O Brasil é rico em recursos florestais, com mais de 500 milhões de hectares de florestas nativas e em torno de 8 milhões de hectares de florestas plantadas usando espécies exóticas. Tradicionalmente, o país tem registrado altas taxas de desmatamento associadas a usos insustentáveis da terra, o que resultou em cerca de 50 milhões de hectares de áreas de pastagens degradadas com baixa aptidão agrícola que poderiam ser beneficiadas por atividades de reflorestamento para produção de madeira. Essa área equivale a aproximadamente metade do necessário para atender a crescente demanda global pelo produto até 2050. No entanto, apesar dessa vantagem competitiva, o Brasil atualmente responde por menos de 10% da produção mundial de madeira tropical.

O reflorestamento com espécies nativas e o seu manejo sustentável podem trazer benefícios financeiros significativos para os produtores e ganhos econômicos para o país, além de contribuir para a adaptação e mitigação das mudanças climáticas. Nesse sentido, como parte dos esforços para atingir as metas climáticas de sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), o Brasil se comprometeu a restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de áreas degradadas até 2030. O Acordo de Paris, a Iniciativa 20x20, o Desafio de Bonn e a Década da Restauração de Ecossistemas da ONU reconhecem a restauração e o reflorestamento como estratégias decisivas para mitigar as mudanças climáticas e melhorar a economia e a resiliência das sociedades. Além disso, Soluções Climáticas Naturais (NCS, na sigla em inglês), como a restauração e o reflorestamento, são soluções climáticas com a melhor relação custo-benefício em escala global para as próximas décadas.

A silvicultura com espécies nativas tem o potencial de atender à demanda crescente por madeira tropical serrada e gerar outros diversos benefícios, como reduzir o desmatamento e a degradação florestal, manter e melhorar os serviços ambientais e a conservação da biodiversidade, remover milhões de toneladas de carbono da atmosfera, gerar milhares de empregos verdes, aumentar a renda e catalisar financiamento público e privado. No entanto, mudar a fonte do fornecimento de madeira tropical de florestas naturais, extraída ilegalmente ou sem critérios técnicos, para florestas naturais sob manejo sustentável e plantações florestais, no futuro próximo, requer políticas públicas e investimentos para combater a ilegalidade no manejo de florestas naturais e pesquisa e desenvolvimento (P&D) com espécies nativas para reflorestamento. Um programa de P&D para espécies nativas pode buscar inspiração no sucesso dos setores de silvicultura e agronegócio do Brasil, que juntos representam mais de 20% do PIB brasileiro.

Um Programa de P&D para nativas

Para conceber um programa de P&D que impulsione a silvicultura com espécies nativas, organizamos um workshop de três dias com a participação de mais 30 pesquisadores e especialistas de diversas organizações e regiões do Brasil. Como preparação para o workshop, conduzimos uma revisão da literatura sobre silvicultura com espécies nativas identificando as pesquisas mais relevantes conduzidas no Brasil. A partir daí, dada a diversidade de espécies de árvores nativas, as mais promissoras (15 da Amazônia e 15 da Mata Atlântica) foram selecionadas durante o workshop, com base em critérios como características silviculturais (crescimento, forma, pragas), econômicas (mercado e preço) e eficiência do processo de pesquisa (custo e tempo para obter resultados). A seleção de um número relativamente alto de espécies para o programa de P&D foi intencional porque, no Brasil, sistemas silviculturais para espécies nativas, como plantações mistas e sistemas agroflorestais, incluem mais espécies do que aqueles tradicionalmente utilizados para espécies exóticas. Sistemas diversos e com equilíbrio de metas ecológicas e sociais, podem desempenhar um papel relevante para melhorar os meios de subsistência locais, aumentar a produtividade florestal, fortalecer a resiliência das plantações de árvores em condições climáticas adversas e, quando adequado, atender a lei ambiental brasileira. Além disso, as mudanças climáticas e as convenções de biodiversidade exigem que muitas das espécies sejam plantadas juntas (em consórcio, por exemplo), e se o objetivo é que a madeira de espécies nativas plantadas substitua a de florestas naturais, ela precisa apresentar uma diversidade de cores, texturas e usos.

Também mapeamos as principais lacunas de pesquisa das espécies selecionadas em oito programas de pesquisa temáticos e definimos as prioridades para um programa de P&D (que pode ser acessado neste link). Depois, quantificamos o investimento e a escala mínima necessários para implementar um programa de P&D para espécies nativas ao longo dos próximos 20 anos, com resultados de curto (até 5 anos), médio (5-10 anos) e longo prazo (10-20 anos). O programa de P&D, que está em construção, foi planejado para oferecer soluções científicas e tecnológicas em produção de sementes e mudas, propagação vegetal, melhoramento genético, tecnologia da madeira, manejo de plantações, zoneamento topo-climático, mercados e marketing, e políticas públicas e legislação. Baseados em um cenário com 30 espécies e um programa de pesquisa de 20 anos, nossos resultados mostram que o estabelecimento de um programa de P&D poderia aumentar o rendimento entre 35% e 56% para a maioria das espécies, o equivalente aos rendimentos das principais espécies exóticas plantadas no Brasil (como eucalipto, pinho, teca e mogno africano). Também determinamos a escala mínima em hectares para justificar o investimento em um programa de P&D comparando o valor presente líquido (VPL) de dois cenários: i) plantações mistas com espécies nativas; e ii) a mesma plantação mista com os custos e benefícios de um programa de P&D. Descobrimos que o investimento para o reflorestamento de 10 mil hectares justificaria o estabelecimento de um programa de P&D para espécies nativas no Brasil. O investimento estimado necessário para estabelecer o programa é de US$ 8 milhões, com um retorno de US$ 2,39 para cada US$ 1 investido em P&D.

Brasil bem posicionado para liderar com P&D de nativas

Com um custo relativamente baixo para estabelecer um programa de P&D para espécies nativas com potencial produtivo e uma extensa área de pastagem degradada com aptidão para silvicultura de nativas, consideramos que o Brasil está bem posicionado para liderar o desenvolvimento de tecnologias e inovação para melhorar o desempenho das principais espécies de árvores nativas. A Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura — que apoia a economia de baixo carbono no país — priorizou o estabelecimento de um programa de P&D para espécies arbóreas nativas. O programa envolverá as principais universidades e instituições de pesquisa, bem como o setor privado, governos e a sociedade civil. Um esforço concentrado de pesquisa poderia, portanto, igualar o sucesso de programas já desenvolvidos na silvicultura com espécies exóticas ao longo das últimas cinco décadas (e também das pesquisas já existentes com espécies nativas) e, assim, explorar o enorme potencial de acelerar e aumentar a escala do reflorestamento com espécies nativas. Esse investimento, em longo prazo, colocaria o Brasil na posição de liderança global na produção de madeira tropical, além de contribuir para a recuperação econômica após a Covid-19, gerando milhares de empregos e melhorando os meios de subsistência nas áreas rurais. O programa de P&D está previsto para ser lançado em 2021.


Por Daniel Piotto (Universidade Federal do Sul da Bahia), Miguel Calmon (WRI Brasil), Samir G. Rolim (Amplo Engenharia), Alan Batista (Mirova Natural Capital Brazil – Althelia Funds), Fatima C. M. Piña-Rodrigues (Universidade Federal de São Carlos), Silvio Brienza Junior (Embrapa Amazônia Oriental), Miguel L. M. Freitas (Instituto Florestal de São Paulo), Maria José Brito Zakia (Consultora em Recursos Renováveis e Meio Ambiente), Luciano M. Verdade (Universidade de São Paulo)

Os autores agradecem J. Parrotta, S. DeWitt e R. Waack por seus valiosos comentários sobre uma versão anterior deste manuscrito; os participantes do workshop “Mapeamento das lacunas e prioridades de pesquisa em Silvicultura de Espécies Arbóreas Nativas” realizado em Iperó, Brasil, em 2018; e o apoio financeiro fornecido pelo WRI Brasil e Banco Mundial.