O Brasil deve ter um papel significativo na 22ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP22), que reúne chefes de Estado, líderes de organizações não governamentais e empresários de todo o mundo de 7 a 18 de novembro, em Marrakech, no Marrocos.

O evento anual vai dar sequência à resposta global iniciada em Paris em dezembro de 2015, na qual lideranças acordaram sobre a implementação de ações de redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e mitigação do aumento da temperatura do planeta neste século – a meta é manter o aumento da temperatura média global em menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais e fazer um esforço para limitar essa elevação da temperatura a 1,5°C.

A ratificação do Acordo de Paris é um passo fundamental para que sejam tomadas medidas agregadas relacionadas à mitigação e à adaptação às mudanças climáticas globais. Até 4 de novembro, data em que o acordo entrou em vigor, 97 países, que representavam aproximadamente 66% das emissões globais de Gases de Efeito Estufa (GEE), tinham ratificado o acordo, o que significa um recorde em termos de adesão e ratificação a um tratado multilateral. O Acordo, que prevê uma série de importantes ações para a redução das emissões de GEE, causadoras do aquecimento global, coloca em curso o Climate Action Plan (Plano de Ação de Clima, na tradução livre ao português), que exige a adoção de práticas concretas pelos países signatários até 2020.

Os instrumentos estratégicos para que as medidas sejam adotadas pelos países signatários ficou conhecido como Nationally Determined Contributions – NDCs (Pretendidas Contribuições Nacionais Determinadas, na tradução livre ao português). Até 2020, os países devem implantar as políticas climáticas para garantir que os resultados pretendidos sejam alcançados.

O Brasil na COP22

Gerente de Clima do WRI Brasil, Viviane Romeiro A Gerente de Clima do WRI Brasil, Viviane Romeiro (Foto: Mauricio Boff/WRI Brasil)

A NDC brasileira representa um grande avanço para colocar o país no caminho de uma economia de baixo carbono. Porém, medidas mais ambiciosas precisam ser colocadas em prática. Para a Gerente de Clima no WRI Brasil, Viviane Romeiro, Marrakech vai representar um marco na história do combate ao aquecimento global na medida em que medidas concretas deverão ser estabelecidas para o cumprimento do Acordo de Paris. Viviane, que estará no Marrocos acompanhando a COP22, destaca os temas prioritários para o Brasil:

O Brasil tem o seu plano nacional, que contempla projetos específicos por área. Como essas diferentes áreas se cruzam?

Viviane Romeiro – A NDC brasileira contempla metas específicas por setores. Porém, não detalha como as mesmas serão alcançadas e custeadas, e um novo plano com propostas de ações e meios de financiamento para alcançar as metas dos setores deverá ser lançado em breve. A expectativa é que ainda em novembro deste ano o Ministério do Meio Ambiente (MMA) compartilhe sugestões de meios para o cumprimento das metas setoriais de mitigação e adaptação e proponha junto aos ministérios envolvidos os mecanismos para financiar tais ações.

Como o Brasil pode aumentar a ambição de seu Plano de Ação de Clima até 2020?

Embora as metas de redução absoluta de emissões da NDC brasileira possam ser consideradas como um avanço em relação às metas apresentadas em 2009 (com cenários business as usual, isto é, se nada fosse feito para reduzir emissões), vários estudos de cenários sugerem que o Brasil é capaz de propor compromissos mais ambiciosos com políticas e práticas aprimoradas. Dois elementos-chave do Acordo de Paris reforçam oportunidades de colocar o Brasil em conformidade com os objetivos de longo prazo no decorrer dos próximos anos. Em primeiro lugar, o Acordo estabelece um "mecanismo de ambição", pelo qual os países devem reelaborar ou atualizar os seus compromissos a cada cinco anos para aumentar a ambição, informado por um global stocktake, ou “avaliação global”, para mensurar progressos. Em segundo lugar, o Acordo incentiva os países a estabelecerem estratégias de desenvolvimento de longo-prazo de baixa emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) até meados deste século. Juntos, esses elementos criam uma importante janela de oportunidades no período 2018-2020. O Brasil pode aproveitar a oportunidade do processo do Diálogo Facilitador 2018, um mecanismo que facilita a avaliação de como as partes podem aumentar a ambição das metas de suas NDCs. O país também deve estabelecer uma meta de longo prazo para a descarbonização da economia até 2050. A transição para uma economia de baixo carbono é fundamental para alcançar estes objetivos. O enfrentamento às mudanças climáticas oferece uma excelente oportunidade para o Brasil se posicionar como líder mundial. A transição é também a chance de introduzir nova via de desenvolvimento com ótimas oportunidades para a geração de trabalho e renda.

O que falta para que isso aconteça?

Vontade política e ações concretas e consistentes. Apesar da redução brasileira histórica das emissões provenientes do desmatamento e das mudanças no uso do solo, observa-se uma tendência de crescimento das emissões de setores como agropecuária e energia a taxas bem superiores àquelas verificadas em muitos países. Torna-se imperativa a inclusão da “lente climática” em todas as políticas públicas brasileiras, considerando que o combate às mudanças climáticas globais só faz sentido com a promoção de uma estratégia de desenvolvimento e crescimento econômico de baixo carbono. Paralelamente é importante que o Sistema Modular de Monitoramento e Acompanhamento das Reduções das Emissões de Gases de Efeito Estufa (SSMARE) – já previsto pelo governo – seja devidamente implementado e de forma integrada ao futuro Sistema Brasileiro de Monitoramento e Observação de Impactos das Mudanças Climáticas (SISMOI) e o Sistema de Registro Nacional de Emissões (SIRENE), em um único sistema e plataforma. Tais sistemas são igualmente importantes para o monitoramento sistemático e permanente da velocidade, grau e qualidade de implementação da política climática brasileira.

Qual seria a meta possível considerando a realidade de hoje?

A NDC brasileira apresenta a meta de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025 (1.3 GtCO2e), e a meta indicativa de reduzir as emissões de GEE em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030 (1.2 GtCO2e). Previamente à COP21, em Paris, a meta sugerida pela sociedade civil em consonância com o limite de aumento de temperatura em 2°C, por exemplo, foi de até 1 GtCO2e, em 2030. Com a importante determinação do Acordo de Paris para que as partes se esforcem para limitar o aumento em 1,5°C, a meta correspondente ao Brasil seria algo entre 0,6 e 0,8 GtCO2e. Ressalto a importância de que sejam implementadas medidas disruptivas para reduzir drasticamente a trajetória da curva de emissões do país. Começo destacando o desmatamento zero; o investimento em uma agropecuária de baixo carbono; e a descarbonização da matriz energética do país, aportando mais investimentos em energia solar, eólica e biomassa.

Você falou em zerar o desmatamento para reduzir drasticamente as emissões de GEE. Acontece que o desmatamento na Amazônia voltou a crescer. Isso impacta negativamente o papel de negociador forte do Brasil na COP22?

Certamente sim. O último relatório do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima aponta que as emissões brasileiras em 2015 aumentaram em 3,5% enquanto o PIB reduziu em 3,8%. O aumento do desmatamento na Amazônia foi registrado pelo segundo ano consecutivo após quedas sucessivas entre 2009 e 2012. É a maior taxa nos últimos quatro anos. A taxa de desmatamento entre agosto de 2014 e julho de 2015 foi de 6.207/km2, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Em relação ao período anterior, representa aproximadamente 24% de crescimento. É importante que iniciativas adicionais às atuais políticas de comando e controle do Governo Federal sejam tomadas, inclusive para que a meta de redução do desmatamento prevista na Política Nacional sobre Mudança do Clima de 2009 seja devidamente alcançada até 2020.

Como o Brasil pode ajudar outros países em desenvolvimento a tomar medidas de impacto que contemplem o combate ao aquecimento do planeta?

O Brasil teve – e tem – um papel bastante significativo na história das COPs. O país colabora diretamente nas negociações em questões de mediação e mesmo com medidas propositivas, como a proposta de diferenciação concêntrica. As metas da NDC brasileira foram baseadas em cenários de redução absoluta das emissões, o que representa uma mudança metodológica muito importante em comparação com as metas anteriores, baseadas em um cenário business as usual, ainda mantidas por vários países em desenvolvimento. Além disso, o Brasil se comprometeu em seu NDC a intensificar as iniciativas de cooperação com outros países em desenvolvimento – em especial, no monitoramento florestal. Essa partilha de conhecimentos Sul-Sul é única no NDC e é uma boa notícia para outros países florestados. O Brasil pode sim servir de exemplo para outras nações.

***

A Gerente de Clima, Viviane Romeiro, e a Analista de Pesquisas, Juliana Speranza, do WRI Brasil estão no Marrocos participando da COP22.