Para descarbonizar o setor industrial, os países precisam ir além das fronteiras nacionais
As taxas de crescimento e urbanização da população mundial estão acelerando em um ritmo que desafiará nossa capacidade de atingir emissões líquidas zero. À medida que os países avançam em suas metas de desenvolvimento, a demanda por materiais usados para construir infraestruturas como estradas, edifícios e pontes, também aumenta. A demanda por esses produtos industriais, como cimento e aço, também contribui para o aumento das emissões de gases de efeito estufa geradas nos processos de produção e transporte.
Atualmente, o setor industrial é responsável por mais de um quarto do total de emissões globais de gases de efeito estufa, com a produção de cimento e aço responsável pela maior parte. É preciso experimentar alternativas para reduzir essas emissões e atender à demanda crescente por produtos industriais ou estaremos mantendo processos altamente poluentes e intensivos em emissões. Também é preciso considerar caminhos para que as fábricas já existentes substituam ou modernizem equipamentos antigos ou alterem seus processos, a fim de fornecer produtos emitindo menos carbono.
O Ministério do Aço da Índia estima que a produção de aço do país quase dobre, passando de 179 milhões de toneladas em 2024 para 300 milhões de toneladas em 2030. A demanda por cimento em países da África deve passar por um aumento igualmente expressivo: de 77% até 2030. E, nos Estados Unidos (EUA), a demora na descarbonização da indústria indica que o setor ultrapassará transportes e construção para se tornar a principal fonte de emissões do país na próxima década.
Algumas ações promissoras estão começando a emergir. Nos EUA, o governo federal anunciou um investimento de US$ 6,3 bilhões em projetos de demonstração de baixa emissão para o setor industrial, selecionados entre todos os subsetores industriais, incluindo a descarbonização de usinas de cimento e aço. O Conselho Europeu também assinou novos regulações para reduzir emissões e aumentar a eficiência na indústria.
No entanto, assim como em outros setores, o nível atual de investimentos globais em descarbonização industrial é insuficiente e precisa aumentar de três a cinco vezes até 2030. E, embora promissoras, as medidas mencionadas aqui não abordam uma questão fundamental para tornar o setor industrial mais verde em um mundo globalizado: países e empresas não podem operar de forma isolada. Sem um alinhamento internacional nos padrões de produtos e cooperação para fornecer novas tecnologias, as metas de zero líquido podem ser adiadas por décadas. Isso não só seria prejudicial para o clima, como retardaria a capacidade de trabalhadores e empresas – em especial os de países menos desenvolvidos – de participar de uma economia de energia limpa.
Por que a cooperação internacional é importante para a descarbonização do setor industrial
Nas indústrias de base, a colaboração internacional é essencial para atingir as metas climáticas porque os produtos em geral são comercializados entre países, abastecendo cadeias de valor globais. O compartilhamento de aprendizados e inovações também pode contribuir para acelerar a implementação de tecnologias de descarbonização à medida que se tornam disponíveis. Além disso, a colaboração pode fortalecer e revitalizar indústrias nacionais. E a coordenação em pesquisa e desenvolvimento pode atrair investimentos adicionais que modernizem a produção e ofereçam melhores produtos e serviços para a indústria.
Tecnologias como eletrolisadores de hidrogênio, baterias térmicas e motores e bombas de calor eficientes estão cada vez mais maduras e aptas para o uso e comercialização em escala. Assim como ocorreu com inovações industriais anteriores, nesta fase de comercialização as empresas estão interessadas em licenciar tecnologias para outros países, beneficiando tanto o fornecedor da tecnologia quanto as empresas no novo mercado.
Nos últimos anos, diversas agências internacionais enfatizaram a importância da colaboração entre países e sugeriram caminhos para melhorar a coordenação dentro dos setores industriais.
O Breakthrough Agenda Report de 2023, da Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA), apresentou algumas recomendações específicas para coordenação internacional nos setores industriais de base. São elas:
- Harmonizar padrões de relatórios e emissões e aprimorar a transparência nas metodologias de contabilidade para o que é considerado “verde” ou “baixa emissão”.
- Promover diálogos sobre a inter-relação entre comércio e clima e incentivar políticas de compras verdes para criar demanda por produtos industriais de baixa emissão.
- Incentivar a transferência de conhecimento e tecnologia por meio da coordenação de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, da criação de parcerias público-privadas, do compartilhamento de melhores práticas e do aprendizado com projetos-piloto e de demonstração para ampliar a escala das novas tecnologias.
- Criar oportunidades de relacionamento entre países e partes interessadas em relação a financiamento climático e assistência técnica visando reduzir riscos de investimentos e custos.
- Aumentar a representatividade de países asiáticos, africanos e latino-americanos, que tendem a ser sub-representados nas iniciativas internacionais, mas que passarão por um rápido aumento na demanda por materiais industriais à medida que continuam a se industrializar.
A cooperação internacional começa a tomar forma
Felizmente, os países começaram a reconhecer a necessidade de cultivar uma cooperação internacional mais eficaz para promover a descarbonização industrial. E temos observado alguns sinais encorajadores.
Parcerias no estabelecimento de novos padrões, criação de demanda e troca de conhecimento
Parcerias para desenvolver padrões verdes de escala internacional, compartilhar melhores práticas, gerar demanda por produtos verdes e reduzir custos de implantação de tecnologias são ações que podem estimular uma mudança a emissões líquidas zero no setor industrial. Um exemplo é a Iniciativa de Descarbonização Industrial Profunda (IDDI), da UNIDO, uma coalizão de nove países que atua para incentivar compras públicas verdes de bens industriais de baixo carbono, definindo padrões e referências globais comuns. Da mesma forma, a parceria público-privada First Movers Coalition reúne empresas influentes para potencializar o poder de compra coletivo e ajudar a descarbonizar o setor, gerando bilhões de dólares em compromissos anuais para obter produtos de baixo carbono por meio de compromissos de mercado. E a Leadership Group for Industry Transition (LeadIT), uma parceria liderada pela Suécia e pela Índia, reúne diversos países e empresas para traçar roteiros de descarbonização em seus países membros e orientar outros no desenvolvimento desses planos.
Ao promover a troca de conhecimento, o aprendizado entre pares e a influência coletiva de governos e empresas, essas parcerias podem ser ferramentas poderosas. Padrões harmonizados, com metodologias consistentes para relatórios de emissões e benchmarking, são essenciais para garantir que essas parcerias e iniciativas sejam complementares e não enviem sinais conflitantes ao mercado.
Iniciativas de assistência técnica e financeira
Lideranças políticas e empresariais podem desempenhar um papel importante em termos de assistência técnica e financeira, desenvolvendo a capacidade necessária para preparar as indústrias para a descarbonização. O Climate Club, um fórum intergovernamental lançado na COP28, é um exemplo promissor desse tipo de esforço. Liderado pela Agência Internacional de Energia e pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o trabalho do grupo inclui uma Plataforma Global de Matchmaking para seus 42 países membros que ajuda a melhorar o acesso à assistência técnica e financeira de que precisam para acelerar a descarbonização industrial.
Adotar modelos de outros setores também pode ser importante para acelerar a descarbonização industrial, especialmente em países da Ásia e da África, onde a demanda por produtos industriais tem aumentado rapidamente. Antes de fazer isso, no entanto, é válido observar as lições de acordos como a Just Energy Transition Partnerships (JETPs). Essas parcerias são pacotes financeiros que oferecem financiamento e suporte para a transição tecnológica e requalificação de trabalhadores, mas foram criticadas por não incluir fundos concessionais e de subsídios suficientes e por terem uma ação lenta devido aos altos encargos administrativos.
Acordos comerciais focados no clima
Acordos internacionais envolvendo clima e comércio com foco em bens industriais têm chamado atenção nos últimos anos. Um exemplo é o Acordo Global EUA-UE sobre Aço e Alumínio Sustentáveis (GASSA), uma proposta para aumentar o comércio de aço e alumínio verdes entre as duas regiões e que inclui uma tarifa conjunta sobre importações de regiões com produtos de maior emissão ou que contribuem para o excesso de oferta. No entanto, as negociações sobre esse acordo estagnaram e provavelmente permanecerão inativas até 2025.
Acordos comerciais com foco no clima têm o potencial de promover o comércio e a demanda por bens de menor emissão ao estabelecer padrões e referências verdes. Em compensação, envolvem muitas complexidades, como as preocupações com a alienação de parceiros comerciais, protecionismo e o risco de deixar países não desenvolvidos para trás. Como descrito no relatório da IRENA, a descarbonização bem-sucedida de indústrias como a do aço requer diálogos mais inclusivos sobre comércio e maior cooperação envolvendo todos os principais países produtores ou importadores de produtos industriais. Esses acordos devem ser equitativos e inclusivos e priorizar o apoio a parceiros comerciais em países em desenvolvimento, promovendo um esforço conjunto para descarbonizar o setor industrial por meio de investimentos em financiamento climático, assistência técnica e capacitação.
Traduzindo os primeiros passos em ações ambiciosas
Parcerias recentes e iniciativas colaborativas são os primeiros passos em direção à colaboração internacional na descarbonização industrial. A cooperação contínua entre países ajudará a promover a inovação, impulsionar as economias, reduzir o custo das tecnologias de descarbonização e diminuir o “prêmio verde” dos produtos de baixo carbono. Esse tipo de coordenação global também pode aprimorar a harmonização de padrões ecológicos, aumentar a transparência das emissões, incentivar a descarbonização em toda a cadeia de valor e gerar demanda por bens de baixo carbono comercializados internacionalmente. Por fim, pode oferecer um suporte fundamental para países que buscam atingir metas de desenvolvimento e fomentar uma transição justa no setor industrial.
No entanto, diferentes elementos são essenciais para que esse movimento seja bem-sucedido. Precisamos garantir que a colaboração tecnológica não deixe nenhum país para trás. Os países também precisam desenvolver padrões comerciais harmonizados para criar condições equitativas para todos. Instrumentos financeiros e de investimento que mobilizem recursos significativos, com termos adequados para ampliar a descarbonização industrial, são igualmente essenciais. As estratégias de cooperação internacional devem aproveitar o poder da negociação coletiva e a influência dos países ricos e empresas inovadoras, viabilizando – e até acelerando – uma tarefa que seria árdua para qualquer nação, empresa ou indústria realizar sozinha.
Este artigo foi publicado originalmente no Insights.