Este artigo foi escrito por Catarina Heeckt e Sarah Colenbrander e publicado originalmente no The City Fix.


Ao longo dos últimos 50 anos, planejadores do transporte vêm tentando focar na redução do congestionamento para melhorar a mobilidade das pessoas nas cidades. Porém, aumentar a capacidade das vias, os limites de velocidade e as vagas de estacionamento não está solucionando o tráfego urbano. Construir mais ruas e estacionamentos apenas atrai mais carros e coloca cidades em uma expansão insustentável e onerosa.

Hoje, planejadores urbanos estão reconhecendo que precisam trabalhar de forma mais próxima com outros setores para melhorar a acessibilidade nas cidades. Locais como Cingapura, Bogotá, Estocolmo, Viena, Hong Kong e São Francisco oferecem uma alta qualidade de vida construída ao redor de bairros vibrantes, caminháveis, conectados por meio de transporte coletivo eficiente e de alta capacidade.

Nessas cidades compactas e conectadas, pessoas podem morar, trabalhar, estudar, fazer compras e se divertir sem deslocamentos excessivos. Elas também tendem a gerar menos emissões de gases de efeito estufa ao se transportar, o que ajuda a cidade a colaborar no combate ao aquecimento global.

Governos municipais assumiram a liderança na construção de cidades mais sustentáveis, encorajados pelo sucesso e aprendendo entre si. Desde que Curitiba lançou o primeiro BRT (bus rapid transit), outras 170 cidades ao redor do mundo também implementaram o sistema. Desde que Paris, na França, e Amsterdã, na Holanda, introduziram os primeiros esquemas de bicicletas compartilhadas, mais de 500 cidades também o fizeram.

No entanto, os governos municipais não podem melhorar a acessibilidade urbana sozinhos. Eles precisam de políticas de apoio em todos os níveis de governo para encorajar o desenvolvimento de uso misto do solo, desincentivar o carro privado, estimular o o uso do transporte coletivo e facilitar o caminhar e o uso da bicicleta. Governos nacionais têm um papel crucial quando se trata de reformar políticas e sistemas de governança para criar cidades compactas e conectadas.

Novas pesquisas da Coalition for Urban Transitions geraram resultados após a consulta a 77 especialistas de 26 países. Eles foram convidados a identificar políticas-chave que governos nacionais poderiam implantar para promover mais cidades compactas e conectadas. As cinco recomendações principais são:

1. Realocar orçamentos de transporte

A maioria dos governos nacionais continua gastando mais na construção e na manutenção de vias do que em transporte coletivo, ciclovias ou calçadas. As ruas são importantes: elas podem conectar áreas de baixa densidade e podem acomodar ônibus, bicicletas e carros.

Governos nacionais podem transferir verbas para infraestrutura que favoreçam principalmente o transporte coletivo, o caminhar e a bicicleta. A Colômbia, por exemplo, realocou seu orçamento nacional de transporte e apoiou os governos municipais a fazer o mesmo. O resultado é o sistema de BRT altamente bem-sucedido de Bogotá e o impressionante metrô de Medellín, que transporta cerca de 300 milhões de passageiros todos os anos.

A importante lição aqui é que apoiar cidades mais compactas e conectadas não requer necessariamente maiores orçamentos de transporte, mas um uso mais estratégico dos recursos existentes.

2. Integrar Planos Diretores e de Mobilidade

As políticas nacionais de uso do solo, habitação e transporte foram historicamente desenvolvidas por setores separados. Isso resultou em cidades em que as áreas residenciais estão mal conectadas a empregos, escolas, hospitais e parques, de modo que as pessoas acabam dirigindo longas distâncias todos os dias.

Reunir especialistas e planejadores de diferentes áreas e níveis de governo facilita o desenvolvimento de planos complementares mais coerentes. A Estrutura Estratégica Nacional de Transportes Terrestres da África do Sul, por exemplo, fornece aos governos locais uma estrutura abrangente e clara para apoiar o ordenamento territorial e de transporte integrado dentro das áreas urbanas.

Um número crescente de governos nacionais exige que as cidades criem planos integrados de mobilidade urbana, incluindo países responsáveis por uma parcela importante das emissões globais como o Brasil.

3. Introduzir o taxação do congestionamento

Cobrar motoristas para usar uma via pode ajudar a reduzir o congestionamento, distribuir de forma mais justa os custos sociais da circulação de automóveis e melhorar a qualidade do ar. O valor pode ser definido para refletir mais de perto o impacto real. Por exemplo, uma maior taxa de congestionamento pode ser imposta a veículos mais pesados e mais poluentes.

Cingapura foi pioneira na taxação do uso das vias em 1975, e, desde então, vem sendo seguida por Londres, Oslo, Milão, Estocolmo e, mais recentemente, Nova York. Várias dessas cidades destinaram estrategicamente as receitas para o reinvestimento nos transportes públicos coletivos, para que a taxação não apenas desincentivasse o uso dos carros, mas também ajudasse a tornar as alternativas mais acessíveis, eficientes e agradáveis.

À medida que os veículos elétricos se tornam mais populares, a taxação das vias se tornará menos importante como tratamento da poluição do ar e das emissões de carbono e mais relevante para enfrentar o congestionamento.

4. Estabelecer autoridades metropolitanas de transportes

Muitas pessoas que vivem nas cidades deslocam-se em uma região muito mais ampla: elas viajam de Bonn para trabalhar em Colônia, ou de Pretória para trabalhar em Joanesburgo. Portanto, faz sentido que os governos nacionais estabeleçam autoridades de transporte responsáveis por múltiplos modos de transporte em toda a região metropolitana.

Essas autoridades de transporte precisam ter alguma responsabilidade pelo planejamento territorial, orçamentos e operações que podem moldar significativamente os sistemas de transporte – como o Transport for London conseguiu fazer tão bem. O governo da Índia está apoiando os governos locais em Hyderabad, Bangalore e Kochi para criar autoridades de transporte integradas.

Esse forte apoio do governo nacional é essencial, pois a má coordenação entre diferentes jurisdições e provedores de serviços pode minar a eficácia da nova autoridade.

5. Capturar a valorização imobiliária em escala

Projetos de infraestrutura urbana podem aumentar os valores imobiliários e criar novas oportunidades de negócios. Os governos estão se aproveitando disso para gerar receita para esses projetos, capturando o o aumento dos preços do solo, negociando contribuições de proprietários ou vendendo e arrendando estrategicamente terras em torno de novas infraestruturas de transporte.

Esses instrumentos de "captura da valorização imobiliária do solo" garantem que os fundos urbanos sejam usados para benefícios públicos em cidades de Harare, no Zimbábue, a São Paulo, no Brasil. A captura da valorização imobiliária precisa ser cuidadosamente projetada para garantir que ela não promova a dispersão urbana e aumente os deslocamentos, mas tem um grande potencial.

Hong Kong, por exemplo, financiou a maior parte de seu impressionante sistema de metrô ao capturar a valorização das propriedades e desenvolver o cada vez mais valioso entorno das estações de metrô.


A versão original deste artigo apareceu no Euractiv. A Coalition for Urban Transitions é uma iniciativa especial do New Climate Economy, organizada e administrada em conjunto pelo WRI Ross Center para Cidades Sustentáveis e pelo C40 Cities Climate Leadership Group.

Catarina Heeckt é bolsista de política na LSE Cities.

Sarah Colenbrander é a chefe dos programas globais da Coalition for Urban Transitions.