“Aqui não tinha sequer uma árvore. Tudo o que vocês estão vendo é plantado”, diz Bruno Mariani, enquanto caminha por uma área repleta de jacarandás, jequitibás, cedros e até pau-brasil. Cercado das valiosas espécies da Mata Atlântica, Bruno fala com orgulho do trabalho desenvolvido, mostrando árvores plantadas há dez anos, sete anos ou mesmo no ano passado. O orgulho tem fundamento. Há pouco mais de uma década, o que havia ali era uma paisagem muito comum na Bahia e no Brasil: pasto degradado, sem uma única árvore em pé, sustentando uma atividade econômica de baixa tecnologia e rentabilidade.

“Os primeiros 500 anos do Brasil foram dedicados a destruir a Mata Atlântica”, diz Bruno. E esse desmatamento começou não muito longe de onde a Symbiosis opera no momento: há pouco mais de dez minutos de distância de Trancoso, distrito do município de Porto Seguro, na Bahia. Foi nesta região, chamada Costa do Descobrimento, que começou a exploração predatória da natureza brasileira. “Mas é também aqui que começa a restauração”, diz. Hoje, a sua fazenda está repleta de áreas de experimentos florestais, reflorestamentos com fins ecológicos ou econômicos, e reservas genéticas de espécies brasileiras que por muito pouco não entraram em extinção.

Bruno em área completamente reflorestada. Plantio de árvores recuperou nascentes da propriedade (Foto: Asteroide)

Bruno Mariani é o CEO e fundador da Symbiosis Investimentos, uma empresa que aposta no reflorestamento de espécies nativas da Mata Atlântica brasileira para produzir madeira nobre e de boa qualidade. A ideia é trazer tecnologia para o plantio de árvores com fins econômicos no Brasil, criando as condições para mover uma bioeconomia de produtos florestais madeireiros ao mesmo tempo que restaura a Mata Atlântica, recupera serviços ambientais como nascentes de rios, e captura carbono na madeira e no solo, contribuindo para mitigar as mudanças climáticas. Tudo isso sem perder a produtividade e a lucratividade.

O plantio de árvores tem dado frutos. Hoje, a empresa tem capacidade para produzir 500 mil mudas de árvores nativas por ano e já plantou mais de 900 hectares. Espera começar a colher no ano que vem, e tudo isso sem desmatar, mas com manejo seletivo das espécies. Mantendo um modelo de 40% das áreas destinadas para conservação e 60% para a produção, a empresa consegue obter retorno financeiro e gerar empregos na região. Enquanto um pasto de baixa produtividade emprega pouquíssima gente, a Symbiosis mantém mais de 40 pessoas trabalhando em todas as etapas do reflorestamento – do plantio, passando pela manutenção das áreas até colheita e comercialização.

Para conseguir esse resultado, Bruno precisou mais do que apenas plantar. Ele foi buscar no mercado financeiro e na ciência e tecnologia os instrumentos necessários para se tornar um domador de árvores e florestas, e criar as bases para uma economia florestal produtiva e sustentável.

Do escritório para a floresta

Bruno fala pausadamente e com a calma de quem pode ver uma floresta da janela de sua mesa de trabalho – e uma floresta que ele mesmo ajudou a levantar. Ele veste uma camisa polo, calça jeans e uma botina – roupa versátil para trabalho em escritório e no campo. O escritório da Symbiosis, aliás, construído com madeira de reflorestamento, tem vista para um grande berçário de mudas onde começa a sua produção, de um lado, e para uma floresta em recuperação do outro. Paisagem muito diferente de onde começou sua carreira, no meio da competitividade e do estresse do mercado financeiro.

Escritório da Symbiosis tem vista privilegiada para a floresta (Foto: Asteroide)

O berçário da Symbiosis tem capacidade de produzir 500 mil mudas por ano (Foto: Asteroide)

Passou pela área de comércio exterior e fez carreira na área de gestão de ativos, trabalhando no Brasil e no exterior, até o ponto em que decidiu que não queria aquela vida. “Chegou uma hora que eu disse 'chega'. Não aguentava mais trabalhar em banco. Foi quando descobri minha paixão pela floresta”. O clique veio de uma coleção de notícias de jornal. No mercado financeiro, informação rápida e de qualidade é fundamental. Ele começava o dia lendo os principais jornais do país. Lia cinco jornais diferentes. Mas nem sempre tinha tempo de ler reportagens mais longas, então recortava e guardava numa pasta para ler depois. Um dia, quando resolveu revisitar essa pasta, tomou um susto. Todas as matérias falavam praticamente da mesma coisa: meio ambiente.

Estudou investimentos em sustentabilidade e, três anos depois, fundou a Symbiosis. O estudo e a pesquisa não foram à toa – eles são o alicerce do modelo que Bruno desenvolveu para o reflorestamento e a silvicultura de espécies nativas brasileiras. “Qualquer um pode plantar uma árvore, é só comprar a semente e plantar. Mas nem todo mundo consegue plantar uma floresta”, diz.

Aposta em pesquisa e desenvolvimento para sementes é crucial para a silvicultura de nativas (Foto: Asteroide)

Etapas da criação de mudas (Vídeo: Asteroide)

Para transformar um plantio em uma floresta, a Symbiosis decidiu aplicar, para as árvores nativas brasileiras, a mesma tecnologia aplicada há milhares de anos para praticamente todas as culturas agrícolas no mercado – trigo, tomate, frutas –, e mesmo espécies de árvores do exterior, chamadas de exóticas, como espécies de pinus e eucalipto. É um princípio tão antigo quanto a própria agricultura, mas ainda assim muito importante: a domesticação.

Todas as espécies de produtos agrícolas que consumimos hoje passam por esse processo, crucial para aumentar a escala e produtividade. Na natureza, as sementes são selvagens. Elas geram plantas maiores ou menores, frutos com mais ou menos polpa, raízes que precisam de mais ou menos água, sem uniformidade que viabilize um plantio com fins comerciais. Por meio de um processo que pode levar de décadas a séculos, agricultores foram aos poucos selecionando, cruzando e assim domesticando as espécies até atingir as características que elas têm hoje. Dessa forma podemos ir à feira numa manhã de domingo e comprar uma dúzia de laranjas com a garantia de que elas serão similares em tamanho e sabor.

No século passado, esse trabalho de domesticação foi feito para algumas espécies de árvores exóticas – especialmente pinus e eucalipto, árvores importantes para a indústria da celulose. Mas o mesmo processo nunca foi posto em prática para as árvores nativas brasileiras. Isso criou uma distorção no setor florestal do país. Enquanto temos madeira de ótima qualidade de algumas espécies exóticas, para espécies brasileiras recorremos a árvores que estão em florestas naturais, incentivando a derrubada de remanescentes florestais. A produtividade do eucalipto evoluiu junto com a tecnologia e o mercado do século 20, mas a produtividade das espécies nativas segue no mesmo patamar de quando os europeus começaram a extrair pau-brasil da costa da Bahia.

Melhoramento das sementes de árvores nativas poderá dar ganho de produtividade similar ao do eucalipto (Foto: Asteroide)

A domesticação e a tecnologia das árvores passam por dois processos fundamentais: o melhoramento genético e a clonagem. O trabalho de melhoramento genético busca garantir que as árvores nativas tenham uniformização na produção, produzam mais metros cúbicos de madeira por plantas, sejam mais resistentes a pragas e possam garantir uma produção econômica coesa e lucrativa para quem investe na silvicultura.

Esse processo começa com a seleção das árvores matrizes – as “mães” que geram boas sementes. Nos primeiros dois anos da Symbiosis, uma equipe buscou em quatro estados do Brasil, em áreas de Mata Atlântica com condições similares às de Trancoso, por árvores nativas saudáveis que pudessem gerar sementes. Essa equipe identificou mais de 2,6 mil árvores matrizes. “A seleção das árvores no campo é a coisa mais importante. Porque você não quer plantar uma semente de um jequitibá qualquer. Você quer plantar um jequitibá lindo, maravilhoso, frondoso, reto e saudável”, diz Bruno.

Plantio de mudas de árvores nativas (Vídeo: Asteroide)

Uma vez encontradas essas matrizes e coletadas sementes de boa qualidade, a Symbiosis faz uma combinação dos descendentes, ou seja, das sementes. Ela criou experimentos florestais para cada espécie. As sementes das melhores árvores são plantadas uma ao lado da outra, e se faz o acompanhamento das próximas gerações de árvores. Seleciona-se as que têm as características desejadas. Por exemplo, as que crescem mais rapidamente, as que são mais retas, as que produzem mais madeira, consomem menos água ou são mais saudáveis. Ao longo das gerações de novas sementes, o processo de melhoramento vai criando árvores ideais para a produção econômica.

Ao identificar um indivíduo ou família com características muito boas, é possível aplicar a técnica de clonagem. O nome pode remeter a cientistas e laboratórios, mas para árvores o processo acontece em viveiros e estufas. Corta-se um ramo ou tronco e, a partir dele, cria-se uma nova muda. Essa muda tem exatamente o mesmo material genético da árvore inicial. Ou seja, é um clone perfeito. “Se o indivíduo clonado tinha características excelentes, os clones podem replicar essas características, ajudando a dar uniformidade e escala para o negócio da silvicultura”, diz Felipe Garbelini Marques, gerente de Melhoramento Florestal da Symbiosis. Segundo ele, em 2020 começam os primeiros plantios de árvores que passaram pelo melhoramento genético na empresa, com expectativa de aumento nos ganhos entre 20% e 30%.

O melhoramento de árvores na prática

O processo de melhoramento genético das espécies leva tempo e depende de muito trabalho. Mas o resultado é positivo, com ganhos claros em produtividade e escala.

Veja os passos do processo:
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Buscar nas florestas naturais as árvores mais sadias e com boas características.

Mas talvez o maior aprendizado dos experimentos florestais da Symbiosis tenha sido o de investir no plantio biodiverso. Os experimentos mostraram que a monocultura – semear uma área com uma única espécie de árvore – aumenta o risco de pragas e doenças e reduz a produtividade. Em vez disso, plantar árvores de diferentes espécies numa mesma área, seguindo um modelo planejado previamente, acaba gerando maiores ganhos. Como cada árvore tem o seu próprio tempo de crescimento, isso permite a quem produz diversificar a renda – primeiro é colhida a madeira das árvores de crescimento mais rápido e, enquanto crescem as espécies de madeira mais nobre, são feitos replantios de outras árvores. Com isso, a área nunca é totalmente desmatada, apenas manejada, e a cobertura florestal permanece sempre, com ganhos importantes de fauna e qualidade do solo e água.

Preenchendo as lacunas científicas para árvores brasileiras

Ainda estamos no início desse processo de aprimoramento para as árvores brasileiras. Há importantes avanços na área científica com muitas descobertas sobre espécies das nossas florestas, mas poucas empresas estão de fato colocando recursos nesse tipo de estudo, que apesar de lucrativo no final, demanda tempo e investimento inicial.

Um importante marco para avançar na pesquisa e desenvolvimento para silvicultura de nativas no Brasil foi a publicação, em 2019, de um estudo do WRI Brasil e da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura identificando as lacunas do conhecimento atual sobre as árvores brasileiras. O trabalho mostrou que o país precisa avançar na pesquisa em oito áreas: sementes e mudas; clonagem; melhoramento genético; tecnologia da madeira; manejo florestal; zoneamento topo-climático; mercado de produtos madeireiros e legislação florestal. Além disso, identificou 15 espécies na Amazônia e 15 espécies na Mata Atlântica que poderiam ser beneficiadas com pesquisa – muitas delas já trabalhadas pela Symbiosis, como pau-brasil e ipê-felpudo, por exemplo.

“Pesquisa em melhoramento genético e os experimentos sobre crescimento das plantações são cruciais para garantir os ganhos de produtividade da silvicultura de nativas”, diz Miguel Calmon, um dos autores do estudo e consultor sênior de restauração do WRI Brasil. “O trabalho da Symbiosis é pioneiro e precisa ser expandido se quisermos dar escala à restauração”.

Uma modelagem econômica feita na pesquisa chega a uma conclusão parecida com os estudos de viabilidade da Symbiosis: o de que investir em pesquisa e desenvolvimento para as árvores brasileiras dá resultado. A modelagem concluiu que, em 20 anos, cada dólar investido em pesquisa geraria mais de dois dólares como retorno de investimento, graças ao ganho de produtividade.

O econômico e o ambiental

A cerca de 15 quilômetros da sede da Symbiosis fica a Fazenda Novo Horizonte, onde a empresa está expandindo seu modelo de produção. Estão sendo plantadas 1.390 mudas por hectare. Diferentemente dos casos anteriores, este não é mais um experimento florestal. Estudo e aprendizados permitiram que a empresa de Bruno definisse um modelo que agora está em plena implementação.

Bruno Mariani caminha em área de restauração da Symbiosis. Experimentos com plantio de nativas mostra que silvicultura é lucrativa (Foto: Asteroide)

De longe, a paisagem da Fazenda Novo Horizonte se assemelha muito a das fazendas ao redor. Pasto com capim plantado e sem nenhuma árvore. Mas chegando perto é possível ver as fileiras de mudas de árvores. O que a Symbiosis faz é se contrapor ao modelo ao redor. “O pasto degradado é um típico empreendimento agropecuário da região. De todo o país, na verdade. É para isso que as florestas são desmatadas no Brasil”, diz Bruno.

De acordo com dados do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG) de 2020, uma área de quase 95 milhões de hectares está ocupada por pastagens com algum estágio de degradação e mais de 65 milhões de hectares se encontram em estágio moderado ou grave de degradação no Brasil. Para uma comparação, 95 milhões de hectares equivale, mais ou menos, à toda área do estado do Mato Grosso. A pecuária em pasto degradado é uma atividade de pouco investimento, baixa rentabilidade – em torno de 3% a 6% – e quase nenhuma tecnologia. Mas ela persiste por ser simples de operar. O baixo retorno compensa para o produtor por existir liquidez. Se estiver precisando de dinheiro, ele pode vender algumas cabeças de gado e recuperar o investimento rapidamente.

O negócio da Symbiosis é inovador. Ele requer considerável quantidade de investimento e capital, e não tem a mesma liquidez – é preciso esperar as árvores crescerem. Mas o resultado compensa. Modelagens econômicas feitas com apoio do projeto VERENA, do WRI Brasil, mostram um retorno de investimento anualizado de 14% após 36 anos, um lucro muito maior do que a pecuária em pasto degradado. Isso já considerando uma competição injusta com a madeira de desmatamento ilegal da Amazônia, que joga os preços dos produtos madeireiros para baixo por não respeitar regras econômicas ou ambientais.

Plantio de árvores nativas na Fazenda Novo Horizonte. Restauração gera emprego e renda para comunidade local (Foto: Asteroide)

Mas além de lucrativo, o investimento em florestas produtivas gera um enorme ganho do ponto de vista ambiental. Árvores recuperam solos e corpos d’água, gerando benefícios para a produção agrícola ao redor, atraem fauna e criam refúgio para espécies ameaçadas de extinção – Bruno se orgulha de ver seriemas criando ninhos nas áreas de reflorestamento –, e capturam carbono na atmosfera, ajudando a mitigar as mudanças do clima. A restauração e o reflorestamento são indispensáveis para enfrentar a crise climática, sendo uma das melhores ferramentas para o Brasil cumprir seu compromisso de redução de emissões. Não por acaso, no Acordo de Paris o país se comprometeu com a restauração e o reflorestamento de 12 milhões de hectares – o equivalente ao território do estado do Ceará.

“Essa restauração gigantesca é necessária. Mas do jeito que está hoje, não vai acontecer. Tem que ter o incentivo econômico”, diz Bruno. Um modelo de negócios claro e oportunidades de ganhos econômicos fariam produtores rurais no país todo optarem por plantar árvores em vez de manter o pasto com degradação e baixa produtividade. Nesse sentido, o trabalho com pesquisa e desenvolvimento da Symbiosis pode não só resultar em lucratividade para a empresa, mas também servir de exemplo e modelo para outros produtores, pequenos ou grandes.

Foto: Asteroide

A gente acredita que é preciso criar uma atividade econômica associada ao reflorestamento e que não seja monocultura. Pensar o econômico e também o ambiental.

Bruno Mariani

Um modelo para transformar pastagens degradadas em empreendimentos florestais lucrativos, usando tecnologia e inteligência financeira, pode ser o que falta para dar escala à restauração no Brasil e levar o país a abandonar a prática de exploração predatória que vigora desde quando as primeiras caravelas aportaram em Porto Seguro. O país pode entrar de vez para o futuro com uma bioeconomia florestal eficiente, lucrativa e sustentável.