Capacitação pode acelerar soluções baseadas na natureza no Brasil
Não há como solucionar o desafio do clima sem solucionar a crise da natureza. No Brasil, há que se adicionar a essa equação a desigualdade. Em cidades que se espalharam sobre várzeas e encostas, as populações mais vulnerabilizadas são as mais fortemente impactadas: têm menos recursos para se adaptar aos extremos de calor, frio ou chuva, e menos condições de se restabelecer após o impacto.
A resposta a esse contexto complexo passa pela reintegração da natureza às cidades. São as chamadas soluções baseadas na natureza (SBN): parques lineares, renaturalização de rios, jardins de chuva e outras intervenções verdes que restabelecem processos naturais como a drenagem das águas e a regulação da temperatura. Por isso, têm se difundido globalmente como soluções para tornar as cidades mais adaptadas e resilientes enquanto geram múltiplos cobenefícios para a biodiversidade e as pessoas.
Essa ainda é uma realidade incipiente nas cidades brasileiras, onde a falta de projetos robustos é uma barreira ao financiamento e à implementação dessas soluções. Contribuem para esse atraso a situação fiscal delicada dos municípios e lacunas de capacidades técnica e institucional para estruturar projetos sustentáveis.
Para ajudar a mudar essa realidade, o WRI Brasil criou o primeiro programa de aceleração para projetos urbanos de SBN do país. Entre 2022 e 2024, o Acelerador de Soluções Baseadas na Natureza em Cidades selecionou dez projetos em estágio de ideação e apoiou as equipes na estruturação e qualificação das propostas e na conexão com potenciais financiadores para ampliar as possibilidades de implementação das SBN.
O programa disseminou a temática de SBN e contribuiu significativamente com a capacitação de equipes e com a estruturação de propostas que, se implementadas, beneficiarão até 3 milhões de pessoas. Todos os projetos avançaram do estágio de ideação em que iniciaram o programa para estágios mais avançados de desenvolvimento. Em agosto de 2024, mais de R$ 50 milhões em recursos já haviam sido mobilizados para implementação de projetos acelerados.
Parte desses resultados está sistematizada na nota prática Acelerando Soluções Baseadas na Natureza em Cidades Brasileiras: Lições aprendidas na estruturação de projetos em estágio de ideação. A publicação analisa os impactos da primeira fase do programa, em que os dez projetos receberam capacitações e mentorias e contaram com oportunidades de conexão com financiadores.
O que a experiência mostrou sobre o potencial de programas de aceleração e capacitação para impulsionar a implementação de SBN em cidades do Brasil?
Confira a seguir alguns destaques da publicação.
Acelerador catalisou a criação de projetos
Para tirar ideias do papel, é preciso primeiro colocá-las no papel. Antes mesmo da aceleração, o Acelerador atuou como um catalisador ao incentivar equipes a darem o primeiro passo na estruturação dos projetos. A equipe de Campo Grande/MS incorporou SBN ao projeto Parque dos Ipês para participar do programa. Já os projetos Parque Pirapora (Maranguape/CE), Verde Urbano (Estrela/RS), Parque Natural Multifuncional em Fundo de Vale (Maringá/PR) e Habitação de Interesse Social e Recuperação Ambiental das Área de Risco (Raposos/MG) foram criados para inscrição no edital.
Os projetos de Estrela e Maranguape foram contemplados recentemente pelos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC) do Governo Federal (leia mais abaixo). De ideias, evoluíram para projetos e agora resultarão em intervenções concretas – ou melhor, verdes – no território.
Aceleração qualificou equipes e propostas
O estudo mostrou que as atividades de aceleração foram efetivas em reduzir as lacunas de capacidade técnica. Todos os projetos acelerados evoluíram significativamente ao longo do programa. As equipes finalizaram a aceleração com mais clareza sobre os objetivos, impactos e viabilidade dos projetos, e destacaram o avanço promovido pelo Acelerador no grau de conhecimento técnico sobre SBN, oportunidades de financiamento e governança.
O resultado se reflete na evolução de maturidade final dos projetos. A evolução média foi especialmente significativa nos temas financeiros, de governança e no pitch e plano de ação.
Os participantes também mencionaram como benefícios diretos da participação no programa o desenvolvimento de um olhar sistêmico para os projetos, a priorização das equipes para elaboração dos projetos, a segurança provida pelo aval de especialistas sobre o desenvolvimento dos projetos e a criação de uma comunidade de trocas de experiência e rede de apoio entre os participantes.
Estimativa de custos e mobilização de atores são desafios
O Acelerador permitiu identificar os principais desafios das cidades na estruturação dos projetos: o desenho das soluções, a valoração econômico-financeira e a mobilização de atores foram os desafios mais significativos.
Para a valoração econômico-financeira, há carência de materiais de referência para realizar estimativas de custos de implantação e manutenção de projetos de SBN. É necessário estabelecer parâmetros de referência sobre as SBN em políticas públicas e documentos oficiais, como sistemas de preços.
A mobilização de atores e a estruturação da governança foram dificultadas, em parte, pela visão predominante da infraestrutura cinza como solução em outros órgãos municipais.
Ajustes na aceleração podem mitigar dificuldades
As informações sobre os principais desafios confirmam gargalos apontados por diversos especialistas e estudos sobre o tema que embasaram a construção do Acelerador. Por isso, estavam refletidas nos seis eixos de capacitação: Técnica de SBN, Estruturação Financeira, Governança e Aspectos Jurídicos e Pitch e Plano de Ação.
Mas a experiência pioneira do Acelerador pode ajudar a qualificar programas semelhantes no futuro. Por exemplo, abordar mais detalhadamente as técnicas de SBN no início da aceleração pode contribuir para uma melhor escolha das SBN propostas, reduzindo a necessidade de retrabalho no desenho do projeto. Adiantar a capacitação sobre governança pode favorecer a formação de equipes multidisciplinares e o angariamento de apoio dos tomadores de decisão, fatores decisivos para a robustez e a continuidade dos projetos.
Comunidade de troca foi diferencial
Estimulados pela interação em atividades como os Hubs de Cocriação e pela interação facilitada nos grupos de WhatsApp, os projetos formaram uma comunidade de troca e puderam aprender com os desafios e soluções encontradas pelos colegas de Aceleração.
O resultado foi a formação de uma comunidade de trocas entre os acelerados. Houve reuniões espontâneas entre cidades, especialmente em momentos de dificuldade nos exercícios práticos. Mesmo com diferenças nas abordagens usadas, nos contextos políticos e fundiários, na biodiversidade e nos biomas locais, a oportunidade de trocar informações com outras equipes criou um sentimento significativo de união e apoio mútuo.
Passo a passo para estruturar (novos) projetos sustentáveis
“Quando a gente trabalha no poder público, a gente sabe da dificuldade que se tem de estruturação, de colocar o projeto no papel, de construir o passo a passo”, ponderou Lívia Corrêa, da equipe de São José dos Campos, em um dos primeiros encontros do Acelerador. O mote do Acelerador foi o de transformar ideias em projetos financiáveis, e este foi justamente o principal legado do programa: o aprendizado sobre o passo a passo na estruturação de projetos sustentáveis, da concepção da ideia inicial à apresentação para financiadores.
Segundo os participantes, a capacitação técnica os deixou preparados para replicar os conhecimentos adquiridos na estruturação de outros projetos, sejam projetos de SBN em diferentes contextos ou outros projetos sustentáveis que não envolvam SBN.
Depois da aceleração, o impacto
“Tudo o que a gente aprendeu, todo esse processo, com certeza vai deixar um legado para a prefeitura, para a gente investir em outras áreas da cidade”, avaliou Morganna Rangel, diretora de Desenvolvimento Urbano da Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo de Maranguape, minutos após o Parque Pirapora ser selecionado para a fase de Impacto.
A fase de Aceleração, analisada pela nova publicação, se encerrou em um evento final em Brasília, em que as dez equipes apresentaram seus projetos a uma banca formada por especialistas e, depois, apresentaram os projetos a representantes de diversas instituições financeiras no evento de matchmaking FinanCidades. Começava ali uma trajetória de diálogos com bancos e outros atores para viabilizar a implementação dos projetos.
Nesse dia, Parque Pirapora, de Maranguape, e Parque dos Ipês, de Campo Grande, foram definidos como projetos de destaque e selecionados para a fase seguinte, de Impacto, em que receberam apoio dedicado, realizaram novos estudos e se aproximaram de instituições financeiras.
O Acelerador se encerrou, mas os resultados do programa continuam no médio e no longo prazo.
Os projetos acelerados seguem avançando em pilotos e na identificação de oportunidades de financiamento. Estrela implementou um piloto de jardim de chuva, São José dos Campos está implementando pilotos de jardins de chuva e outras SBN de drenagem do Parque Fluvial do Senhorinha.
Quatro projetos já garantiram recursos para implementação. Três garantiram recursos do Novo PAC. Parque Pirapora (Maranguape) com cerca de R$ 30 milhões, Verde Urbano (Estrela) com R$ 17 milhões, e Sistema de Infraestrutura Verde e Azul (Sobral) com cerca de R$ 8,9 milhões. Camaçari viabilizou a implementação das ações de restauração e conservação florestal do programa Águas do Capivara com recursos de compensação ambiental. Outras cidades têm feito conversas frutíferas com bancos de desenvolvimento.
Depois do impacto, a escala
Há desafios técnicos, institucionais e financeiros, mas os resultados mostram que programas de aceleração podem, em um curto espaço de tempo, transformar ideias em projetos robustos. E que, com apoio e incentivo, cidades de todos os tamanhos têm o potencial para se tornarem líderes no desenvolvimento de projetos de adaptação inclusivos.
O Acelerador nasceu a partir da hipótese de que existem recursos para projetos climáticos como as SBN, mas faltam projetos para acessá-los. A experiência e os resultados do programa mostram que os projetos também existem – faltam iniciativas que estimulem a criação de projetos e apoiem a construção de capacidades para torná-los mais robustos. A metodologia do Acelerador pode inspirar programas semelhantes, enquanto seu legado nas equipes aceleradas seguirá rendendo frutos.
O Acelerador de Soluções Baseadas na Natureza em Cidades é uma realização do WRI Brasil com apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Conta com financiamento da Caterpillar Foundation e do Ministério do Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais do Reino Unido (Defra UK), e parceria da iniciativa Cities4Forests e da Aliança Bioconexão Urbana.