4 líderes e muitos retardatários na Cúpula do Clima da ONU
Este blog foi escrito por Helen Mountford, David Waskow, Molly Bergen, Joe Thwaites e Rhys Gerholdt e publicado originalmente no WRI Insights.
A Cúpula do Clima da ONU em Nova York este ano foi repleta de discursos de chefes de Estado sobre mudanças climáticas, mas grande parte sem novos compromissos para atender à emergência.
Entre os sinais de progresso, 67 países indicaram a intenção de aumentar a ambição dos seus compromissos com a ação climática até o final de 2020 e, em paralelo, 77 se comprometeram com metas para alcançar a neutralidade do carbono. Houve momentos de brilho e esperança a partir de novas iniciativas e maiores compromissos de empresas, investidores, cidades e sociedade civil. Infelizmente, porém, elas superam em muito a liderança que esperávamos ver de muitos líderes. Nas palavras do presidente do WRI, Andrew Steer, “a maioria das principais economias globais ficou terrivelmente aquém” das expectativas. Para todos os países – e especialmente os maiores emissores –, o teste de fogo agora será o grau de ambição dos compromissos nacionais e das estratégias de longo prazo para 2050 que serão apresentadas no próximo ano no âmbito do Acordo de Paris.
Mas quem liderou o caminho e quem ficou para trás na Cúpula do Clima da ONU? Veja a nossa avaliação:
Líderes
Greta Thunberg. A adolescente ativista sueca, trabalhando em conjunto com incríveis jovens líderes de todo o mundo, liderou a maior greve climática global na história. A mensagem contundente de Thunberg para a ONU transmitiu a frustração e a raiva sentidas por muitos dos mais de 4 milhões de participantes da greve de sexta-feira. "Eu não deveria estar aqui em cima", disse Thunberg, no palco. “Eu deveria estar na escola do outro lado do oceano. Vocês vêm até nós, os jovens, pedir esperança. Como ousam? Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias. Nós não vamos deixar vocês fazerem isso. É aqui e agora que nós colocamos um limite", disse.
Greta Thunberg e outros jovens ativistas durante manifestação antes da Cúpula do Clima (foto: ONU)
António Guterres. Desde que assumiu o cargo de Secretário-Geral em 2017, Guterres se mostrou um incansável defensor da ação climática – talvez mais ambicioso do todos os outros que ocuparam a sua posição. Desde que anunciou a cúpula no final do ano passado, ele surpreendeu o mundo ao pressionar por ações climáticas ousadas que muitos países fugiram no passado, como pedir um compromisso por nenhuma nova usina de carvão após 2020 e pelo fim dos subsídios aos combustíveis fósseis. "Já conversamos o suficiente", disse Guterres em seu discurso de abertura. "Esta não é uma cúpula de negociação climática, porque não negociamos com a natureza. Esta é uma cúpula de ação climática". Ele pediu a todos os líderes mundiais que viessem a Nova York com planos concretos para reforçar os compromissos nacionais até o próximo ano. Apesar de seus esforços incansáveis, a maioria dos principais emissores que foram à tribuna não conseguiu demonstrar como vão aumentar a ambição. As considerações finais de Guterres revelaram sua primeira impressão sobre os anúncios do dia: "Temos um longo caminho a percorrer".
Nações vulneráveis. Os líderes de pequenas ilhas e de outros países mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas são, há muito tempo, as vozes que têm falado mais alto pela redução das emissões globais. As Ilhas Marshall continuam sendo o único país do mundo que já enviou um plano climático nacional aprimorado — conhecido como “contribuição determinada nacionalmente” ou NDC, na sigla em inglês — e foi a primeira nação insular a emitir um plano de neutralidade de carbono até 2050. Ao final da cúpula, das 67 nações que indicaram publicamente que reforçarão seus compromissos nacionais até o próximo ano, a maioria era de países em desenvolvimento muito vulneráveis e/ou que compõem a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS). Os compromissos ambiciosos daqueles que realmente estão na linha de frente dos impactos climáticos de hoje devem servir como um alerta e um exemplo para o resto do mundo. Se eles podem fazer isso, o mesmo vale para as economias maiores e mais ricas.
A presidente das Ilhas Marshall, Hilda Heine (no centro, em pé) fala com o Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, na Cúpula do Clima da ONU (foto: ONU)
Líderes climáticos do setor privado e alguns do setor financeiro. Em 22 de setembro, 87 grandes empresas anunciaram o compromisso com metas de redução de emissões que se alinham com a meta de limitar o aquecimento a 1,5°C, o que os cientistas dizem ser necessário para evitar os piores impactos climáticos. Essas empresas – que incluem L'Oréal, Nestlé e IKEA – têm um valor de mercado que soma mais de US$ 2,3 trilhões, além de contar com mais de 4,2 milhões de funcionários. “É encorajador ver muitos pioneiros do setor privado se alinharem à sociedade civil e a governos ambiciosos, intensificando o suporte por um futuro de 1,5°C”, disse Guterres. "Agora precisamos que muito mais empresas participem do movimento, enviando um sinal claro de que os mercados estão mudando". A campanha faz parte da iniciativa Science Based Targets, que inclui 650 empresas comprometidas em estabelecer metas que se alinham à ciência climática. Na cúpula, a Allianz e 11 outros grandes proprietários de ativos, com mais de US$ 2,4 trilhões em investimentos pelo mundo, anunciaram o compromisso de fazer a transição de todas as suas carteiras de investimentos para investimentos com emissões líquidas zero até 2050.
Retardatários
As tribunas vazias. Muitos dos maiores emissores do mundo estavam notavelmente ausentes do palco – e até mesmo da sala de reuniões. O presidente Trump fez uma aparição surpresa apenas para fugir alguns minutos depois, seguido por Michael Bloomberg que agradecia a ele por se juntar e sugeria que as conversas seriam úteis para o desenvolvimento das políticas climáticas de seu governo. A recente revogação por parte do governo Trump da autoridade da Califórnia para estabelecer padrões mais altos de emissões de poluentes para veículos foi apenas o exemplo mais recente da animosidade do presidente dos Estados Unidos com a proteção ambiental e a saúde pública. Brasil, Japão, Austrália e Canadá também estavam notavelmente ausentes. Nenhum desses países ainda manifestou a intenção de reforçar suas NDCs até 2020; sem a participação deles, a comunidade global não pode limitar o aquecimento a 1,5°C.
Só o tempo dirá
União Europeia. O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, anunciou que pelo menos 25% do próximo orçamento de longo prazo da União Europeia (UE) será dedicado a iniciativas relacionadas ao clima. A UE também lançará uma plataforma internacional sobre financiamento sustentável, que ajudará investidores privados a identificar oportunidades de investimento verde em todo o mundo. Tusk afirmou que no início do próximo ano a UE apresentará uma estratégia ambiciosa de longo prazo, mas isso ainda precisa ser negociado com os estados membros. Em junho, os líderes europeus tentaram estabelecer uma meta de zerar emissões líquidas para 2050, mas o esforço foi bloqueado por Polônia, República Tcheca, Estônia e Hungria. Há mais otimismo de que o acordo será aprovado na próxima vez. Muitas nações europeias já se comprometeram a atingir emissões líquidas zero até 2050, e Tusk disse que "é apenas uma questão de tempo até que todos os países da UE assinem".
De forma encorajadora, Tusk também se referiu aos planos da presidente eleita do Conselho Europeu, Ursula von der Leyen, para fortalecer o compromisso climático nacional da UE, aumentando sua meta de redução de emissões para 2030 para 50% a 55%.
Presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk se encontra com Lotay Tshering, Primeiro Ministro do Butão, na Cúpula do Clima da ONU (Foto: União Europeia)
Indonésia. Apesar da Indonésia ter se comprometido a reduzir as emissões em 29% a 41% até 2030, o vice-presidente Jusuf Kalla não se comprometeu a aumentar o compromisso climático nacional. No entanto, ele afirmou que "não temos mais o luxo, nem a opção, temos que aumentar nossa ação de mitigação e adaptação". Ele mencionou que a Indonésia já teve 150 milhões de hectares de cobertura florestal, mas que hoje essa área foi reduzida para 90 milhões de hectares, e o número de incêndios em florestas e turfeiras está se acelerando devido às mudanças climáticas. Além disso, ele destacou a nova Iniciativa de Desenvolvimento de Baixo Carbono do país (liderada pelo governo em parceria com a New Climate Economy, o WRI Indonésia e outros parceiros locais), que encontrou evidências claras de que ações climáticas mais ambiciosas “andam de mãos dadas com benefícios econômicos e sociais".
No posto de quarto maior emissor de gases de efeito estufa, quando você considera as emissões do uso do solo e do desmatamento, aproveitar essas oportunidades pode ter um impacto importante na ação climática global. O vice-presidente Kalla também observou a intenção do país de restaurar terras degradadas, repensar subsídios aos combustíveis fósseis e adotar medidas climáticas ligadas ao oceano, e convidou parceiros internacionais a colaborar com o país na sua nova estrutura de financiamento ambiental.
China. O conselheiro de Estado e ministro das Relações Exteriores Wang Yi anunciou que a China alcançou suas metas de redução de carbono para 2020 dois anos antes do previsto, reduzindo as emissões por unidade do PIB em 45,8% em relação aos níveis de 2005. A participação das fontes renováveis no consumo total de energia também atingiu 14,3%, a caminho de alcançar a meta nacional de 15% até 2020.
Apesar dessas conquistas, durante a cúpula, a liderança chinesa não assumiu novos compromissos com a ação climática nem se comprometeu a melhorar a NDC no próximo ano. Em junho, a China divulgou uma declaração conjunta com a França que "reafirmou seu compromisso de atualizar as NDCs de forma a representar uma progressão além da atual" e se comprometeu a finalizar a estratégia climática de longo prazo em 2020. O mundo está esperando a China anunciar sua NDC aprimorada e a estratégia climática de longo prazo até o próximo ano. Pesquisas recentes do WRI mostram que a China tem uma grande chance de reduzir emissões de metano, HFCs e óxido nitroso, o que ajudaria a combater as mudanças climáticas e proporcionaria múltiplos ganhos em saúde, segurança alimentar e desenvolvimento sustentável.
Índia. O primeiro-ministro Narendra Modi comprometeu-se na cúpula a dobrar a capacidade de energia renovável da Índia até 2030, atingindo 450 gigawatts – um passo a frente em sua já ousada meta de 175 gigawatts de energia renovável até 2022. Ele também mencionou o aumento da mobilidade elétrica no setor de transportes, lançando uma coalizão para infraestrutura resistente a desastres e reduzindo os plásticos de uso único.
No entanto, o primeiro-ministro Modi não fez nenhuma menção específica sobre se a Índia pretende melhorar sua NDC até 2020. Isso seria um sinal importante de que o país leva a sério a redução rápida de suas emissões.
Financiamento climático. Outros oito países se comprometeram com a reposição do Fundo Verde para o Clima (GCF) durante a cúpula, elevando o total arrecadado até agora para US$ 7,4 bilhões. Mas muitos dos principais contribuintes ficaram em silêncio até agora. Falta apenas um mês para a conferência formal de doações, e garantir um fundo com um grande volume de recursos é fundamental para manter a dinâmica por trás do Acordo de Paris. Alguns países ainda precisam pelo menos dobrar suas contribuições . Também houve promessas bem-vindas ao Fundo de Adaptação e ao Fundo Para Países Menos Desenvolvidos por parta de Suécia, Bélgica, Espanha e Quebec. O Reino Unido comprometeu até 90 milhões de libras ao Global Risk Financing Facility.
Em outros lugares, os compromissos de financiamento da adaptação foram abaixo do esperado. Os bancos multilaterais de desenvolvimento (MDBs) divulgaram uma declaração conjunta projetando que, em 2025, eles dobrariam seu financiamento para adaptação para US$ 18 bilhões por ano. No entanto, isso representará apenas 27% do financiamento total climático projetado de US$ 65 bilhões, longe do equilíbrio exigido no Acordo de Paris.
Além disso, o grupo de MDBs refletido nesse número aumentou de seis nos anos anteriores para nove. Com mais instituições, é justo esperar mais ambição. Os MDBs e outras instituições financeiras públicas precisam intensificar a ambição com aumentos muito maiores em seu financiamento para adaptação e alinhar todas as suas carteiras com o Acordo de Paris. Isso inclui a eliminação gradual do financiamento de projetos de energia baseados em combustíveis fósseis, algo que o Banco Europeu de Investimento está atualmente considerando e que definiria o padrão ouro para a liderança climática no setor financeiro.
O que vem pela frente?
Enquanto um terço dos países se comprometeu a melhorar suas NDCs até 2020, como exige o Acordo de Paris, esses países representam apenas um insignificante percentual de 8% das emissões globais. O compromisso de 77 países de atingir emissões líquidas zero até ou por volta de 2050 é um avanço muito importante. Mas a ciência climática mais recente mostra que o mundo inteiro deve atingir emissões líquidas zero até meados do século para evitar os piores efeitos das mudanças climáticas – por isso temos um longo caminho a percorrer.
Para ter alguma chance de limitar os impactos devastadores das mudanças climáticas, os maiores emissores do mundo – sejam países, corporações ou investidores – precisam parar de buscar reconhecimento por dar pequenos passos. A ciência é clara: uma abordagem gradual é perigosa e irresponsável. A crise climática exige ação urgente. Durante seu poderoso discurso diante de representantes de 200 nações, Greta Thunberg lembrou aos líderes mundiais que os "olhos de todas as gerações futuras" estavam neles. "Se vocês optarem por nos decepcionar, nunca iremos perdoá-los".