Pelo menos 17 pessoas morreram, centenas se feriram e milhares foram presas no período mais grave de protestos civis das últimas décadas no Chile. Apesar do presidente Sebastian Piñera ter revertido o aumento tarifário do metrô de Santiago, que inicialmente provocou os protestos, as manifestações continuam e os danos se acumulam. Um comunicado oficial indica que 86 estações de metrô foram vandalizadas ou destruídas, causando cerca de US$ 200 milhões em danos, segundo estimativas preliminares. Piñera também cancelou duas cúpulas globais: o fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico e a Conferência anual das Nações Unidas sobre mudanças climáticas (COP 25).

Os protestos revelam as vastas desigualdades persistentes na sociedade chilena – desigualdades que ficam mais evidentes na maneira como as pessoas se deslocam e trabalham nas cidades.

O que causou os protestos no Chile?

Embora o aumento de 4% na tarifa em 18 de outubro tenha sido a centelha inicial, os protestos são na verdade a explosão de uma panela de pressão cuja temperatura cresce há anos, alimentada por profundas desigualdades socioeconômicas. Enquanto a comunidade internacional considera o Chile uma história de sucesso na região devido ao seu crescimento econômico, esse crescimento tem sido desigual. Segundo a Organização para a Economia, Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), o Chile é o mais desigual de todos os 36 estados membros, com uma enorme diferença de renda entre ricos e pobres. As mais de 1 milhão de pessoas que saíram às ruas em Santiago no dia 25 de outubro protestavam contra o aumento do custo de vida, salários estagnados, saúde e educação inadequadas, serviços públicos reduzidos e a crescente disparidade salarial.

O transporte é uma área em que essas disparidades ficam mais evidentes.

Juan Carlos Muñoz, diretor do Centro de Desenvolvimento Urbano Sustentável (CEDEUS) da Universidade Católica do Chile e da Universidade de Concepción, observou em uma carta ao editor do jornal chileno La Tercera que há uma segregação social e econômica grave na cidade. Quem mora na periferia pertence a famílias de renda mais baixa. Eles fazem as viagens mais longas no transporte coletivo, muitas vezes em situação de superlotação e sem confiabilidade – mesmo quando viajam no metrô de Santiago, que é amplamente considerado como o melhor sistema de transporte de massa da América Latina.

O pesquisador Juanizio Correa estimou as despesas de transporte para uma família comum, composta por dois adultos e um estudante do ensino médio, fazendo 25 viagens por mês, e comparou-a com a renda familiar. Os resultados são terríveis. Para uma família de baixa renda, ele estimou que os custos de transporte representam 28% da renda média de uma família em Santiago. Para uma família de alta renda, o valor é inferior a 2%.

<p>Aumento na tarifa do metrô de Santiago levou a protestos generalizados em outubro (foto: Ariel Cruz Pizarro/Wikimedia Commons)</p>

Aumento na tarifa do metrô de Santiago levou a protestos generalizados em outubro (foto: Ariel Cruz Pizarro/Wikimedia Commons)

Como o Chile pode resolver a desigualdade no transporte coletivo?

Há medidas que as autoridades de Santiago podem tomar para reduzir as desigualdades onde as pessoas vivem e na maneira como elas se deslocam na cidade. É imperativo ter mais desenvolvimento de uso misto do solo – com empregos e residências no mesmo bairro – para garantir que mais empregos e serviços sejam localizados mais perto de onde as pessoas moram. As lideranças políticas também devem direcionar os subsídios do transporte para ajudar especialmente as famílias de baixa renda, em vez de reduzir as tarifas para todos os usuários. Uma tarifa mais baixa para todos exige subsídios mais altos, pouco faz para resolver problemas históricos e enraizados e pode levar a uma pior qualidade do serviço. É mais eficiente dar subsídios àqueles que mais precisam deles.

Isso tudo tem um custo. Uma opção é cobrar dos proprietários de automóveis sob o princípio de que os veículos que causam mais poluição e congestionamento devem pagar mais, conforme sugerido por Arturo Ardila, economista-chefe de transportes do Banco Mundial. Isso significaria aplicar impostos sobre combustível, congestionamento e poluição, além de taxas de estacionamento – medidas que cidades como Nova York, Londres, Estocolmo e Cingapura estão tentando – e continuar com elas, mesmo diante das críticas. Pedir aos motoristas que paguem pelos verdadeiros custos de manutenção das ruas e pelos impactos na saúde e no clima relacionados ao uso de carros não apenas levaria menos pessoas a dirigir, como também arrecadaria dinheiro para melhorar a infraestrutura para transportes de baixo carbono, como o transporte público coletivo, calçadas e ciclovias.

Santiago também pode melhorar suas opções de transporte coletivo existentes. Como em outras cidades do mundo, sem qualidade e conveniência, mais usuários mudarão suas viagens de transporte público para carros particulares. Em Santiago, o metrô é reconhecido por sua qualidade, mas os ônibus têm índices de satisfação mais baixos. É necessário melhorar ambos.

As dificuldades em Santiago mostram a importância de considerar a equidade e o acesso para todos no planejamento urbano. Existem populações carentes em muitas cidades que estão pagando preços altos para chegar onde precisam ir. Geralmente, elas podem pagar - mas chegando ao limite, com pouco espaço para mudanças ou imprevistos. Ao melhorar o acesso a oportunidades para essas populações carentes, as cidades resolvem problemas de perda de qualidade ambiental, competitividade econômica e mobilidade social.

Uma versão deste artigo foi publicada em espanhol no El Tiempo.