Buenos Aires tem uma das menores taxas de mortalidade por sinistros de trânsito da América Latina. Em 2016, a cidade adotou a Visão Zero e conseguiu reduzir o número de fatalidades em 33%. Tendo incorporado a perspectiva de que nenhuma morte ou lesão grave no trânsito é aceitável, a capital federal Argentina busca agora resultados ainda mais ambiciosos.

Em seu Plan de Seguridad Vial 2020-2023, lançado neste mês, Buenos Aires se compromete a reduzir em 50% as fatalidades no trânsito até 2030. Esta é, também, a meta global proposta na Declaração de Estocolmo, que definiu o período de 2021 a 2030 como a Segunda Década de Ação pela Segurança no Trânsito da ONU.

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Para atingir essa meta, Buenos Aires baseia as ações do plano em recomendações de um grupo de especialistas da Academia que subsidiaram a construção da Declaração de Estocolmo. Entre as recomendações, está a aplicação integral da abordagem de sistemas seguros, baseada em ações com eficácia comprovada na redução de mortes e da gravidade das lesões em decorrência de sinistros no trânsito.

Metas de curto prazo para impacto imediato

O plano reconhece que, para reduzir a letalidade do trânsito de Buenos Aires à metade até 2030, é necessária uma redução de 20% nos próximos três anos. E estabelece cinco metas intermediárias para 2023, relacionadas aos principais fatores de risco no trânsito:

  • 60 km de avenidas com redução de limites de velocidade
  • Redução de 10% nos veículos que ultrapassam o limite de velocidade
  • 400 mil motoristas submetidos ao etilômetro
  • Alcançar 80% do uso do cinto de segurança
  • Alcançar uso de capacete por 95% dos motociclistas
  • Chegar a 300 km implementados de ciclovias

O WRI Brasil apoiou a revisão da estrutura do plano, a definição das ações propostas e a construção de indicadores e metas de efetividade para alcance do impacto previsto.

Ações baseadas em evidências

A abordagem de sistemas seguros empregada no Plan de Seguridad Vial 2020-2023 é racional, rigorosa e sistemática. O plano prevê 39 ações. Para cada uma, há indicadores e resultados esperados, o que facilita o monitoramento e a avaliação do plano por toda a população. A transparência faz parte da mudança de paradigma promovida pela Visão Zero, em que o governo compartilha com os cidadãos a gestão de um sistema seguro de mobilidade urbana.

As ações estão divididas em quatro eixos: infraestrutura segura, fiscalização e segurança de veículos, comunicação, educação e capacitação dos usuários das vias, engajamento e participação cidadã.

Infraestrutura Segura

O primeiro dos eixos centra-se na melhoria do desenho das vias para continuar a dar prioridade à mobilidade ativa, perspectiva adotada no primeiro plano, de 2016. As medidas prioritárias deste eixo estão relacionadas à gestão da velocidade, reduzindo os limites máximos para priorizar a mobilidade segura de ciclistas e pedestres.

Embora a chegada da pandemia tenha atrasado o lançamento oficial do Plano, inicialmente previsto para 2020, muitas das ações começaram a ser implementadas já no ano passado, contribuindo para a mobilidade segura no contexto de distanciamento social. Por exemplo, a implementação de 17 km de ciclovias nas principais avenidas da cidade – o que resultou em um aumento de 27% nas viagens de bicicleta. Limites de velocidade foram reduzidos para 50 km/h nas avenidas onde as ciclovias estão localizadas. Buenos Aires planeja chegar a 300 km de ciclovias e um milhão de ciclistas por dia até 2023.

Intervenções de acalmamento de tráfego também serão implementadas em áreas com alto fluxo de pedestres, como terminais de transporte coletivo, onde se concentra aproximadamente metade dos atropelamentos fatais por ônibus. Assim Buenos Aires busca aprimorar a experiência do pedestre nesses ambientes e promover ainda mais o uso do transporte coletivo. Também foi proposto o desenvolvimento de projetos que melhorem as condições de acesso de estudantes às escolas e, ao mesmo tempo, priorizem a bicicleta e a caminhada como meios de transporte.

Reconhecendo que o corpo humano é vulnerável a fortes impactos, Buenos Aires buscará aprofundar suas ações por meio de um programa específico de gestão de velocidade que desenvolverá com o apoio do WRI como parte do Desafio Visão Zero em conjunto com Mérida, Belo Horizonte e Guadalajara.

Fiscalização e veículos seguros

As ações de fiscalização visam os principais fatores de risco relacionados a acidentes fatais: excesso de velocidade, consumo de álcool antes de dirigir, uso de sistemas de proteção como capacetes para motociclistas e cintos de segurança para usuários de automóveis.

Com a implementação de um novo sistema de fiscalização eletrônica, Buenos Aires busca reduzir em 10% o número de veículos que ultrapassam o limite de velocidade. Este sistema prevê a instalação de novas câmeras em pontos críticos do trânsito da cidade, com base em dados e de acordo com critérios gerais de dissuasão. Esta estratégia combinará radares fixos e móveis e dará ênfase especial à fiscalização de motociclistas, grupo que têm a mais alta taxa de fatalidade no trânsito na América Latina.

A aplicação do teste do etilômetro em 400 mil motoristas será acompanhada por blitzes mais visíveis e pelo endurecimento das penalidades para os casos de teste positivo, com sanções como a retenção da carteira de habilitação.

Por fim, o plano propõe atingir 80% de uso de cinto de segurança e, entre motociclistas, 95% de uso de capacete por meio de campanhas de fiscalização. A estratégia de controle integral para os motociclistas é uma política que a cidade vem implantando de forma sustentada e que se correlaciona com a diminuição da taxa de mortalidade desses usuários – em 2019, 47% dos sinistros de trânsito fatais na capital argentina foram deste grupo.

Comunicação, educação e treinamento

Este eixo prevê campanhas de comunicação para sensibilização sobre os principais fatores de risco no trânsito, procurando conciliar a sua implementação com a de ações de fiscalização.

As ações educativas buscam focar nos motoristas profissionais, principalmente no transporte de passageiros e cargas, visto que esses veículos estão envolvidos em metade dos acidentes fatais na cidade. Entre as medidas para este grupo, está contemplada a incorporação de motoristas mulheres, que apresentam desempenho melhor do que os homens em vários indicadores de direção segura.

Engajamento e participação cidadã

No último eixo, seguindo recomendações do Grupo de Especialistas Acadêmicos para a nova década de ação pela segurança viária, a cidade busca aumentar o envolvimento do setor privado na gestão da segurança viária. Entre as ações previstas, estão o levantamento de boas práticas de mobilidade corporativa e a promoção dessas práticas no setor privado.

De forma estratégica, Buenos Aires propõe inúmeras medidas para fortalecer os dados do Observatorio de Seguridad Vial, agência que alinha as atividades relacionadas à segurança viária de todas as secretarias da cidade. Agora que Buenos Aires tem um número cada vez menor de fatalidades no trânsito, busca consolidar as estatísticas de lesões graves por meio do cruzamento de múltiplas fontes de dados. Isso permitirá um diagnóstico mais preciso dos problemas e uma melhor avaliação do impacto das estratégias de segurança viária. A cidade também quer lançar uma plataforma interativa com visualização de dados geográficos e a publicação de novos conjuntos de dados, reforçando a transparência e a apropriação, pelo público, das ações de segurança viária e seus indicadores.

A abordagem de Visão Zero que Buenos Aires passou a incorporar em seu plano de segurança viária anterior foi exitosa em muitas áreas – como a redução em 38% nos sinistros envolvendo ônibus e pedestres e a promoção da bicicleta como modo de transporte mais atrativo e seguro. Esses dados sugerem que Buenos Aires tem a estrutura para alcançar a transformação na mobilidade urbana necessária para atingir a meta de zero mortes no trânsito. O novo plano é um bom mapa do caminho a percorrer.



*Adriana Jakovcevic é Especialista em Segurança Viária do WRI Brasil