Este post foi publicado originalmente no WRI Insights.


A maior parte dos relatórios sobre clima olha para as mudanças que ocorreram desde a era pré-industrial ou desde o início dos registros de temperatura. Porém, mesmo analisando apenas a década passada está claro que nosso mundo hoje é muito diferente do mundo de 2010. A análise de dados da concentração de gases de efeito estufa (GEE), aumento de temperatura, aumento do nível do mar, entre outros, revela tendências problemáticas.

Mas primeiro, as boas notícias:

Houve alguns momentos de brilho na questão climática nos últimos dez anos. No início da década, projeções da Agência Internacional de Energia (AIE) sugeriam que a trajetória de emissões mundial colocava o mundo em curso de um aumento catastrófico de 6˚C no final do século, um número significativamente maior do que 1,5-2˚C que os cientistas recomendam para evitar os piores impactos climáticos. Já neste ano, a AIE projeta um aquecimento de 2,9-3,4˚C com as atuais políticas em vigência, uma amostra de que o mundo mudou a trajetória na última década.

O crescimento das renováveis também excedeu as expectativas. O preço de painéis fotovoltaicos solares caiu 81% desde 2009. Em 2017, a maior parte da capacidade energética adicionada no mundo veio de renováveis.

E a recente onda de ação de cidadãos é sem precedentes, com milhões ao redor do mundo indo para as ruas, se engajando em ação climática e exigindo mais dos tomadores de decisão.

Apesar desses exemplos e outros mostrarem progresso, em geral o sistema climático está deixando claro que nós não estamos agindo suficientemente rápido. Eis algumas das tendências que vimos apenas na última década:

1) Emissões de CO2 de combustíveis fósseis cresceu 10%

O Global Carbon Project reportou no começo de dezembro que as emissões globais de carbono a partir de combustíveis fósseis e cimento devem bater recorde de aumento em 2019. As emissões globais pararam de crescer entre 2014 e 2016, mas essa parada teve vida curta: as emissões dos combustíveis fósseis aumentaram 1,5% em 2017, 2,1% em 2018 e a projeção indica um aumento de 0,6% em 2019.

A ciência climática sugere que nossa melhor chance em limitar o aquecimento vai exigir que as emissões atinjam um pico até 2020 e comecem a cair até chegar a emissões líquidas zero no meio do século. A questão crítica é se nós veremos sinais em 2020 de que as emissões atingiram esse pico e começaram a cair.

O Emissions Gap Report, da ONU, documenta a lacuna a situação das emissões e onde elas precisam estar. Mesmo se os países implementarem todos os seus comprometimentos climáticos, a pesquisa mostra que nós teremos uma lacuna de 32 GtCO2e em 2030 (duas vezes a emissão de China e Índia somadas) para limitar o aquecimento a 1,5˚C, e 15 GtCO2e para a meta de 2˚C.

2) Aumento da média de temperatura global

Em 2010, a média de temperatura global foi 0,88˚C maior do que os níveis pré-industriais. Em 2019, tudo indica que o aumento será de 1,1˚C acima dos níveis pré-industriais.

Contra esse pano de fundo do aumento de temperatura, países ao redor do mundo concordaram em limitar o aquecimento a bem abaixo de 2˚C, idealmente 1,5˚C. Um relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC) mostrou que o mundo enfrentará impactos severos mesmo com um aquecimento de 1,5˚C, e os efeitos serão significativamente piores com 2˚C. Por exemplo, com um aquecimento de 1,5˚C, é muito provável que o Ártico terá um verão sem gelo nos próximos 100 anos; com um aumento de 2˚C, essa frequência aumenta para um verão sem gelo a cada 10 anos.

3) Concentração de carbono na atmosfera ultrapassou as 400 partes por milhão (ppm)

As temperaturas aumentam quando a concentração de dióxido de carbono na atmosfera aumenta. Não faz muito tempo, a ideia de ultrapassar 400 partes por milhão (ppm) de dióxido de carbono, uma linha simbólica que a Terra não viveu por milhões de anos, parecia distante. Em 2010, as concentrações medidas pelo Observatório Mauna Loa, no Havaí, EUA, estavam em 390 ppm em média. Em 2018, elas ultrapassaram 400 ppm, chegando a 408 ppm. Para contexto, a concentração de carbono no mundo antes da industrialização era de 280 ppm.

Entre 2000 e 2009, a média de crescimento da concentração de carbono em Mauna Loa foi de 2 ppm por ano. Entre 2010 e 2018, esse número subiu para 2,9 ppm por ano.

4) Mar subiu mais de 4 mm por ano

A média global do aumento do nível do mar foi de aproximadamente 3,3 milímetros por ano entre 1993 e o presente. Essa tendência acelerou significativamente na última década: entre 2010 e 2018, o nível do mar aumentou 4,4 mm por ano. Em 2018, a média do nível do mar foi a maior já registrada por satélite.

Oito das dez maiores cidades do mundo estão localizadas em áreas costeiras vulneráveis. Um aumento do nível do mar de apenas algumas polegadas pode resultar em mais inundações causadas pela maré alta, tempestades avançando no continente, e riscos devastadores para casas, habitats e infraestrutura.

5) Recorde de degelo

A extensão do gelo marinho em setembro está menor a cada ano. A taxa do declínio de gelo marinho em setembro foi de 13% por década, em comparação com a média de 1981-2010. Na última década, a extensão mínima do gelo marinho do Ártico chegou ao seu nível mais baixo desde 1979, quando começaram as medições.

As mantas de gelo da Groenlândia e Antártica também perderam massa, com uma aceleração do derretimento na última década.

Geleiras ao redor do mundo estão perdendo gelo, em um processo que se acelera a cada década. O derretimento das geleiras aumentou de 460 mililitros de água líquida nos anos 1990 para 500 nos anos 2000 e 850 mililitros de 2010 a 2018.

A perda de gelo leva ao aumento do nível do mar. Também pode mudar a refletividade da superfície dos oceanos, expondo águas mais escuras que absorvem mais calor, reforçando em loop o aquecimento.

6) Eventos climáticos extremos estão mais frequentes e severos

A década passada foi marcada por eventos climáticos extremos devastadores, incluindo ondas de calor em terra e nos oceanos, enchentes recordes, incêndios massivos e furacões. Comunidades ao redor do mundo já estão vivendo com os impactos de um aquecimento de apenas 1˚C; nosso clima ficará mais mortal e devastador a cada fração de grau adicional na temperatura.

Pesquisas recentes confirmam que os eventos climáticos extremos estão se tornando mais frequentes e severos. A probabilidade de seca aumentou substancialmente no Mediterrâneo por conta de emissões causadas pela atividade humana. Ondas de calor extremo estão aumentando. E há provas significativas de que o aquecimento causado pela ação humana resultou no aumento da frequência, intensidade e quantidade de precipitações. Em 2017, os furacões Harvey, Irma, Jose e Maria atingiram intensificação rápida sem precedentes, com Irma quebrando o recorde de ventos a 185 milhas por hora. Harvey e Maria quebraram recordes de chuva, com temperaturas mais quentes da água impulsionando precipitação extrema.

Ao mesmo tempo, a ciência da atribuição, que olha o quanto as mudanças climáticas aumentaram as chances de um particular evento ocorrer, avançou notavelmente na última década. Importantes análises incluem a da Academia Nacional e a do Bureau of the American Meteorological Society, que publicaram oito relatórios explicando como as mudanças do clima podem ter afetado os eventos extremos entre 2011 e 2018. Entre os muitos exemplos, relatórios mostram que as mudanças climáticas aumentaram as chances de ondas de calor intensas no nordeste da Ásia em 2018 e no sul da Europa em 2017, e a seca do leste africano em 2017, que contribuiu para risco alimentar. Além disso, muitos programas de pesquisa internacionais desenvolveram juntos o World Weather Attribution, projeto para analisar o papel das mudanças climáticas nos eventos extremos.

Será que 2020 pode se tornar a década da ação climática?

Se nós formos documentar as mudanças desses indicadores climáticos desde antes da revolução industrial, as tendências seriam ainda mais fortes. Mas mesmo em um período de uma década, a Terra se transformou.

É hora de colocar em prática políticas para mudar rapidamente o curso dos sinais vitais do planeta. Esperamos que em 2030 poderemos olhar para trás e chamar os dez anos anteriores de a década da ação climática.