Ônibus a hidrogênio pode complementar veículos a bateria em transição para transporte limpo
Tecnologias limpas são o futuro do transporte coletivo. Em meio ao período mais quente já registrado, a descarbonização da frota de ônibus tem um grande potencial para a redução de emissões de gases de efeito estufa e poluentes locais – ao mesmo tempo em que melhora a qualidade do serviço. Estima-se que para cada mil ônibus elétricos na estrada, cerca de 500 barris por dia de óleo diesel são retirados do mercado.
Para promover essa transição, duas tecnologias limpas despontam no setor por sua gama de benefícios e potencial de complementariedade: veículos elétricos a bateria (battery electric vehicles, ou BEVs) e veículos elétricos a célula de combustível de hidrogênio (fuel cell electric vehicles, FCEVs) – ambos com zero emissões no escapamento.
Apesar de ônibus a bateria serem uma tecnologia mais estabelecida, o hidrogênio desperta muito interesse como combustível por ser um elemento abundante, encontrado na água e em todos os compostos orgânicos. Para frotas urbanas, ônibus a hidrogênio representam mais uma oportunidade, a se juntar aos mais difundidos modelos a bateria, para descarbonizar o transporte coletivo, especialmente em países onde os insumos para baterias elétricas são escassos.
Como os ônibus a hidrogênio funcionam?
Ônibus movidos a hidrogênio possuem dois componentes principais: uma célula de combustível e uma bateria (menor do que as presentes em ônibus puramente a bateria) que alimenta um motor elétrico.
Para gerar energia elétrica, o hidrogênio, armazenado em tanques, reage com o ar atmosférico através da célula de combustível. Esta energia é armazenada na bateria e usada para tração direta. Esse processo emite apenas vapor de água no escapamento.
De onde vem o combustível de hidrogênio?
O hidrogênio para fins energéticos é extraído de diferentes compostos por meio de processos industriais específicos. A energia utilizada no processo pode vir de fontes renováveis (solar, eólica, biomassa, hidrelétrica) ou não renováveis (gás natural, combustíveis fósseis, carvão).
Atualmente, o processo mais comum e barato para a produção é a reforma do gás natural. Porém este processo, ainda que em pequena escala, emite poluentes. Para que seja considerado 100% limpo, o chamado hidrogênio verde deve ser produzido a partir de fontes de energia renováveis por meio de eletrólise – processo que utiliza uma corrente elétrica para separar a água em hidrogênio e oxigênio.
Quais os benefícios de um ônibus a hidrogênio?
Um estudo de uma empresa de energia apontou vários benefícios dos veículo a hidrogênio. Como a energia é produzida a bordo, o sistema não precisa de infraestrutura de recarga de oportunidade, o que torna a operação mais flexível. O abastecimento dos tanques é similar ao gás natural veicular (GNV), e com 10 a 20 minutos de recarga, obtém-se um alcance de 300 a 450 km.
Evidências sugerem que a autonomia não é impactada por variações climáticas. Além disso, o conjunto formado pelos tanques, célula de combustível e bateria é reduzido em peso. Esses fatores podem conferir aos ônibus a hidrogênio alto desempenho sem comprometer o serviço ou a operação.
Impeditivos e barreiras financeiras
Nos veículos, a célula de combustível é o componente mais caro. De acordo com estimativas de sistemas implementados nos Estados Unidos, a peça corresponde a 73% do custo de todo o módulo de energia embarcado (tanques de hidrogênio, bateria, célula de combustível e sistema de controle térmico) e a 13% do custo total do veículo.
Uma das principais barreiras para uma implementação limpa e sustentável da tecnologia são os altos custos iniciais para a produção de hidrogênio verde. A eletrólise ainda apresenta custos elevados, sobretudo devido ao preço da energia elétrica necessária como fonte secundária no processo. Este obstáculo é maior em países cuja matriz elétrica é composta em sua maioria por fontes não renováveis.
Dependendo do método de produção – que pode ocorrer em grandes usinas centrais ou em pequenas instalações in loco –, a distribuição também pode vir a reduzir os ganhos ambientais da tecnologia. Caso o transporte das usinas até o ponto de uso final não seja feito de forma limpa (por veículos de carga ou dutos), os ganhos ambientais são reduzidos. Além disso, devido a sua inflamabilidade, leveza e fácil dispersão, o combustível de hidrogênio requer infraestrutura de armazenamento específica, incluindo tanques e bombas.
Onde há ônibus a hidrogênio operando?
O movimento global para a adoção do hidrogênio ainda é bastante incipiente, mas há experiências significativas em curso. Em 2018, foram contabilizados mais de 200 ônibus a hidrogênio em operação em diferentes cidades da China. O país é o maior mercado consumidor do combustível e tem o maior volume de produção industrial de hidrogênio no mundo, alcançado por investimentos em políticas de crédito e incentivo a pesquisa.
Os Estados Unidos foram o primeiro país a estabelecer o hidrogênio e os veículos a célula de combustível como parte de sua estratégia nacional de energia. Em 2019, cerca de 35 ônibus a hidrogênio estavam em operação. A União Europeia (EU) considera o hidrogênio parte importante de sua política de segurança energética e vem realizando programas de demonstração desde 2003. Ônibus a hidrogênio operam no transporte diário em uma série de cidades europeias. Em 2019 havia cerca de 84 veículos em serviço ou prestes a iniciar as operações em 17 cidades e regiões em 8 países europeus.
Com ônibus a hidrogênio operando há 6 anos, Londres pretende limpar frota até 2037 (foto: Citytransportinfo/Flickr)
O Japão é talvez o mais dedicado a se tornar uma “sociedade do hidrogênio”. Lá a comercialização de carros a hidrogênio tem despontado, e atualmente há cerca de 120 postos de abastecimento – o maior número entre todas as nações. O principal ator nesta construção é a Toyota. Além de carros já lançados, a fabricante planejava para as Olimpíadas de 2020 (adiadas em função da Covid-19) a operação de ao menos 100 ônibus a hidrogênio, na esperança de que este fosse mais um legado para a construção da era do hidrogênio no transporte da cidade.
No Brasil, há algumas iniciativas, como um projeto lançado em 2006 para o estado de São Paulo que testou quatro ônibus a hidrogênio abastecidos por uma estação local de produção de combustível. Recentemente, o governo do Ceará anunciou a construção de uma usina de hidrogênio verde que pretende tornar o estado um hub de produção do combustível.
Paralelos com os ônibus elétricos a bateria
Os grandes saltos tecnológicos que favoreceram o estabelecimento dos ônibus elétricos a bateria podem fornecer importantes lições e perspectivas para o combustível a hidrogênio.
No campo dos avanços tecnológicos, as baterias, principal componente e parte significativa do custo total de ônibus elétricos a bateria, tiveram nos últimos 10 anos uma redução de aproximadamente 80% no seu custo, e estima-se uma redução de até 20% no valor dos veículos até 2025.
Para a produção, estimativas da consultoria BloombergNEF projetam que até 2050 o preço do hidrogênio verde se equipare ou fique mais barato do que o hidrogênio produzido por meio do gás natural. O principal fator para a redução seriam o barateamento da eletricidade solar fotovoltaica, para a qual se espera uma redução de custo de 40% no mesmo período.
Ônibus a hidrogênio também podem ser impulsionados por incentivos fiscais. Foi o que fez a China para mitigar as barreiras de ônibus elétricos a bateria. A estratégia Electromobility and New Energy Vehicles (Nova Mobilidade e Veículos de Energia Nova, em tradução livre) estabeleceu subsídios que diminuíram em até 50% os impostos cobrados na compra de ônibus a bateria, praticamente igualando o custo de capital ao de ônibus a diesel.
Por fim, no campo dos contratos de concessão do transporte coletivo, Santiago do Chile traz bons exemplos de como fomentar a adoção de frotas limpas. A cidade assumiu a liderança latinoamericana na transição para a eletromobilidade utilizando dois principais mecanismos: alavancou o investimento privado ao desenvolver um novo modelo de negócio que separa a posse do veículo de sua operação, e incluiu incentivos aos ônibus elétricos ao permitir, por exemplo, um maior tempo de operação frente ao diesel.
Rumo a um transporte coletivo mais limpo
A tecnologia do hidrogênio vem ganhando espaço nos últimos tempos. Contudo, no setor de mobilidade, ainda é menos difundida do que os ônibus elétricos a bateria. Em um cenário de urgência para a transição energética, mais do que a escolha de uma alternativa, o caminho para avançar pode estar na combinação de ambas.
Uma ambiciosa estratégia de transição energética alinhada com os principais objetivos climáticos internacionais e a compreensão do potencial econômico das novas tecnologias pode criar oportunidades de produção em locais que contam com abundância de recursos renováveis, capazes de favorecer a competitividade do hidrogênio. É o caso do Brasil que, com uma das matrizes elétricas mais renováveis do mundo, poderia ser uma potência na produção e exportação do hidrogênio verde.