Entre os dias 21 de outubro e 2 de novembro, a cidade de Cali, na Colômbia, recebeu cerca de 23 mil pessoas na Cúpula da Biodiversidade da ONU. Líderes políticos de quase 200 países, representantes de povos indígenas, grupos de jovens, líderes empresariais e ONGs, entre outros acompanharam as discussões. Todos vieram com um propósito em comum: interromper a galopante perda de biodiversidade no planeta.

O contexto para a cúpula parecia favorável. Na última conferência sobre biodiversidade, em 2022, os líderes nacionais chegaram a um acordo histórico: proteger 30% das áreas terrestres e aquáticas do mundo até 2030 e mobilizar bilhões de dólares para a conservação da natureza. A cúpula deste ano, a COP16, era uma oportunidade de apresentar planos concretos para atingir essas metas.

No entanto, embora a “COP do Povo”, como a edição em Cali foi chamada, tenha reunido uma ampla diversidade de vozes nas negociações e ressaltado a urgência em torno da crise da biodiversidade, os avanços em relação aos principais objetivos da conferência ficaram aquém do esperado. Houve impasses sobre decisões financeiras importantes, e muitos países demonstraram falta de ambição. A cúpula acabou antes que as Partes pudessem entrar em acordo sobre uma série de questões fundamentais – principalmente, como financiar a conservação na escala necessária.

Ainda assim, a COP16 serviu como um termômetro dos esforços globais pela biodiversidade até o momento. A conferência revelou o quanto o mundo avançou em relação a metas coletivas e o que exatamente precisa ser feito ainda nesta década para proteger as espécies remanescentes do planeta.

A COP16 revelou alguns avanços na conservação – e enormes lacunas financeiras

O primeiro relatório oficial sobre a “meta 30x30”, que convoca os países a proteger 30% das áreas terrestres e aquáticas do mundo até 2030, foi divulgado durante a COP16. O documento mostrou que, atualmente, pouco mais de 17% das áreas terrestres do planeta e apenas 8% das áreas marinhas e costeiras são áreas protegidas.

Ainda assim, esses números indicam avanços: o total de áreas protegidas aumentou em mais de 2,3 milhões de quilômetros quadrados desde 2020, uma área duas vezes maior que o território da Colômbia. No entanto, o caminho à frente permanece íngreme. Para atingir a meta, os países precisam garantir a proteção de outros 16,7 milhões de quilômetros quadrados de áreas terrestres (quase o tamanho da Rússia) e mais de 78 milhões de quilômetros quadrados de áreas marinhas e costeiras (mais que o dobro do tamanho da África) até 2030.

Grande parte das discussões na COP16 se deram em torno de como financiar esforços de conservação e restauração nessa velocidade e escala – especialmente em países em desenvolvimento, que abrigam grande parte da biodiversidade mundial, mas têm menos recursos para protegê-la.

Em 2022, as nações desenvolvidas prometeram US$ 20 bilhões por ano até 2025 para apoiar os esforços dos países em desenvolvimento. Naquele mesmo ano (conforme os dados mais recentes disponíveis), US$ 15,4 bilhões foram mobilizados e novas promessas foram feitas este ano, na COP16. No entanto, essas somas foram na casa dos milhões, e não dos bilhões ainda necessários. As negociações debateram como mobilizar esses recursos; especificamente, se esse financiamento deve ser canalizado por meio de um novo mecanismo dedicado, conforme solicitado por alguns países em desenvolvimento, ou pelo Fundo Global para o Marco de Biodiversidade, já existente.

Outros instrumentos para arrecadar financiamento público e privado para a natureza também se mostraram controversos. Muito se discutiu sobre se as empresas deveriam pagar aos países pela informação genética digital (conhecida como “DSI”) utilizada no desenvolvimento de vacinas, medicamentos e outros produtos, caso tenha se originado de organismos dentro de suas fronteiras. Essa foi vista como uma potencial nova e enorme fonte de recursos para a natureza em países em desenvolvimento. Mas, embora os negociadores tenham conseguido criar um novo fundo DSI (o Fundo Cali) na COP16, as contribuições foram feitas de forma voluntária. Isso significa que é improvável que o fundo alcance os valores esperados.

Em suma, os países estão longe de preencher a lacuna de US$ 700 bilhões por ano em financiamento para a natureza.

Precisamos ter mais clareza sobre como os líderes planejam preencher essas lacunas de ação e financiamento. Esperava-se que todos os mais de 190 países representados em Cali apresentassem, até o final da cúpula, suas Estratégias e Planos de Ação Nacionais de Biodiversidade (NBSAPs, na sigla em inglês), traçando etapas concretas para atingir as metas coletivas. No entanto, apenas 44 países fizeram isso. Outros mais de 100 apresentaram metas de biodiversidade de alto nível, mas sem planos de ação formais para cumpri-las.

World leaders at the 16th UN biodiversity summit (COP16) in Cali, Colombia.
Líderes mundiais na 16ª Cúpula da Biodiversidade da ONU (COP16) em Cali, na Colômbia. Embora a cúpula tenha avançado em alguns aspectos, as discussões sobre financiamento estagnaram, e o evento terminou com alguns itens-chave da agenda sem resolução. (Foto: Xinhua/Alamy Stock Photo)

O que ainda precisamos fazer para atingir as metas de biodiversidade a tempo?

Interromper a perda de biodiversidade, proteger e restaurar a natureza exigirá bilhões a mais em financiamento até 2030. Mas essa é apenas uma peça do quebra-cabeça. Os líderes também precisam:

Promover a conservação e a restauração, especialmente em países “megadiversos”

Embora todos os países devam apresentar planos de biodiversidade ambiciosos e viáveis, alinhados com a meta 30x30, alguns são particularmente importantes. A maioria das espécies existentes no mundo habita uma área relativamente pequena do planeta, desde as florestas tropicais da Amazônia, da Bacia do Congo e do Sudeste Asiático até os recifes de corais no “Triângulo de Corais” do Pacífico. Os países que abrigam esses ecossistemas megadiversos têm um impacto imprescindível na saúde e sobrevivência das espécies em todo o mundo.

Alguns deles já apresentaram suas estratégias nacionais de biodiversidade. A Colômbia, por exemplo, tem o objetivo de expandir as áreas protegidas de 24% para 34% e aumentar a participação da bioeconomia no PIB do país, de 0,8% para 3%, a fim de garantir tanto a saúde dos ecossistemas saudáveis quanto benefícios econômicos. Outros países, como o Brasil e a República Democrática do Congo, ainda precisam apresentar suas estratégias nacionais (embora o Brasil tenha o objetivo de fazer isso em 2025). Muitos países megadiversos são nações em desenvolvimento que precisam de mais apoio financeiro para estabelecer e atingir metas mais ambiciosas – uma mensagem que ressoou durante a cúpula.

Cumprir as promessas de apoiar os povos tradicionais

A COP16 destacou o papel crucial que os povos indígenas e as comunidades locais desempenham na proteção da natureza. Muitas áreas tradicionalmente administradas por esses grupos estão entre as mais biodiversas do planeta – muitas vezes, mais do que terras sob gestão pública ou privada. No entanto, poucos desses grupos possuem seus direitos de posse das terras refletidos na lei.

A cúpula deste ano elevou as vozes dos povos indígenas e das comunidades locais nas discussões de alto nível. A representatividade foi mais diversa do que no passado, e os países concordaram em criar um novo órgão permanente para garantir a participação desses grupos nas negociações daqui para frente. Agora, os governos precisam transformar palavras em ações práticas, garantindo que esses grupos participem das definições políticas nacionais sobre conservação (como concordaram em fazer sob o Quadro Global de Biodiversidade) e assegurando seus direitos tradicionais sobre as terras em lei. Os países também devem cumprir a promessa de direcionar pelo menos US$ 1,7 bilhão em financiamento para a natureza para grupos indígenas. Um dos avanços na COP16, foi o comprometimento das nações de investir 50% dos recursos arrecadados no Fundo Cali em atividades relacionadas aos povos indígenas e comunidades locais.

Fortalecer os esforços pela biodiversidade com financiamento, políticas e dados

Mesmo os planos mais bem elaborados não serão bem-sucedidos sem políticas e fiscalização. Para atingir seus objetivos, os governos precisam adotar modelos econômicos que trabalhem com a natureza, e não contra ela. Isso começa com o cumprimento da promessa de alterar US$ 500 bilhões por ano em subsídios prejudiciais à natureza (como os destinados a práticas agrícolas e pesqueiras insustentáveis), nos quais quase não houve avanços até agora.

Os países também precisam de medidas mais robustas para suprimir o crime organizado na natureza – incluindo formas ilegais de exploração madeireira, desmatamento, mineração, pesca e exploração e comércio de animais selvagens – bem como crimes financeiros, como corrupção e violações de direitos humanos. Enfrentar essas ameaças é essencial para avançar na conservação da biodiversidade.

Por fim, o financiamento e as ações pela biodiversidade precisam ser combinados com instrumentos de monitoramento e rastreamento transparentes, capazes de responsabilizar governos e outras partes envolvidas.

Com a natureza à beira do colapso, os líderes não podem mais esperar

As negociações formais na COP16 foram mais lentas e incertas do que o esperado. Mas, fora das salas de negociação, nas ruas movimentadas de Cali, a cúpula ganhou vida própria. Desde música e dança até espaços de networking e debates abertos, pessoas de todo o mundo celebraram a biodiversidade e reforçaram a urgência de protegê-la. Uma série de novas iniciativas nasceram a partir desse engajamento mais amplo, incluindo em áreas como cidades, restauração, alimentos, uso da terra, financiamento para florestas tropicais, entre outras. A cúpula comprovou que diferentes grupos sociais já estão já estão mobilizados para enfrentar a crise da biodiversidade.

Agora, a questão é se governos, empresas e outros lideranças vão aproveitar essa energia e urgência para viabilizar e promover mudanças transformadoras em escala global. Eles sabem o que precisa ser feito. Agora é hora de agir.