ao mesmo tempo – até o final do século. Atualmente, 15% das áreas já são afetadas por esses eventos simultâneos. A redução nas emissões pode ajudar, mas mesmo que o aquecimento seja limitado a 1,5-2°C, o número de ocorrências simultâneas de escassez de água vai dobrar entre 2041 e 2070. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura estima um aumento de mais de 40% na demanda por cereais até a metade do século. O novo estudo, portanto, lança luz sobre os riscos futuros para a segurança alimentar em todo o mundo, pois a produção de trigo pode não ser capaz de acompanhar a demanda.

  • Bananas e as mudanças climáticas: um novo estudo descobriu que, para 27 países produtores de banana, responsáveis por 86% da produção da fruta no mundo, os rendimentos anuais aumentaram cerca de 1,4 tonelada por hectare desde 1961. No entanto, os ganhos até o momento podem desaparecer no futuro. Prevê-se que os ganhos de rendimento diminuam entre 0,2 e 0,6 toneladas por hectare até meados do século (considerando cenários de emissões médias e altas, respectivamente).

  • As mudanças climáticas estão impactando a produção de xarope de bordo: estudando diversos cultivos das árvores de onde se extrai a matéria-prima do xarope, pesquisadores descobriram que a cada 1°C de aumento da temperatura em março, a coleta de seiva era antecipada em quatro dias. Eles estimam que, até o final do século, o ponto médio da estação de coleta de seiva seja até um mês antes. Os pesquisadores também acreditam que a região com maior fluxo de seiva avance para o norte em 400 km.

Outros impactos

  • Usinas de carvão na Ásia devem enfrentar uma crise hídrica: as usinas de carvão estão se expandindo na Ásia. Um estudo publicado este mês explora o impacto das mudanças climáticas e a disponibilidade futura de água para quantificar as restrições de água na geração de eletricidade por queima de carvão na região, já que a água é necessária para resfriar as usinas. O estudo mostra que as usinas de carvão no sudeste da Ásia, em partes da Índia, da China e da Mongólia enfrentarão restrições significativas de água. A tecnologia de captura de carbono exigiria ainda mais água.

Emissões

  • Barragens hidrelétricas requerem um planejamento cuidadoso: um estudo que examinou os reservatórios de hidrelétricas na Amazônia constatou que, se todas as 351 barragens propostas forem construídas nos cinco países da bacia amazônica, as emissões dos reservatórios aumentariam em cerca de cinco vezes. As barragens hidrelétricas podem levar a emissões significativas devido à conversão e inundação de ecossistemas, entre outros efeitos. Cerca de um quarto das barragens de planície propostas consomem mais carbono do que as usinas de carvão considerando um horizonte de 20 anos.