Ruas completas dão vida e segurança aos espaços urbanos
As vias urbanas são parte vital das cidades e proporcionam a oportunidade de convivência entre todos que nela passam. Todas as pessoas, independentemente da idade, habilidade e renda devem ter acesso seguro, confortável e conveniente aos seus destinos, seja caminhando, dirigindo, pedalando ou utilizando o transporte coletivo. Mas a maioria das vias são projetadas apenas para a conveniência dos carros, transmitindo a informação para os motoristas de que o espaço é exclusivamente para eles.
Ruas completas são projetadas para permitir esse acesso seguro a todos os usuários de forma democrática. Pedestres, ciclistas, motoristas e usuários do transporte coletivo podem circular com segurança ao longo de uma rua completa. O conceito representa uma mudança no paradigma tradicional de desenho de vias urbanas.
Existem muitos elementos que podem tornar uma rua completa. Não há uma receita única e cada projeto evolui do processo de avaliação de uma série de fatores que influenciam no desenho final da rua. Projetar ruas completas requer equilibrar as necessidades dos usuários e enfatizar os elementos de maior prioridade, pois muitas vezes a largura da rua é insuficiente para acomodar faixas dedicadas ao tráfego de cada um dos usuários.
Algumas estratégias que podem ser utilizadas no projeto de uma rua completa são:
- Estreitamento de faixas dedicadas ao tráfego de carros.
- Calçadas que confiram conforto e segurança aos pedestres.
- Infraestrutura para bicicletas.
- Instalações de transporte coletivo bem projetadas.
- Faixas de travessias que proporcionem oportunidades frequentes para o cruzamento de vias.
- Facilidades para pessoas com deficiência, idosos e crianças.
- Extensões de meio-fio que diminuam a distância de travessia.
- Árvores e mobiliário urbano.
- Projetos seguros de interseções e redução dos raios de giro.
- Sinalização clara para todos os usuários.
- Iluminação.
- Tratamento do pavimento.
Existem muitas razões para que a cidade adote o conceito de ruas completes, dentre elas o estímulo à economia local e a revitalização urbana. Mas o argumento da segurança é o que geralmente se sobrepõe aos outros. Para que o conceito traga benefícios para toda a cidade, é necessário desenvolver uma política que inclua ruas completas no padrão de desenho das vias. Políticas de Ruas Completas formalizam a intenção da cidade de planejar, desenhar e manter ruas seguras para todos os usuários. Essas políticas orientam os planejadores a desenvolverem projetos consistentes e construir vias acomodando todos os usuários.
Um exemplo internacional comprova os benefícios de investir em ruas completas. Nos Estados Unidos, a Edgewater Drive, na cidade de Orlando, é uma referência nacional segundo a Coalizão Smart Growth America National Complete Streets. A via foi reformada de forma que as duas pistas que haviam em cada sentido fossem reduzidas a uma para cada sentido. As duas vias do meio foram transformadas em pistas para conversões a esquerda e em ciclovias.
O número de acidentes de trânsito teve uma redução de 40%, os feridos em colisões diminuíram em 71%. Esses números são ainda mais expressivos quando atentamos ao fato de que o trânsito no local sofreu uma redução de apenas 12%, enquanto o número de bicicletas aumentou em 30% e de pedestres em 23%. A explicação para isso é a velocidade reduzida do local e também a própria presença de mais pessoas e ciclistas, o que faz os motoristas trafegarem com mais atenção e cuidado. Além disso, o local registrou 77 novos negócios sendo abertos e 560 novos postos de trabalho desde 2008.
Algumas cidades brasileiras também já construíram ruas completas e dão os primeiros exemplos do conceito no país. A avenida Santos Dumont, em Belo Horizonte, por exemplo, foi reconstruída a partir da implantação do sistema de BRT MOVE. Hoje, é um dos símbolos da capital mineira quando o assunto é mobilidade urbana, já que dá prioridade ao transporte coletivo, à bicicleta e aos pedestres, garantindo a acessibilidade de todos os usuários. A famosa rua XV de Novembro, em Curitiba (à esquerda), também é um modelo de rua completa. Hoje um dos pontos turísticos e culturais da cidade, o local dá espaço ao “calçadão da Rua das Flores”, que desde a inauguração, em 1972, oferece circulação exclusiva de pedestres.
Mas o potencial de ampliação do número de ruas completas no Brasil ainda é muito grande. A recém lançada Rede Nacional para a Mobilidade de Baixo Carbono irá promover a disseminação do conceito através da elaboração de projetos piloto apoiados pelo WRI Brasil. A Rede, coordenada pelo WRI Brasil, em parceria com a Frente Nacional de Prefeitos e apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS), conta com dez cidades pré-selecionadas: Niterói, Porto Alegre, João Pessoa, Campinas, Joinville, Salvador, São Paulo, Juiz de Fora, Recife e Fortaleza, além do Distrito Federal.
A Rede foi lançada durante o IV Encontro dos Municípios como Desenvolvimento Sustentável (EMDS), realizado no final do mês de abril, em Brasília. Entre as dezenas de atividades do encontro, uma parceria do WRI, FNP, Sinaenco e Sobratema permitiu a construção de um protótipo de rua completa.
Confira imagens e benefícios do projeto:
1 - Fachadas ativas - Uma comunidade que compartilha experiências e se relaciona no dia a dia tende a zelar pela segurança das pessoas. Pisos térreos ativos são cruciais para estimular a conexão das pessoas com a cidade e estão relacionados à segurança pública urbana. Comércios, serviços e espaços culturais estimulam a convivência entre a vizinhança e qualificam a relação do espaço público com o ambiente construído.
2 - Iluminação na escala do pedestre - A iluminação pública confere segurança e condições mínimas para o tráfego quando não há luz natural e deve priorizar pedestres e ciclistas. Investimentos em infraestrutura na substituição de lâmpadas e luminárias por modelos de LED o e a implantação da fiação subterrânea são compensados pela redução nos gastos com manutenção. Luminárias que utilizam a tecnologia de painéis solares, fotocélulas e sensores de presença também são boas opções. Esses modelos não precisam de energia elétrica e acendem automaticamente à noite.
3 - Drenagem e jardim de chuva - Os jardins de chuva, ou bacias de infiltração, são canteiros caracterizados por uma depressão no solo que forma uma bacia para onde é direcionado o escoamento superficial da água da chuva. Para a implantação da medida, é preciso desenvolver um projeto que leve em conta o tipo de solo do local, a área drenada e os riscos que podem interferir em seu bom funcionamento.
4 - Mobiliário - Quando bem projetado e instalado de forma ordenada, o mobiliário urbano melhora a experiência de convivência com a cidade. Alguns mobiliários urbanos cumprem funções utilitárias, enquanto outros servem para incentivar a permanência das pessoas nos espaços públicos.
5 - Paraciclo - A instalação de paraciclos nas vias, em conjunto com medidas como a redução do limite de velocidade e a construção de ciclovias/ciclofaixas, estimula os deslocamentos de bicicleta. No espaço ocupado por uma vaga de estacionamento de carro, com aproximadamente 12,5m², é possível instalar até sete paraciclos paralelos que acomodam 14 bicicletas.
6 - Sinalização - Espaços compartilhados por diferentes usuários e meios de transporte, como pedestres, ciclistas, automóveis e ônibus, devem ser sinalizados indicando claramente o limite de velocidade e os fluxos preferenciais.
7 - Via compartilhada - Faixa compartilhada com veículos motorizados e pedestres exige velocidades baixas e boa sinalização para o convívio seguro entre todos os meios de transporte.
8 - Piso tátil - O piso tátil permite a percepção de rotas e obstáculos orientando o deslocamento das pessoas cegas.
9 - Superfície - A escolha do tipo de pavimento depende de diversos fatores, como a função da via, o tipo de tráfego, fluxos de veículos e pedestres, a topografia do local, o tipo de subsolo, a periodicidade de manutenção e o uso e ocupação do solo. Tanto os blocos de concreto quanto o concreto moldado in loco são antiderrapantes, o que proporciona segurança aos pedestres, mesmo em dias de chuva.
(Fotos: Mariana Gil/WRI Brasil)