O levante global das crianças pela ação climática
"Os adultos sempre falam 'devemos isso aos mais jovens, para dar a eles esperança'. Mas eu não quero a sua esperança. Eu não quero que você seja otimista. Eu quero que você entre em pânico. Eu quero que você sinta o medo que eu sinto todos os dias. E eu quero que você aja." Essas frases, pronunciadas e repetidas por uma menina sueca de 16 anos, são responsáveis pelo levante de milhares de crianças que reivindicam ações imediatas de combate às mudanças climáticas pelo mundo.
Com cartazes e coros como "mudança de sistema ou mudança climática", "não existe Planeta B" e “negação não é uma política”, estudantes tomaram as ruas do Reino Unido e de diversos países como Austrália, Alemanha, Bélgica, Estados Unidos, Japão, entre outros, com uma lista específica de demandas para os líderes mundiais. As chamadas “greves climáticas” são inspiradas nas atitudes da adolescente sueca Greta Thunberg, que em agosto do ano passado deixou de ir à escola nas sextas-feiras para protestar em frente ao Parlamento sueco e pedir que os políticos tomem ações para proteger o meio ambiente.
Em alguns meses, a iniciativa de Greta se transformou em um movimento que já envolveu cerca de 70 mil crianças em centenas de cidades do mundo. De uma menina "invisível", como ela mesma afirma, as ações e palavras de Greta foram se espalhando até chegar o convite para participar da 24ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP24), em dezembro, na Polônia. Com a voz calma, mas com frases duras e sem se importar com possíveis desconfortos da plateia repleta de negociadores climáticos, seu discurso de pouco mais de três minutos foi realizado em nome da "justiça climática”.
"Vocês não são maduros o suficiente para falar da situação como ela é. Até mesmo essa tarefa vocês deixam para nós, crianças (...) No ano de 2078, eu estarei celebrando o meu aniversário de 75 anos. Se eu tiver filhos, talvez eles passem esse dia comigo. Talvez eles me perguntem sobre vocês. Talvez eles me perguntem por que vocês não fizeram nada enquanto ainda havia tempo para agir. Vocês dizem que amam seus filhos acima de tudo, mas ainda assim vocês estão roubando o futuro deles na frente dos seus olhos”, disse.
Em Davos, durante o Fórum Econômico Mundial, realizado em janeiro, Greta repetiu o discurso enérgico. "Algumas pessoas dizem que não devemos nos envolver em ativismo. Em vez disso, devemos deixar essas questões aos nossos políticos e então votar por mudanças. Mas o que fazemos quando não existe nenhuma vontade política? O que fazemos quando os políticos que necessitamos não estão em lugar algum?”
Há 25 anos, uma outra menina, de então 12 anos, chamada Severn Cullis-Suzuki também chamou a atenção do mundo com um discurso motivado pelas mesmas questões apontadas por Greta. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, a Eco-92 ou Rio 92, no Rio de Janeiro, a canadense causou o mesmo desconforto ao falar sobre seus medos relacionados às transformações do meio ambiente, extinção de animais, qualidade do ar e o receio sobre a vida das próximas gerações.
"Pais deveriam ser capazes de confortar seus filhos dizendo que tudo vai ficar bem, que não é o fim do mundo e que estamos fazendo o melhor que podemos. Mas eu não acho que vocês ainda possam nos dizer isso (...) vocês adultos dizem que nos amam. Eu os desafio; por favor, façam suas ações refletirem suas palavras", disse. Severn virou uma "celebridade" e até hoje trabalha defendendo a justiça social e ambiental. "Com 12 anos, eu achava que se eu falasse aos grandes líderes, eles poderiam levantar e resolver tudo. Afinal, não eram eles os mais poderosos do mundo? Hoje sei que não, que eles estão subordinados a muitas relações de poder. Quem tem que levantar e começar as mudanças somos nós. Sou eu, é você", declarou em uma entrevista em 2012.
Limitar o aquecimento global a 1,5˚C exigirá mudanças imediatas (Foto: Olia Balabina/Flickr)
As demandas da greve
Segundo a UK Student Climate Network (UKSCN), uma das organizadoras do movimento no Reino Unido, mais de 10 mil jovens em pelo menos 60 cidades participaram dos atos. O grupo tem estabelecidas quatro demandas específicas que esperam ser atendidas como efeito dos protestos. São elas:
- O governo deve declarar emergência climática e priorizar a proteção da vida na Terra, tomando medidas efetivas para alcançar a justiça climática;
- Reforma no currículo escolar nacional para que ele trate da crise ecológica como uma prioridade educacional;
- O governo deve informar ao grande público a gravidade da crise ecológica e a necessidade de ação imediata;
- O governo deve reconhecer que os mais jovens são os maiores interessados no futuro ao incorporar a visão da juventude na construção de políticas, e reduzir a maioridade eleitoral para 16 anos.
A maior parte dessas demandas são comuns ao movimento Zero Hour, criado pela americana Jamie Margolin, de 16 anos. Desde 2017, a adolescente começou a reunir outros jovens inconformados por serem ignorados nos debates sobre mudanças climáticas e os seus impactos nos mais jovens. "Não podemos mais nos dar ao luxo de esperarmos que adultos protejam nossos direitos de ter um meio ambiente limpo e seguro e recursos naturais que precisamos não apenas para sobreviver, mas para prosperar. Sabemos que nós somos os líderes que esperávamos", afirma o movimento.
Crise ecológica
A noção de “crise” reforçada pelos movimentos recentes tem influência do mais recente relatório lançado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), no qual cerca de 100 cientistas analisaram como o mundo pode cumprir a meta de limitar o aquecimento global a 1,5˚C. Segundo a conclusão do documento, o mundo tem 12 anos para executar mudanças sem precedentes e em escala maciça nos setores de energia, uso da terra, indústria e cidades para limitar o aquecimento a 1,5°C. As emissões de gases de efeito estufa globais anuais, por exemplo, precisam cair pela metade (para 25-30 GtCO2e por ano) em 2030.
Estima-se que 260 milhões de crianças vivem em áreas onde o risco de inundações é extremamente alto (Foto: FMSC/Flickr)
De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em qualquer crise, as crianças são as mais vulneráveis. Em uma crise ambiental não será diferente. A organização lista alguns dos problemas mais alarmantes:
Até 2040, quase 600 milhões de crianças – uma em cada quatro crianças globalmente – vão viver em áreas com recursos hídricos extremamente limitados. Se o problema não for enfrentado, muitas dessas crianças correrão riscos ainda mais altos de morte, doenças e desnutrição;
Com as crescentes temperaturas globais resultando em maiores secas e desertificação, a fome e a desnutrição se tornarão cada vez mais abrangentes. Crises alimentares contribuem para o aumento dos deslocamentos, fomentando a crise mundial de refugiados e migrantes;
Estima-se que 260 milhões de crianças vivam em áreas onde o risco de inundações é extremamente alto e onde os esgotos a céu aberto são generalizados, ameaçando contaminar as fontes de água com resíduos humanos. Isso aumentará a incidência e disseminação de doenças;
Todos os anos, mais de meio milhão de crianças morre de infecções respiratórias agudas causadas pela poluição do ar doméstica. O uso de fogões eficientes, sistemas de gerenciamento de resíduos mais limpos e a implementação de energia renovável nas escolas podem ajudar a reduzir a exposição das crianças à poluição do ar.
O relatório intitulado "Unless we act now" (Se não agirmos agora, em tradução livre), elaborado pela Unicef, reforça a importância de educar e conscientizar as crianças sobre como se adaptar aos desafios imediatos das mudanças. Segundo os autores, "a educação sobre mudanças climáticas aumenta a capacidade de adaptação das crianças e de suas comunidades, ajuda a promover a gestão ambiental e desenvolve a capacidade das crianças de serem agentes de mudança e cidadãos ativos".
Como se fosse um respaldo para as recentes manifestações, o documento destaca como medida fundamental “ouvir e agir de acordo com as perspectivas das crianças”. "Crianças têm perspectivas únicas sobre questões ambientais e uma participação maior nos impactos das mudanças climáticas. Elas são atores importantes na melhoria da capacidade comunitária, tomando medidas para enfrentar os riscos relacionados ao clima e promovendo estilos de vida ambientalmente sustentáveis. A participação dos jovens não é mais algo sobre o qual os governos e as organizações internacionais possam simplesmente falar em vão – é uma necessidade, se o objetivo é realmente proteger os interesses das futuras gerações”, diz o texto.