A tendência de crescimento da população urbana em cidades do mundo todo lança desafios. Um número cada vez maior de pessoas vivendo nas cidades vai exigir mudanças na distribuição de infraestrutura e serviços, no planejamento e na gestão do território urbano, na maneira como esse contingente cada vez maior se deslocará na cidade. Em suma, estamos falando de verdadeiras transformações urbanas. E muitas delas já estão em curso.

O Prêmio Ross para Cidades, anunciado em outubro de 2017, foi criado para premiar soluções transformadoras de grande escala, capazes de mudar a trajetória de uma cidade rumo a um futuro mais sustentável. A ideia é que as cidades podem ser catalisadoras de oportunidades, criatividade e desenvolvimento – desde que contem com um planejamento sustentável e inclusivo.

Ao longo do último ano, quase 200 iniciativas de cidades do mundo inteiro foram inscritas no prêmio. As soluções precisavam ter mudanças concretas já comprovadas e o potencial de continuar gerando impactos positivos no futuro. A grande vencedora, anunciada na noite de ontem (10), foi a solução da cidade de Dar es Salaam, na Tanzânia, onde a organização sem fins lucrativos Amend lançou o programa Avaliação e Melhoria da Segurança Viária em Áreas Escolares (SARSAI). O programa consrtói caminhos seguros pelos quais as crianças podem chegar à escola e utiliza para isso uma abordagem de alto impacto e que pode ser replicada facilmente em outras cidades. Só em Dar es Salaam, pelo menos 38 mil crianças que antes corriam risco de morrer no trânsito já foram benefeciadas.

O Prêmio também foi uma oportunidade para conhecer outras iniciativas transformadoras ao redor do mundo. Abaixo, saiba mais sobre as soluções finalistas e a grande vencedora.

Caminhando com segurança em Dar es Salaam, Tanzânia

Um dos caminhos protegidos construídos para as crianças em Dar es Salaam (Foto: Kyle LaFerriere/WRI)

O trânsito na capital da Tanzânia costuma ser caótico, com minivans, motos e carros correndo por vias muitas vezes não sinalizadas, sem semáforos ou calçadas. Como crianças indo para a escola atravessam a rua nesse cenário? Correndo riscos. Algumas das escolas próximas às vias mais perigosas chegavam a registrar até 12 casos por ano de acidentes ou fatalidades de crianças tentando atravessar a via.

Em 2014, a organização sem fins lucrativos Amend começou a agir para mudar essa tendência com o programa de Avaliação e Melhoria da Segurança Viária das Áreas Escolares (SARSAI). Em parceria com a administração municipal, identificaram as principais áreas de risco e implementaram infraestruturas como barreiras, calçadas e faixas de segurança, criando caminhos seguros entre a casa das crianças e as escolas. Também trabalharam diretamente com os alunos para ensinar maneiras mais seguras de atravessar a rua. Ao total, o programa já beneficiou 38 mil crianças em Dar es Salaam, além de seus familiares, que ficam mais tranquilos com o trajeto das crianças à escola.

A solução foi a grande vencedora do Prêmio Ross para Cidades.

A reinvenção de Esquiceir, Turquia

Depois de forte terremoto, a cidade turca de Esquiceir passou por 25 anos de revitalização e reconstrução (Foto: Kyle LaFerriere/WRI)

Esquiceir é uma cidade com cerca de 660 mil habitantes no centro-oeste da Turquia. O município sofre com congestionamentos e o Rio Porsuk, que cruza a cidade, tornou-se um depósito de lixo que ameaçava a saúde da população a cada vez que transbordava. Em 1999, um terremoto de magnitude 7,8 piorou a situação, matando 37 pessoas e danificando infraestruturas essenciais, como muitas das pontes da cidade. A resposta foi a reconstrução.

A cidade, na época sob a gestão de Yılmaz Büyükerşen, reuniu uma equipe para definir prioridades e o trabalho começou com a restauração da área do Rio Porsuk. Uma nova rede de transporte coletivo foi estabelecida, incluindo um novo sistema VLT. Partes do centro da cidade foram convertidas em áreas exclusivas para pedestres. No início, as mudanças geraram resistência por parte de comerciantes e moradores, mas logo o cenário mudou. Com o novo sistema de transporte, as pessoas chegavam ao centro da cidade muito mais rápido do que antes, e o comércio local floresceu. A demanda acabou levando a extensões do VLT e das áreas de pedestres. Além disso, 24 pontes foram renovadas e calçadas em pontos estratégicos foram substituídas. Novos parques foram abertos ao longo do rio, com todos os projetos de acordo com normas de acessibilidade universal. O conjunto de mudanças transformou a cidade e, junto com o impacto na infraestrutura, veio uma mudança cultural. A retomada de espaços antes dedicados aos carros e sua transformação em espaço para as pessoas e a natureza criou uma comunidade mais forte e sustentável.

Transporte inclusivo em Medelín, Colômbia

Moradora de uma das cidades beneficiadas pelo sistema Metrocable, em Medelín (Foto: Kyle LaFerriere/WRI)

Medelín costumava figurar entre as cidades marcadas pelos índices de violência, com as comunidades nos morros sendo as mais afetadas. Hoje, a realidade nas comunidades é outra graças ao novo sistema de transporte, instalado em 2004. O Metrocable foi o primeiro sistema aéreo de bondes do mundo e conecta as comunidades dos morros ao centro da cidade e ao restante da rede de transporte. Um deslocamento que poderia levar até duas horas e várias tarifas, hoje é feito em 30 minutos e exige apenas um bilhete.

O transporte mais inclusivo ajudou as comunidades a prosperaram, e hoje a população local conta com novos serviços e praças. Em áreas onde o investimento público era ausente, agora existem bibliotecas, escolas e parques. Locais de convivência e lazer onde as pessoas se reúnem e o comércio evolui. A transformação social foi possivelmente a mudança mais notável. A conexão dos moradores com suas comunidades e a cidade aumentou, a taxa de homicídios caiu substancialmente e as pessoas começaram a confiar mais na administração municipal.

Cooperativa ajuda catadores em Pune, Índia

Mulheres da cooperativa de catadores da cidade de Pune, na Índia (Foto: Kyle LaFerriere/WEI)

Em Pune, onde os catadores de lixo costumavam ser estigmatizados, a primeira cooperativa de catadores não apenas tem ajudado a estabelecer um sistema eficiente de coleta: tornou-se um exemplo de como as cidades podem integrar trabalhadores informais em uma economia mais moderna. A cooperativa oferece o serviço de coleta de lixo para mais de 2,3 milhões de habitantes, incluindo mais de 450 mil moradores de favelas.

Atualmente, são mais de 3,5 mil membros, a maioria mulheres e dalits, a camada mais baixa no sistema de castas do hinduísmo. O grupo recolhe mais de mil toneladas de lixo todos os dias e recicla mais de 70 mil toneladas de materiais por ano. Além de passarem a ser tratados com mais respeito, o trabalho na cooperativa também trouxe inclusão econômica.

Trabalhadores informais ajudam a qualificar o mercado central de Durban, África do Sul

Clientes no mercado de Warwick Junction (Foto: Kyle LaFerriere/WRI)

Os trabalhadores informais chegam a representar entre 50% e 80% dos empregos em cidades de todo o mundo, mas muitas vezes não são considerados em processos de tomadas de decisão. Na cidade de Durban, uma organização sem fins lucrativos trabalhou com vendedores locais na região de Warwick Junction para impedir que o mercado central, uma construção histórica da cidade, fosse transformado em um shopping e, com isso, acabasse com mais de três mil empregos.

Os vendedores receberam capacitações jurídicas e, agora, detêm o direito de trabalhar no mercado. Também se tornaram participantes ativos do processo de redesenho de algumas áreas. A organização ajudou os vendedores a desenvolverem eles próprios novas infraestruturas básicas para o mercado, como mesas multifuncionais, fogões mais seguros e instalações de armazenamento. As mudanças ajudaram a atrair clientes e melhoraram a organização do espaço, que hoje recebe cada vez mais visitantes.