Em decorrência da pandemia de Covid-19, moradores de cidades em todo o mundo estão mudando seu estilo de vida, especialmente no que diz respeito ao transporte. À medida que as cidades reabrem, planejadores urbanos repensam a infraestrutura e o transporte das áreas urbanas para se adaptar a um mundo pós-pandêmico. Ao considerar opções de infraestrutura resiliente, os sistemas de compartilhamento de bicicletas sem estações – que estavam ficando mais populares antes da pandemia – têm o potencial de se tornar uma peça fundamental nesse quebra-cabeça.

Centenas de cidades já possuem sistemas como esses em operação, que em geral funcionam como uma opção para viagens curtas, para chegar ou sair de estações de transporte. A China é um das grandes responsáveis pelo boom dos sistemas de compartilhamento de bicicletas sem estações ao longo dos últimos cinco anos. Mais de 360 cidades chinesas hoje possuem sistemas em operação, com uma média de 47 milhões de viagens por dia.

Um relatório lançado recentemente pelo WRI, “Como os sistemas de compartilhamento de bicicletas sem estações mudam vidas”, investigou o amplo impacto desses sistemas em 12 cidades chinesas com índices de uso relativamente altos e uma economia próspera em termos de bicicletas compartilhadas: Xangai, Pequim, Guangzhou, Shenzhen, Chengdu, Wuhan, Hangzhou, Nanjing, Xi’an, Jinan, Xiamen e Lanzhou.

O estudo descobriu que, com uma gestão eficiente e infraestrutura segura, os sistemas de compartilhamento de bicicletas sem estações podem ser uma ótima solução de mobilidade para as viagens de “última milha”. A alternativa fortalece a conectividade com o transporte coletivo, reduz as emissões de carbono ao substituir deslocamentos em veículos motorizados e melhora a saúde pública, prevenindo milhares de mortes prematuras.

Os sistemas de compartilhamento de bicicletas sem estações aumentam a conectividade com o transporte coletivo

Nas cidades chinesas, entre 82% e 86% das áreas urbanas possuem acesso aos serviços de transporte coletivo em uma distância de até 500 metros. Embora isso torne o transporte coletivo uma ótima opção para a maioria, ainda deixa um quinto das cidades sem uma alternativa adequada, principalmente se levarmos em conta que 500 metros é uma distância considerável a ser percorrida. Como resultado, a preocupação central na maior parte das cidades é como melhorar as conexões de “primeira e última milha” com o transporte coletivo e, assim, construir sistemas plenamente integrados.

Uma pesquisa com cerca de 7 mil usuários de sistemas de compartilhamento de bicicletas sem estações em 12 cidades da China mostrou que 54% deles utilizavam o sistema para acessar outros meios de transporte. A pesquisa também descobriu que as bicicletas sem estação são amplamente utilizadas como meio de transporte. Dos que usam os sistemas para acessar outros modos, 91% fazem a conexão com o transporte coletivo, incluindo ônibus (31%) e metrô (60%). Antes de contar com a opção das bicicletas dos sistemas sem estação, 78% faziam o trajeto a pé, 57% de ônibus e 33% usavam veículos motorizados.

Sistemas de compartilhamento de bicicletas sem estação reduzem os deslocamentos em veículos motorizados

A bicicleta tem potencial considerável para substituir deslocamentos em veículos privados, o que pode contribuir para melhorar a segurança viária, reduzir a poluição do ar e as emissões, entre outros benefícios. Contando a distância percorrida por veículos, o estudo descobriu que os sistemas de compartilhamento de bicicletas substituíram cerca de 13.800 km que antes eram feitos em deslocamentos motorizados. Dependendo da cidade, entre 17% e 45% da distância total percorrida pelas bicicletas compartilhadas substituíram viagens em veículos motorizados. Entre os usuários entrevistados, 11% escolheram as bicicletas em detrimento dos carros particulares, 14% de táxis ou serviços similares e 6% de motos. No total, os sistemas de compartilhamento de bicicletas poderiam reduzir as emissões de CO2 na China em 4,8 milhões de toneladas por ano.

Sistemas de compartilhamento de bicicletas sem estação têm impactos positivos na saúde

O aumento do uso de sistemas de compartilhamento de bicicletas sem estações na China não apenas mudou hábitos no que diz respeito aos deslocamentos, como tem contribuído para melhorar a saúde pública por meio do aumento da atividade física.

Embora não seja recomendado pedalar por mais de 30 minutos por dia em áreas com altos níveis de poluição atmosférica (concentração de PM2.5 acima 160µg/m3), uma hora de pedalada em áreas menos poluídas (concentração de PM2.5 entre 50-60µg/m3) pode trazer benefícios significativos para a saúde. Ao aumentar a prática de atividade física e reduzir o estresse, o uso da bicicleta pode reduzir as chances de desenvolvimento de diversos problemas de saúde. Esses benefícios somam-se às quase 60 mil mortes evitadas todos os anos na China entre os 235 milhões de usuários de sistemas de compartilhamento de bicicletas sem estações.

<p>Mesmo antes da pandemia de Covid-19, as bicicletas já haviam se mostrado um meio de transporte seguro e resiliente (Foto: Thomas de Luze/Unsplash)</p>

Mesmo antes da pandemia de Covid-19, as bicicletas já haviam se mostrado um meio de transporte seguro e resiliente (Foto: Thomas de Luze/Unsplash)

Sistemas de compartilhamento de bicicletas sem estações e a Covid-19

Embora esse estudo tenha sido conduzido antes da pandemia de Covid-19, as descobertas são especialmente relevantes para o momento atual. Como permitem um maior distanciamento social em comparação a outros meios de transporte coletivo, durante a pandemia as bicicletas se tornaram uma das poucas formas seguras e resilientes de se deslocar para as necessidades essenciais.

Entre o fim de janeiro e o começo de março, 2,3 milhões de vpessoas em Wuhan usaram bicicletas de sistemas sem estação, representando mais de metade de todos os deslocamentos feitos na cidade no período, com exceção dos trajetos a pé. Desde o início da pandemia, as pessoas também estão percorrendo distâncias maiores de bicicleta. Depois da reabertura, os deslocamentos em bicicletas de sistemas sem estação em Guangzhou e Pequim aumentaram, respectivamente, 60% e 150%.

Melhorando a gestão da frota e as instalações para o uso da bicicleta

Com base nos múltiplos benefícios que os sistemas de compartilhamento de bicicletas sem estação podem trazer, as cidades devem incentivar mais pessoas a utilizá-los como meio de transporte diário. No entanto, os cemitérios de bicicletas na China e o começo das dificuldades com a invasão das calçadas mostram que as bicicletas sem estação só são efetivas e benéficas para as cidades se bem administradas.

<p>Sem uma gestão efetiva, calçadas invadidas pelas bicicletas, como essa, podem trazer desafios para as cidades (Foto: Ykanazawa1999/Flickr)</p>

Sem uma gestão efetiva, calçadas invadidas pelas bicicletas, como essa, podem trazer desafios para as cidades (Foto: Ykanazawa1999/Flickr)

Frotas mal administradas e falta de segurança nas infraestruturas podem gerar aglomerações e bloqueios nos espaços públicos, o que aumenta os desafios de regulação e técnicos. Na maioria das cidades chinesas, as instalações para as bicicletas não estão evoluindo rápido o suficiente para acompanhar o uso crescente dos sistemas de compartilhamento. Como resultado, os usuários em geral passam a perceber o sistema como inseguro, com apenas 7% dos entrevistados afirmando sentirem-se seguros enquanto pedalam. Em 2018, mais de 20 mil ciclistas morreram na China1. Embora seja impossível chegar a um número exato, o amplo uso dos sistemas poderia indicar que até dois terços dessas mortes aconteceram com bicicletas de sistemas sem estação.

Para controlar e administrar melhor as frotas, cidades chinesas introduziram medidas de gestão inovadoras e projetos-piloto para melhorar o ambiente das ruas. Cada vez mais cidades implementam sistemas de avaliação baseados no desempenho para determinar a renovação ou o encerramento dos contratos com empresas operadoras e ajustar o tamanho das frotas a partir da performance em cada trimestre.

Algumas cidades estabeleceram padrões de desenho para o estacionamento das bicicletas com soluções de geofence (cercas geográficas). Essa medida pode aumentar a eficiência de forma significativa ao informar os usuários sobre o melhor lugar para estacionar via aplicativo e, com isso, permitindo que os operadores foquem o trabalho na distribuição das frotas.

Estabelecer regras claras para a gestão da frota e implementar infraestrutura segura são as chaves para usufruir plenamente dos benefícios dos sistemas de compartilhamento sem estação. Embora ao longo dos últimos anos as cidades chinesas tenham priorizado a bicicleta em relação a outros meios de transporte em seus processos de planejamento e padrões de desenho, nem todas as infraestruturas foram construídas tendo a segurança como foco principal. Além da gestão da frota, faixas dedicadas para a bicicleta, soluções para o estacionamento, medidas de moderação de tráfego e travessias mais seguras para os ciclistas em interseções devem fazer parte de qualquer plano para introduzir mais bicicletas de sistemas sem estação nas cidades.

Sistemas de compartilhamento de bicicletas sem estação como solução de mobilidade para o futuro

O ritmo de inovação do setor privado, impulsionado pela tecnologia, no que diz respeito à micromobilidade e a outros serviços de transporte compartilhados, como os serviços de carona, está remodelando e desafiando os ecossistemas de mobilidade urbana.

À medida que as cidades ponderam sobre como oferecer transporte sustentável e seguro – durante a pandemia de Covid-19 e depois –, a experiência da China na vanguarda do movimento das bicicletas sem estações oferece lições importantes. Os impactos dos sistemas de compartilhamento sem estações nas cidades chinesas, bem como sua gestão, mostram como podem trazer muitos de benefícios para a saúde, o clima e a economia, remodelando a mobilidade urbana e dando às pessoas uma forma mais resiliente e eficiente de se deslocar.


Este blog foi publicado originalmente no Insights.

1. Esse número foi estimado com base em dois relatórios da Organização Mundial da Saúde: um sobre mortes no trânsito por país, de 2016, e um relatório global sobre as condições de segurança viária em 2018.