Diante da necessidade de reduzir emissões de gases do efeito estufa (GEE) para cumprir os compromissos climáticos assumidos, o Brasil começa a buscar soluções de transporte de baixo carbono capazes de iniciar um processo de transição dos onipresentes ônibus a diesel para tecnologias menos poluentes. Há um consenso sobre os benefícios de longo prazo, como a melhora na qualidade do ar, a redução das emissões diretas e até mesmo nos custos de operação, como mostra o caso de Londres. A poluição sonora dos veículos elétricos é praticamente inexistente, com benefícios para passageiros e motoristas, mas também para a qualidade de vida de todos os cidadãos.

Diversos desafios, porém, ainda dificultam esse processo nas cidades brasileiras e latino-americanas. Até o momento, poucos projetos de sucesso foram realizados em cidades do continente. Pesquisas realizadas pelo WRI mostram que muitas das barreiras são comuns a diferentes países. Entre elas, estão:

  • Os custos iniciais são altos. Geralmente, com a inclusão do pacote de baterias, os custos dos ônibus elétricos são de 2 a 4 vezes maiores do que as versões movidas a diesel. A existência de impostos de importação e os atuais subsídios ao diesel também são fatores que pesam nesse sentido.
     
  • Há um medo de mudança de tecnologia e falta de conhecimento e capacitação técnica entre os diversos atores envolvidos. Os operadores, por exemplo, têm estrutura e mercado de fornecedores consolidados para operar com diesel e receio de não oferecer o serviço com a mesma qualidade. 
     
  • Há poucos exemplos de operação de longo prazo com veículos limpos até o momento, especialmente no contexto latino-americano. Não há certezas sobre o desempenho das baterias na realidade brasileira, entre outras informações sobre a disponibilidade e a garantia de qualidade da tecnologia.
     
  • Os contratos de concessão, que na maioria das vezes são realizados com base no menor preço, desqualificam e desincentivam a adoção de tecnologias mais caras. É preciso mudar o padrão dos contratos para que soluções de baixo carbono possam competir em igualdade. 

A equipe global do programa de cidades do WRI, assim como especialistas do WRI Brasil, tem pesquisado soluções para superar tais barreiras. Entre os pontos principais estão o desenvolvimento de modelos de negócios alinhados com as realidades locais, o engajamento dos operadores de ônibus, do poder público, além do apoio de companhias de energia elétrica e do governo estadual. 

Testes em território nacional apresentam resultados positivos

Apesar dos poucos exemplos disponíveis para a realidade nacional, é possível perceber que entre os desafios destaca-se a necessidade de desenvolver um modelo de negócios eficiente, capaz de viabilizar a tecnologia a longo prazo, mesmo com custo inicial mais alto. Para isso ocorrer, é necessário um alinhamento entre todos os atores (governos, operadores, financiadores, fabricantes e fornecedores de tecnologia) para que a mudança seja benéfica e tenha riscos administráveis para cada um deles.

De acordo com a metodologia desenvolvida pelo WRI, os modelos de negócios têm quatro elementos principais: componentes de investimento (o que investir), fontes de recursos (como pagar), produtos financeiros (como mobilizar capital) e mecanismos de entrega (como estruturar a implementação). Trata-se de uma forma de planejar de que maneira o valor da solução pode ser criado, entregue e capturado, com impacto nas áreas econômica, ambiental, social e cultural.

Alguns testes realizados em território nacional ajudam a compreender melhor como os ônibus elétricos poderiam substituir os convencionais. A prefeitura de Curitiba, por exemplo, realizou uma série de testes com veículos limpos e conseguiu estabelecer uma comparação entre o custo por quilômetro rodado de cada tipo de veículo. Os veículos a diesel tiveram custo por quilômetro de R$ 1,09, dois modelos híbridos tiveram R$ 0,83 e R$ 0,66, respectivamente, e um modelo totalmente elétrico obteve resultado de R$ 0,63. A execução dos testes ficou a cargo da Urbanização de Curitiba S/A (Urbs).

O mesmo levantamento realizado pela Urbs também mostrou a diferença nas emissões entre cada modelo com base na ferramenta GHG Protocol, utilizando uma quilometragem mensal média padrão (4.418,4 km/mês) para todos os veículos. O veículo a diesel emitiu 5,69 toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e). Os híbridos emitiram 4,53 tCO2e e 3,88 tCO2e, enquanto o elétrico emitiu 1,35 tCO2e – resultado apenas das emissões indiretas relativas à geração de eletricidade, que por vezes provém da operação de termoelétricas do sistema nacional interligado de energia.

O balanço da efetividade dos ônibus elétricos, em termos de emissões, é determinado pela fonte de energia elétrica, o que demonstra a importância do envolvimento também deste setor no planejamento da transição. Uma das soluções possíveis é a instalação de placas solares, que podem responder por mais da metade da energia exigida pelos veículos, como foi o caso de São Paulo. Em linhas gerais, os ônibus elétricos, com as baterias, custam até R$ 1,25 milhão, enquanto os convencionais têm valor de cerca de R$ 400 mil. Estima-se que, com um bom modelo de negócio, essa diferença possa ser paga em menos de dez anos. Como os veículos têm vida útil de até 15 anos, eles poderiam, inclusive, ter impacto de redução nas tarifas a longo prazo.

Uma das formas de construir um modelo de negócio adequado e favorável à tecnologia é considerando e incorporando a amortização dos coletivos ao longo de toda a sua vida útil. Em alguns municípios brasileiros, os veículos são depreciados em um período menor de sua vida útil – o que acaba onerando a tarifa. Análises de cenários realizadas pelo WRI Brasil indicam que, ao se considerar os 15 anos de vida útil dos ônibus elétricos, a implantação e operação é favorável tanto ambientalmente quanto financeiramente.

Um exemplo de modelo de negócio de sucesso no Brasil vem de Campinas, onde 11 veículos elétricos estão em operação desde 2015. A cidade planeja ampliar a quantidade para 150 até 2020, conforme seu plano de metas, e promete incluir na nova licitação do transporte coletivo deste ano a exigência da aquisição de uma cota mínima de ônibus elétricos aos operadores.

Belo Horizonte começa a desenhar a sua transição

Belo Horizonte também quer também quer ter uma frota de ônibus elétricos rodando em sua cidade e já deu os primeiros passos para implantar um projeto-piloto. A meta é incluir pelo menos 25 ônibus elétricos no serviço convencional até o ano de 2019. O WRI Brasil tem contribuído com esse trabalho ao reunir as partes interessadas na proposta, além de promover workshops para discussões, planejamento e apresentar cenários de diferentes e possíveis composições de frota. O workshop último foi realizado em 10 de agosto e contou com a participação de representantes da Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), de outras secretarias, como planejamento, meio ambiente e obras públicas, de possíveis bancos financiadores, como Caixa e BNDES, de companhias de energia elétrica e da BYD, uma das montadora de ônibus elétricos com fábrica no Brasil.

O WRI Brasil apresentou um estudo com três cenários, incorporando fontes de financiamento nacionais e internacionais, com impactos econômicos e ambientais. Também foi apresentado como estudo de caso o modelo adotado por Bogotá, na Colômbia, que opera com mais de 500 ônibus híbridos e já tem resultados como 25% de economia de combustível, 39% de redução de emissões de CO2 e 50% de NOx. Nesse caso, o modelo de negócio foi construído a partir de um conjunto de iniciativas, como subsídios do governo, incentivos fiscais e financiamento de fundos internacionais e bancos estatais e privados.

Os participantes do workshop na capital mineira puderam debater e construir, colaborativamernte, um modelo de negócio possível para viabilizar o projeto-piloto de 25 ônibus. Foram levantadas opções como incentivos fiscais, verbas de publicidade e o acesso a fundos nacionais e internacionais, por exemplo. As baterias, parte mais difícil do financiamento dos ônibus elétricos, por serem mais caras do que o chassi e a carroceria, poderiam ser adquiridas por meio de leasing direto com a fabricante ou mesmo até através de uma parceria com alguma das companhias de energia elétrica.

Para Daniel Marx, chefe de gabinete da presidência da BHTRANS, as questões relacionadas às aquisições dos veículos precisam evoluir para essa transição na matriz de transportes se consolidar. “A questão tributária, as garantias, considerando o modelo de negócios com escopo mais amplo que envolve financiamento, aquisição, manutenção e acompanhamento durante o período de testes, se vai ocasionar desequilíbrio ou não da tarifa, tudo isso precisa evoluir. Não estamos em um momento de onerar mais o usuário. Uma luz que enxergamos, que foi levantada no workshop, é a participação de outros setores, como a companhia de energia e os bancos, que podem trazer um modelo interessante considerando o tipo de veículo, que é elétrico, não poluente e deve ser tratado de forma diferente do convencional”, afirma. 

Novos encontros com todas as partes interessadas serão realizados para consolidar o modelo de negócios ideal para o projeto-piloto de Belo Horizonte e garantir que a implantação da tecnologia, com os consequentes ganhos ambientais, se tornem realidade na capital mineira.