Hoje coordenadora da área de Mobilidade Ativa do WRI Brasil, Paula deu início à sua trajetória na organização há mais de oito anos, como estagiária de transportes.

Ao longo da carreira, Paula trabalhou com a simulação de corredores de ônibus para sistemas BRT, tema sobre o qual escreveu sua dissertação de mestrado. Foi a partir de uma dessas simulações que se percebeu um desafio externo à operação dos sistemas: a dificuldade das pessoas de acessarem as estações. E assim começou a tomar forma o trabalho do WRI Brasil focado na mobilidade ativa, com o objetivo de auxiliar as cidades para que ofereçam condições adequadas de segurança e acessibilidade a quem se desloca a pé ou de bicicleta.

Conversamos com Paula sobre sua atuação no WRI Brasil, a relação entre a mobilidade ativa e o uso do transporte coletivo, a importância de priorizar os deslocamentos a pé e de bicicleta e como o conceito de Ruas Completas ajuda a promover esses modos ao buscar uma distribuição democrática do espaço das ruas. Confira!

 

 

Como você avalia a mudança de foco de trabalho em sua trajetória no WRI Brasil, da simulação de sistemas de ônibus para a mobilidade ativa?

Paula Santos - Comecei no WRI há cerca de oito anos, como estagiária. No início, o meu foco eram as simulações de corredores de ônibus BRT. Na época, muitas cidades brasileiras estavam começando a trabalhar para implantar sistemas, e com a simulação nós ajudávamos a encontrar problemas antes da construção. Em uma dessas simulações, percebemos que o problema do corredor não estava na operação do sistema, mas na forma como as pessoas chegavam às estações. Nesse momento, começamos a perceber que o acesso ao transporte coletivo também é essencial para seu bom funcionamento. Assim nasceu a área de Mobilidade Ativa, com o objetivo de ajudar as pessoas tanto a chegar ao transporte coletivo quanto a realizar deslocamentos inteiros a pé ou de bicicleta.

 

O conceito de “last mile” mostra a importância dos meios de transporte ativo para o uso do transporte coletivo. Fale um pouco sobre essa relação e por que as cidades precisam melhorar nesse aspecto.

Hoje sabemos que, para um sistema de transporte coletivo ser de fato competitivo em relação ao carro, precisa oferecer às pessoas uma conveniência semelhante. Qualificar o acesso às estações é uma forma eficiente de fazer isso acontecer. Em outras palavras, se uma empresa de ônibus quer aumentar o número de usuários, deve se preocupar também em como as pessoas chegam às estações. É necessário avaliar se o acesso é fácil, com travessias seguras e um caminho conveniente. Para quem anda a pé, é importante considerar os elementos presentes nesses trajetos – a qualidade das calçadas, travessias, arborização, comércio. E o mesmo para quem usa a bicicleta – o caminho deve ser seguro, com infraestrutura cicloviária adequada. Também é preciso haver uma integração entre os modos que beneficie as pessoas, como um local adequado para que possam deixar a bicicleta em segurança e seguir seu trajeto de ônibus ou metrô. Dessa forma, é muito mais provável que utilizem o transporte coletivo, porque se torna uma opção acessível e atrativa. 

 

No contexto brasileiro, em geral caminhar e andar de bicicleta não recebem o mesmo olhar positivo que em cidades de países desenvolvidos. O que precisa ser feito para que os brasileiros “desapeguem” da visão do carro como símbolo de status e como único meio de transporte viável nas cidades?

Acredito que a cultura do uso do carro, aos poucos, está mudando em relação ao que víamos alguns anos atrás. Há uma ou duas décadas, o carro era um símbolo muito mais forte do que é hoje. Hoje vemos que os jovens, em geral, não têm mais vontade de aprender a dirigir ou ter um carro. Essa geração tem novos objetos de desejo, uma nova forma de pensar e se comunicar. Por isso, o carro já não representa o que representava no passado. No entanto, essa nova cultura ainda vai levar alguns anos para ser enraizada de fato em nosso cotidiano. Nossas cidades foram projetadas para o deslocamento dos carros; reverter o que aconteceu de 50 anos para cá exige tempo. Mas a mudança já começou.

 

O WRI Brasil trabalha com o conceito de Ruas Completas. Por que os governos municipais devem buscar esse modelo de rua nas cidades?

O conceito de ruas completas está ligado à questão que mencionamos anteriormente de como levar as pessoas a optarem pelos modos mais sustentáveis – caminhada, bicicleta ou transporte coletivo. Uma rua completa permite que as pessoas acessem seus destinos de forma segura, conveniente e confortável, independentemente de como estejam realizando esse deslocamento. As ruas completas tornam o espaço viário mais democrático, dividido de maneira que todos os usuários da via podem se deslocar de forma conveniente. Por exemplo, se um pedestre precisa atravessar a rua, ele deve ter várias oportunidades para fazer essa travessia, não apenas nos pontos onde não atrapalha o tráfego dos carros. Uma rua completa é uma rua que considera todos os tipos de deslocamentos e que, assim, faz com que a cidade como um todo a seja pensada dessa forma, não apenas para os carros, mas para todos os usuários.

Projeto de Rua Completa implementado na Joel Carlos Borges, em São Paulo (Foto: Pedro Mascaro/WRI Brasil)

 

Como o WRI Brasil contribui para fortalecer a mobilidade ativa nas cidades brasileiras?

O WRI Brasil tem o papel de ajudar as cidades a funcionarem como uma engrenagem completa. A administração de uma cidade tem vários setores, e, para que bons projetos saiam do papel, todas essas áreas devem operar juntas, de forma complementar. Se uma dessas peças não estiver alinhada com as demais, as coisas já não acontecem de forma bem-sucedida. Nós ajudamos a fazer com que todas as peças se encaixem. Nossa função é auxiliar as cidades que já estão convencidas de que a sustentabilidade é o caminho certo para que apoiem as que ainda não têm essa certeza. Estimulamos que a sustentabilidade faça parte da agenda das cidades e seja a base para o planejamento urbano.

 

Em se tratando da mobilidade ativa, o que é preciso levar em conta ao criar políticas públicas?

As políticas implementadas nas cidades precisam ser alinhadas com o que as pessoas fazem no dia a dia. Ou seja, não adianta multar pedestres e ciclistas se essas pessoas não contam com infraestrutura segura e conveniente para de deslocar. Essa prática, na verdade, vai afastá-los ainda mais das cidades: o pedestre que não encontra uma faixa de travessia no local onde mais precisa vai atravessar fora da faixa. O ciclista, se não tiver uma ciclovia ou ciclofaixa segura por onde pedalar, vai utilizar a calçada. Mesmo que a intenção seja reforçar a segurança, antes de criar políticas que desestimulem o transporte ativo, é preciso oferecer as condições adequadas para que as pessoas possam caminhar e pedalar em segurança na cidade.

 

O que a mobilidade ativa pode fazer pelas cidades e pelas pessoas?

Incentivar a mobilidade ativa é tornar as cidades mais vivas. Quanto mais as pessoas estão nas ruas, a pé ou de bicicleta, mais elas se conectam umas com as outras. Conhecem seus vizinhos, as pessoas que moram na mesma rua, o dono da padaria, e isso faz com que tenham mais segurança. Esse tipo de conexão interpessoal tem se tornado raro porque as pessoas estão cada vez mais encapsuladas dentro de seus condomínios ou carros. É justamente isso o que o transporte ativo promove, o contato e a conexão entre as pessoas.