Esse artigo foi postado originalmente em chinês na plataforma WeChat e no The City Fix.


Há apenas três anos, as bicicletas compartilhadas sem estação operavam em pequena escala, em uma universidade na China. Ao final de 2017, o país já contava com mais de 20 milhões de bicicletas desse tipo, com investimentos acima de US$ 3 bilhões. Xinhua, a agência de notícias chinesa, chegou a colocar as bicicletas compartilhadas sem estação entre as grandes invenções do país nos tempos modernos.

Se no início a onda foi bem recebida e acolhida pelos moradores, agora já não se trata de novidade. As compartilhadas sem estação estão perdendo sua intenção original de tornar a mobilidade mais conveniente. Em vez disso, com a supersaturação em muitas cidades, elas estão impondo impactos negativos, em grande parte por causa de sua desconexão com a infraestrutura e as prioridades da cidades. Algumas empresas enfrentaram dificuldades financeiras e entraram em colapso, como a 3v Bike e a Bluegogo, um dia a terceira maior a prestar o serviço.

A seguir estão quatro questões presentes na China – o laboratório original para bicicletas compartilhadas sem estação – e que ajudarão a determinar o futuro dessa nova maneira de circular nas cidades.

1. Há sustentabilidade financeira?

Há muitas razões pelas quais o compartilhamento de bicicletas sem estação se tornou tão popular e está se expandindo rapidamente, como o baixo preço, o uso fácil e conveniente, e o fato de ser parte da economia do compartilhamento. Na China, a economia do compartilhamento é identificada como uma prioridade nacional e os governos em todos os níveis fornecem incentivos para estimular seu desenvolvimento. Em resposta, os investidores lançaram bilhões de dólares em praticamente qualquer produto com o rótulo de "compartilhamento", fazendo com que a definição da economia compartilhada se desviasse de como o termo foi originalmente definido: para compartilhar recursos das próprias pessoas que são redundantes e ociosos.

O compartilhamento de bicicletas na China agora significa aluguel de curto prazo de bicicletas sem estação fixa e de propriedade de empresas de tecnologia, em vez da compartilhamento de bicicletas subutilizadas entre indivíduos. As fábricas de bicicletas, que estavam experimentando um declínio na demanda de produção de bicicletas antes dessa mania, estão ansiosas para receber novas e volumosas encomendas da Mobike, Ofo e outras empresas de compartilhamento de bicicletas – para salvar as fábricas tradicionais de bicicletas em nome do "compartilhamento".

Mas normalmente leva muito tempo para as startups se consolidarem e ganharem escala, e apenas algumas conseguem levantar bilhões de dólares em financiamento e garantir rapidamente grandes negócios de aquisição. Mobike é uma das exceções, adquirida por US$ 2,7 bilhões em abril de 2018, após apenas dois anos e meio de operação.

Vale a pena mencionar que nenhuma das empresas de compartilhamento de bicicletas da China está obtendo lucro ainda, mesmo com a enorme quantidade de investimento. Será que esse modelo é mesmo sustentável?

2. É seguro?

Ainda mais preocupante do que manipular o conceito de economia compartilhada para ganho de capital é que o compartilhamento de bicicletas trouxe novos desafios para a segurança. A competição entre dezenas de empresas resultou na inundação de centenas de milhares de bicicletas pela cidade, bloqueando calçadas e ruas já lotadas. O enorme excedente de bicicletas pode ser encontrado em cemitérios de bicicletas em algumas cidades chinesas. O compartilhamento de bicicletas também tem efeitos na segurança viária e pode aumentar o risco de acidentes de bicicleta. Em março de 2017, um menino de 11 anos usando uma bicicleta compartilhada foi atingido por um ônibus de turismo e morreu após ser levado ao hospital em Xangai. Em maio de 2017, um pedestre foi atropelado por uma mulher que passava pedalando em uma Ofo perto de uma estação de ônibus em Shenzhen. Em julho de 2017, um acidente causado por uma bicicleta quebrada, mas ainda em uso, levou à morte de um usuário de bicicleta elétrica em Ningbo.

As bicicletas em si podem não ser diretamente culpadas pelos acidentes. No entanto, os serviços de compartilhamento de bicicletas não oferecem equipamentos de segurança, como capacetes, o que significa que menos ciclistas estão devidamente preparados para acidentes. Além disso, muitos usuários não tratam as bicicletas compartilhadas com o mesmo cuidado que as bicicletas pessoais, contribuindo para a deterioração da bicicleta. Uma bicicleta mal cuidada que está sem manutenção pode ser uma bicicleta insegura.

3. Tornam as cidades conectadas e coordenadas?

Os problemas de compartilhamento de bicicletas experimentados em grande escala na China (e escala menor em outros lugares também) não se devem apenas ao comportamento do usuário e da indústria, mas também a anos de investimentos desiguais dos governos nos diferentes modos de transporte. Muitas cidades chinesas fizeram grandes esforços para desenvolver a infraestrutura para veículos motorizados, às vezes às custas de infraestruturas para pedestres e ciclistas, de calçadas que viraram pistas para veículos ou esquecidas. Como resultado, muitas cidades não conseguiram se adaptar ao rápido renascimento das bicicletas em um período de tempo tão curto.

Visto que a rápida redistribuição da infraestrutura viária para melhor servir milhões de ciclistas é improvável, as melhorias devem ser estratégicas e bem pensadas. Uma melhor integração dos serviços de compartilhamento de bicicletas com o transporte público é um primeiro passo importante e crucial para o futuro da mobilidade sustentável. O planejamento inteligente das viagens pode equilibrar a contradição entre oferta e demanda por ciclovias, evitar desperdícios e construções sobrepostas, reduzir os problemas atuais com o compartilhamento de bicicletas e começar a reduzir o uso de carros a longo prazo, o que deve ser uma prioridade para muitas cidades chinesas.

4. Ajudam as pessoas?

As empresas de compartilhamento de bicicletas concentram-se principalmente nas operações de mercado, competição e gerenciamento de suas estruturas. Elas raramente colocam as necessidades dos ciclistas em primeiro lugar e o conforto das bicicletas não é sua prioridade. Por exemplo, nem as bicicletas da Mobike nem da Ofo são construídas para acomodar pessoas com mais de 1,80m ou mais altas. Além disso, não há marchas nas Mobike, e as bikes são muito pesadas, então subir ladeiras é um trabalho árduo. Portanto, necessidades específicas de diferentes tipos de usuários permanecem difíceis de alcançar, assim como a própria experiência geral dos clientes e a oferta de outros serviços adicionais.

Resolver esses desafios trazidos pelo compartilhamento de bicicletas sem estação exige uma grande cooperação. Primeiro, as cidades devem formular planos de mobilidade realistas a longo prazo e melhorar leis e regulamentações relevantes, para tornar o transporte por bicicleta uma prioridade. Os governos também devem fortalecer a construção de um sistema de crédito capaz de regular o comportamento dos usuários e da indústria, já que as medidas administrativas são normalmente ações de emergência de curto prazo que não resolvem problemas recorrentes e essenciais. Em segundo lugar, as empresas de compartilhamento de bicicletas devem sempre priorizar as pessoas e projetar bicicletas que possam atender às necessidades personalizadas dos usuários. O objetivo dessas empresas deve ser a melhoria de todo o sistema de transporte urbano, não apenas atrair investimentos.

O compartilhamento de bicicletas sem estação já percorreu um longo caminho nos últimos anos, trazendo consigo muitas inovações e desafios para as cidades. Essas questões, enfrentadas neste momento pelas maiores empresas e cidades da China, ajudarão a determinar o futuro desse modo de transporte no mundo todo.

Peng Jiang é planejador urbano e diretor do Institute of Smart City and Big Data, parte do Centro de Desenvolvimento Urbano da China.

Shiyong Qiu é analista de pesquisa no WRI China.