O Brasil, ao lado de 195 países do mundo, se comprometeu a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE). Empresas no mundo todo estão buscando reduzir também suas emissões. Assim como cidades e governos subnacionais têm suas próprias metas. Todo mundo está disposto a fazer a sua parte para controlar emissões e limitar o aquecimento do planeta a no máximo 2ºC, como definido no Acordo de Paris.

Mas, com tantas metas diversas, como saber se cada um está realmente cuidando da sua parte?

Ter um sistema em que é possível entender como essas metas estão – ou não – sendo alcançadas é crucial para que o Acordo de Paris seja bem sucedido. Esse sistema costuma ser chamado pela sigla MRV. Essa sigla apareceu pela primeira vez em uma das Conferências do Clima que a ONU organiza anualmente. Em 2007, na conferência de Bali, Indonésia, os negociadores escreveram no documento Bali Action Plan que a redução de gases de efeito estufa deveria ser implementada de uma forma em que fosse “mensurada, reportada e verificada”. As três letrinhas logo entraram no jargão das negociações climáticas que culminaram na assinatura do Acordo de Paris, em 2015.

O objetivo do MRV é tornar o processo de redução de emissão de gases de efeito estufa o mais transparente possível. Sem um sistema coeso para medir, reportar e verificar, qualquer organização que precisa reduzir emissões – como empresas, cidades ou países – poderia dizer que cumpriu sua meta sem ter possibilidade de avaliação. Sem essa análise, seria impossível saber se todos estão fazendo a sua parte.

Um sistema de MRV harmônico e coeso se torna ainda mais necessário neste momento em que o mundo empresarial está disposto a agir. Debates sobre instrumentos econômicos para incentivar a redução de emissões, como a precificação de carbono, já estão sendo feitos no setor empresarial. Mas para colocar um preço no carbono, é preciso saber como medir, reportar e verificar as emissões.

Um bom sistema de MRV no nível empresarial ajudará as empresas a implementar uma cultura de gestão de suas emissões. Isso as tornará mais preparadas para se inserirem de forma competitiva em mercados cada vez mais pautados por compromissos de sustentabilidade e que precisam gerenciar os riscos climáticos em suas cadeias. Além disso, um MRV empresarial ajudará a aprimorar as metodologias de relato de emissões em processos industriais, tornando os números do Brasil como um todo mais confiáveis.

MRV avança no Brasil, mas ainda falta articulação

A transparência no relato de emissões é discutido por governo, sociedade civil e empresas há bastante tempo no Brasil. Mas essas discussões ainda não resultaram em um programa institucional concreto. O Ministério do Meio Ambiente (MMA), por exemplo, tenta há anos incluir sistemas de MRV na Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), até hoje sem sucesso. Com a aprovação do Acordo de Paris, em 2015, o MMA retomou a discussão.

Pelo menos três ministérios diferentes estudam sistemas de MRV, voluntários ou mandatórios, para o setor empresarial. O Ministério da Fazenda criou um Grupo de Trabalho em 2014 para criar um Sistema Nacional de Relato de Emissões, mas até hoje esse sistema não saiu. Já o Ministério da Ciência, Tecnologia, Informação e Comunicação (MCTIC), ao lado do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), busca colocar um mecanismo de MRV no SIRENE, outro sistema de registro de emissões. Além disso, há experiências de sistemas voluntários de MRV em alguns estados do Brasil, como São Paulo, Rio e Minas Gerais. Como harmonizar todas essas iniciativas?

O WRI Brasil acredita que a melhor forma de resolver essas questões é com o diálogo. Em agosto, a equipe do programa de Clima do WRI Brasil organizou um evento com a participação de vários ministérios – entre eles Casa Civil, Ministério da Fazenda, MMA, MCTIC e MDIC –, representantes de governos estaduais e da sociedade civil para compartilhar experiências e ao mesmo tempo problematizar o desafio de harmonização dos sistemas. É preciso articular as diferentes iniciativas para evitar sobreposição de esforços – por exemplo, uma mesma empresa tendo que reportar suas emissões para vários sistemas diferentes em diferentes ministérios, o que tornaria o processo mais burocrático e os custos, mais altos.

Qual é o melhor sistema de MRV?

Mensurar, reportar e verificar pode parecer simples, mas na verdade é um desafio grande em todo o mundo. A boa notícia é que o Brasil não precisa começar do zero. Há diversas iniciativas de MRV em outros países que podem servir de exemplo ou serem adaptadas para as realidades de um país tropical.

Uma pesquisa do WRI procurou levantar quais os sistemas existentes e quais são seus pontos fortes e fracos. Essa pesquisa resultou no Guia para elaboração de programas mandatórios de relato de gases de efeito estufa. A publicação usa a experiência de 13 programas para orientar formuladores de políticas e profissionais no desenvolvimento de programas de relato de GEE. Entre os programas há o da Austrália, o do sistema de comércio de emissões da Noruega, o do estado da Califórnia, nos EUA, e o da União Europeia. Também há programas que ainda não entraram em operação, mas que já estão elaborados, como o da China.

O guia é focado nos programas mandatórios – aqueles que exigem que as empresas e estabelecimentos relatem suas emissões periodicamente, em oposição aos programas voluntários. São programas que fornecem informações confiáveis sobre emissão de GEE e suas fontes e ajudam empresas e setor público a entender o risco associado a suas emissões e oportunidades para mitigar emissões, dando a transparência necessária para que o Acordo de Paris consiga cumprir o objetivo e evitar mudanças climáticas extremas.