4 conceitos emergentes que podem transformar cidades
Este post foi escrito por Anne Maassen e Madeleine Galvin e publicado originalmente no WRI Insights.
Grandes ideias podem mudar para sempre o destino das cidades quando implementadas em cimento, aço e pedra. Quando São Petersburgo, na Rússia, foi criada em 1703 por Pedro, o Grande, ele imaginou a nova capital como um emblema de um império russo moderno, inspirado em centros comerciais da Europa Ocidental, como Amsterdã. No século 20, Chandirgarh, na Índia, foi moldada como uma "cidade-jardim” inglesa para demonstrar o progresso e as aspirações de prosperidade na Índia pós-partição. A meio mundo de distância, nos Estados Unidos, Detroit se transformou em uma das megacidades industriais do mundo, moldada pelos ideais do American Dream (sonho americano) e da produção visionária de Henry Ford.
Essas grandes ideias desafiaram percepções, valores e paradigmas existentes sobre o significado de progresso, modernidade e sucesso. Elas personificaram as audaciosas visões de seus criadores e desafiaram as percepções predominantes sobre a vida urbana. Algumas vezes, como no caso da Motor City, essa visão levou tanto ao crescimento da cidade como à sua ruína. Mas outras cidades planejadas mantêm seu magnetismo e evoluem, até mesmo estabelecendo novas tendências e modas.
Os ideais tradicionais da vida urbana estão mudando à medida que crescem as pressões ambientais e econômicas nas cidades. Inspirados em parte pelas inscrições para o primeiro Prêmio Ross para Cidades, exploramos algumas das mais recentes grandes ideias que têm o potencial de transformar cidades.
Superquadras
Atualmente, grandes planos diretores e visões para o desenvolvimento do espaço urbano são menos comuns do que no no século 20, no auge dos novos municípios e cidades planejadas. Talvez o mais próximo de uma grande visão seja o conceito de "superquadras", nascido em Barcelona, que busca reverter o desenvolvimento urbano centrado no carro. Implementadas pela primeira vez em 2016, as superquadras limitam o tráfego de carros ao perímetro de áreas de três por três quarteirões, permitindo que o transporte seja facilmente acessível aos moradores, criando conforto para atividades de pedestres, recreativas e econômicas. No centro dessa ideia está o desejo de reequilibrar o acesso e o uso dos espaços públicos, reduzir a poluição do ar e melhorar a habitabilidade local. Outras cidades nas Américas e na Europa estão assistindo e aprendendo enquanto Barcelona pretende converter mais de 70% da cidade em 500 superquadras diferentes, com algumas já implementadas e outras em andamento.
Las Ramblas, em Barcelona (Foto: peresanz/iStock)
Ruas "Completas" ou "Compartilhadas"
O modelo de desenho urbano voltado para o carro está sob pressão, já que muitas cidades registram aumento no número de acidentes e mortes no trânsito, dias de baixa qualidade do ar e engarrafamentos. Nos Estados Unidos, o conceito de "ruas completas” ou “compartilhadas” foi formalmente introduzido em 2005 por uma coalizão nacional e desafiava radicalmente a dominação do espaço público pelos automóveis. Menos abrangente (e, portanto, menos intimidante) que as superquadras de Barcelona, o modelo dá aos pedestres, ciclistas e usuários do transporte coletivo a mesma prioridade que os motoristas de veículos motorizados individuais. Hoje estamos vendo diferentes versões dessa abordagem em todo o mundo, como o Programa Shared Space em Auckland, Nova Zelândia; “urbanismo tático” em Porto Alegre, Brasil; e o redesenho da Telegraph Avenue em Oakland, Califórnia. As especificidades variam, mas geralmente esses projetos incluem elementos como uma paisagem urbana ativa, de uso misto, mobiliário urbano para pedestres e infraestrutura verde. Embora as iniciativas de ruas completas ou compartilhadas geralmente comecem pequenas, com os projetos pilotos focados em uma ou duas vias principais, elas normalmente são rapidamente escaláveis, pois os moradores vêem as oportunidades como alternativas de transporte ativo e seguro.
O cruzamento da Rua João Alfredo, em Porto Alegre, Brasil, antes e depois de uma intervenção de Ruas Completa (Foto: WRI Brasil)
Conectividade não-motorizada
A poluição relacionada ao trânsito e as ruas engarrafadas estão levando as cidades a testar maneiras de reduzir a primazia dos carros particulares. Dar às pessoas novas opções de chegar a seus destinos de forma ativa, a pé e de bicicleta, ou por outros modos não motorizados é outra maneira pela qual as cidades estão respondendo a esse desafio. Estratégias de mobilidade para priorizar os meios não motorizados também podem assumir diferentes formas, desde o fechamento temporário de ruas, como nos Raaghiri Days em cidades indianas, até investimentos permanentes em infraestrutura, como as “superhighways” de bicicleta de Londres. Esse novo movimento está em Atlanta, na Geórgia, um ícone da expansão urbana centrada no carro. O Atlanta Beltline, atualmente em desenvolvimento, tem como objetivo adaptar a extinta linha férrea da cidade e transformá-la em caminhos, parques, trilhas e metrô, e usa mobilidade sustentável para conectar mais de 40 bairros socioeconomicamente diversos em toda a área metropolitana.
O Atlanta Beltline reaproveita linhas ferroviárias extintas em caminhos e parques (Foto: Blulz60/iStock)
Vivendo com a água
Várias cidades costeiras ou localizadas em deltas de rios estão atualmente repensando sua relação com a água, por um bom motivo. À medida que o planeta se aquece, o aumento do nível do mar e os eventos climáticos cada vez mais imprevisíveis estão causando estragos em muitas cidades costeiras em todo o mundo.
Nova Orleans historicamente lida com o excesso de água bombeando-a e drenando-a para os lagos e rios próximos. Este método, porém, tem se mostrado ineficaz em grandes eventos como o furacão Katrina, de modo que a cidade está desenvolvendo uma nova abordagem, inspirada em uma prática holandesa. Nova Orleans agora trabalha para gerenciar os fluxos de água integrando soluções mecânicas com características naturais, como o planejado Mirabeau Water Garden, que desviará a água da chuva dos principais canos de drenagem e reduzirá as inundações. Tais “soluções naturais” são cada vez mais comuns nas cidades europeias e demais, revertendo uma tradição de décadas de favorecimento de soluções de infraestrutura “cinzas” ou de concreto.
Mirabeau Water Garden. A fase inicial da construção do projeto está em andamento (Foto: Waggonner and Ball Architecture/Environment)
Além dos Planos Diretores
Transformar cidades é possível, e as sementes da transformação já estão aqui. Alguns conceitos ousados no planejamento urbano estão sendo explorados por cidades novas e planejadas. Mas as mais antigas também podem mudar de rumo, com intervenções estratégicas que se transformam em mudanças mais amplas. Grandes ideias podem catalisar outros impactos positivos que se estendem além da intervenção física, como em Atlanta, que espera transcender sua mentalidade centrada no carro e remodelar a forma como as pessoas pensam sobre o uso do espaço e sobre o movimento por meio do projeto da Beltline.
A questão é: como respostas inovadoras para problemas desafiadores podem ser cultivadas e desenvolvidas para ajudar a reverter tendências negativas? Como intervenções individuais podem ter um impacto maior e transformar cidades inteiras? Identificar transformações sustentáveis na tomada de decisões é uma tarefa complexa, mas melhorar nossa capacidade de identificar e promover projetos, tecnologias e organizações promissoras é fundamental para transformar cidades resilientes e equitativas em realidade.
A série de blogs, Urban Transformations, destaca projetos e lições aprendidas do Prêmio Ross para Cidades, uma competição global por projetos transformadores que provocaram mudanças em toda uma cidade. O ciclo de prêmios de 2018-2019 foi concluído em abril de 2018. O novo ciclo de prêmios será aberto para inscrições no final de 2019. Para obter mais informações, acesse wrirossprize.org..