Enquanto o planeta se prepara para uma virada do ponto de vista energético, rumo a uma economia de baixo carbono, o Projeto de Lei 1013/11, em discussão na Câmara dos Deputados, prevê liberar a produção de automóveis movidos a diesel no Brasil. Proposto em 2011 e arquivado no final de 2014, o texto voltou à pauta no início de 2015 e entrou na agenda de votação em novembro deste ano.

O projeto tem o objetivo de tornar livre a fabricação e a venda, em todo o território nacional, de veículos automotivos de uso misto movidos a óleo diesel, para o transporte de cargas e passageiros, com peso superior a uma tonelada. Na justificativa do texto, está o argumento de que o Brasil é autossuficiente na produção de petróleo, mas que ainda proíbe o uso de óleo diesel como combustível em veículos de menor motorização e menor capacidade de carga.

Em 2016, foi apresentada e acolhida uma emenda aditiva ao projeto, alterando o texto para liberar a fabricação e a comercialização no país, desde que atendidos os padrões de qualidade do ar estipulados pelo Poder Executivo. A última agenda para votação do projeto foi cancelada no final de novembro. Entre as razões para a divergência na aprovação, está o aumento da poluição causado pelo uso do diesel como combustível em veículos leves, mesmo que atendam aos limites.

Caso o PL 1013/11 seja aprovado, o país ficaria um pouco mais longe de alcançar os compromissos climáticos estabelecidos durante a 21ª Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas (COP-21), e ratificados recentemente em Marrakech, na COP 22. Até 2020, os países devem implantar as políticas climáticas para garantir que os resultados pretendidos sejam alcançados. Na NDC Brasileira (instrumento estratégico que contém as metas e medidas para que o país atinja seus objetivos), o Brasil se compromete a reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, e em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030. Outro objetivo é aumentar a participação dos biocombustíveis no país, elevando a parcela de biodiesel na mistura do diesel.

Em paralelo à Câmara dos Deputados, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado incluiu na pauta da reunião o Projeto de Decreto Legislativo nº 84, de 2015, que quer liberar a utilização de motores a diesel em veículos leves no Brasil. Além disso, uma consulta pública foi aberta para saber a opinião sobre a matéria. "Por qualquer ângulo que se olhe a questão - redução de emissões de gases de efeito estufa para mitigar as mudanças climáticas ou redução dos gases poluentes, tão deletérios à nossa saúde - o movimento de transformação mundial dos sistemas de transporte vai na direção de rápida eletrificação, com eletricidade produzida por fontes renováveis e baixos fatores de emissão de gás carbônico. Lutar contra esta onda avassaladora de bom-senso não trará qualquer benefício social, econômico ou ambiental ao país", defende Carlos Nobre, um dos maiores especialistas climáticos do mundo e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC).

Desde 1994, o uso do diesel para carros de passeio é proibido no Brasil por questões econômicas. Na época, a decisão levou em consideração o possível aumento das despesas com o setor de transportes, por ser um combustível importado e subsidiado para uso em ônibus e caminhões. No entanto, a produção de petróleo no país mudou esse cenário e alguns deputados entendem que há novas possibilidades econômicas com a sua liberação.

Mas pensar apenas nas oportunidades de ganho financeiro é valorizar o mais poluente dos combustíveis de automóveis. Outros países caminham na direção contrária, como a Alemanha, que aprovou uma resolução para banir os carros movidos a gasolina e a diesel até 2030. A iniciativa alemã vai ao encontro do relatório “Mobilizando o Transporte Sustentável pelo Desenvolvimento”, das Nações Unidas, que destaca dez orientações para os países seguirem até 2030, e diz: “A eletrificação de veículos para transporte de curta distância e de passageiros é uma tendência crescente”. Na semana passada, os prefeitos de Paris, Cidade do México, Madri e Atenas, cidades do C40, anunciaram o compromisso de remover das ruas todos os veículos a diesel até 2025, uma clara preocupação com a poluição do ar que mata sua população.

Para tentar arquivar o projeto na Câmara, um manifesto foi lançado por uma ampla coalizão da sociedade civil brasileira em junho deste ano. O documento foi assinado por cinco ex-ministros do Meio Ambiente, associações empresariais, entidades ambientalistas e pesquisadores.

Segundo o Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários de 2013, entre os veículos leves, o diesel emitiu 2,603 kg/L de CO2 em 2012, contra 2,212 kg/L da gasolina automotiva. Além disso, o combustível emite 31 vezes mais óxidos de nitrogênio (NOx) e 18 vezes mais material particulado (MP) do que a gasolina. São dois poluentes locais altamente nocivos à saúde, ligados ao câncer, a problemas respiratórios, cardíacos e outros – enquanto o mundo debate a substituição do uso de combustíveis fósseis, flexibilizar o seu uso no Brasil seria um retrocesso.

O último relatório publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que 92% da população mundial vive em locais onde os níveis de qualidade do ar excedem os limites. Essas condições desfavoráveis causariam, por ano, 14 mortes a cada 100 mil habitantes no Brasil. Em São Paulo, Paulo Saldiva, médico e professor no Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), é o responsável pela pesquisa que relaciona qualidade de vida e poluição urbana no Estado. "A poluição do ar não se resolve com remédios ou campanhas de saúde. Envolve planejamento urbano, mobilidade, uso e ocupação do solo. Na cidade de São Paulo, temos 14 mil pessoas que morrem precocemente devido à poluição do ar. Enquanto o cigarro é entendido como uma questão de saúde pública, a poluição ainda não é", diz Saldiva em vídeo produzido para a Pesquisa Fabesp.

Ou seja, aumentar o número de veículos movidos a diesel é também piorar este cenário. E, se a questão é economia, um estudo divulgado pelo Banco Mundial em 2013 mostrou que o Brasil teve 62,2 mil mortes prematuras devido à exposição prolongada das pessoas à poluição do ar, o que gerou US$ 4,9 bilhões em produtividade perdida.