Este post foi publicado originalmente no WRI Insights.


A pandemia do Covid-19 é antes de tudo uma tragédia humana, com mais de 120 mil pessoas infectadas e mais de 4,2 mil mortos até a última quinta-feira. A perda de vidas humanas parte nossos corações e deve continuar crescendo.

O vírus também atingiu a sociedade como um tsunami global, interrompendo viagens, isolando comunidades, fechando fábricas e chacoalhando mercados econômicos. O setor manufatureiro global sofreu sua pior contração desde a recessão de 2009. O Goldman Sachs prevê lucro zero para empresas norte-americanas, e companhias aéreas e empresas que operam cruzeiros estão cambaleantes pelo fato de as pessoas optarem por ficar em casa.

Não é uma surpresa, portanto, que essa grande paralisia global esteja levando a uma menor demanda de energia, o que reduz as emissões globais de gases de efeito estufa. A produção industrial da China caiu de 15% a 40% desde o início da crise, levando a uma queda de aproximadamente 25% nas emissões durante o mesmo período.

Quedas nas emissões causadas por desacelerações econômicas tendem a ser temporárias – e podem levar a um aumento de emissões posterior, à medida que as economias tentam voltar aos trilhos. Após a crise financeira global de 2008, por exemplo, as emissões globais de CO2 a partir da combustão de combustíveis fósseis e da produção de cimento cresceram 5,9% em 2010, indo além da compensação em função da queda de 1,4% em 2009.

Com a pandemia potencialmente desencadeando uma desaceleração econômica global, os líderes mundiais já estão procurando maneiras de sustentar as economias de seus países. As abordagens adotadas para estimular o crescimento econômico têm efeitos duradouros, por isso precisam ser escolhidas com cuidado. O que os governos devem evitar para tentar impulsionar suas economias após uma crise global de saúde, é impulsionar outra – a da poluição do ar. Um pacote de estímulo baseado em aumentar a produção ou o uso de combustíveis fósseis faria exatamente isso.

Os perigos para a saúde de dobrar a aposta nos combustíveis fósseis

Mais de 5 milhões de pessoas no mundo já morrem prematuramente todos os anos devido à poluição do ar. Dois terços das mortes por poluição atmosférica são causados por combustíveis fósseis emitidos por diferentes fontes como usinas, carros e fábricas. Especialistas estimam que as doenças e a mortalidade prematura associadas à poluição do ar causada pelos transportes rodoviários custaram US$ 1,7 trilhão aos países da OCDE em 2010. Tanto a poluição do ar quanto o novo coronavírus apresentam riscos mais altos para pessoas com condições respiratórias preexistentes, como asma, motivo pelo qual aumentar a carga de poluição do ar poderia impulsionar, de maneira geral, doenças e mortes causadas pelo novo coronavírus.

Durante crises econômicas anteriores, vários países partiram rapidamente para pacotes de estímulo que incluíam investimentos em projetos de infraestrutura que estavam prontos para começar. Em muitos casos, isso incluiu a construção de mais usinas a carvão ou outros combustíveis fósseis, investimentos em estradas, em indústrias pesadas, como a automobilística, entre outras. Seguir esse velho manual para responder à pandemia do Covid-19 seria um erro terrível, pois ampliaria a crise de saúde causada pela poluição do ar.

A China foi o país que mais sofreu com o surto de Covid-19 até agora, e também o que apresenta uma das mais altas taxas de poluição do ar no mundo. Em 2013, a poluição do ar relacionada ao uso do carvão causou aproximadamente 366 mil mortes prematuras no país asiático. Claro, a China não está sozinha. A Índia tem 22 das 30 cidades mais poluídas da Terra. A poluição atmosférica na capital Nova Délhi se tornou tão tóxica em novembro de 2019 que o governo declarou uma emergência de saúde pública, fechando escolas e estimulando as pessoas a ficarem dentro de casa.

Neste momento em que os países procuram caminhos para dar uma necessária sacudida em suas economias após o surto de Covid-19, governos e empresas que avaliam pacotes de estímulo têm basicamente duas opções: eles podem ficar presos a mais décadas de desenvolvimento poluente, ineficiente, de alto carbono e insustentável, ou podem usar isso como uma oportunidade para acelerar a mudança inevitável para sistemas de energia e transporte de baixo carbono, que estão cada vez mais acessíveis e trarão benefícios econômicos de longo prazo. A segunda opção também ajudaria a enfrentar com sucesso duas outras grandes crises: a de poluição do ar e a causada pela crescente emergência climática.

Por que o desenvolvimento de baixo carbono é bom para a economia

A boa notícia é que um conjunto crescente de evidências demonstra que buscar um crescimento de baixo carbono e resiliente é a melhor maneira de obter benefícios econômicos e sociais duradouros. A ação climática ousada pode gerar pelo menos US$ 26 trilhões em benefícios econômicos globais líquidos entre agora e 2030, em comparação com os negócios usuais, de acordo com a Nova Economia Climática. Isso inclui a criação de mais de 65 milhões de novos empregos de baixo carbono em 2030, equivalentes às forças de trabalho combinadas do Reino Unido e do Egito atualmente.

O que vale globalmente também é verdade na escala nacional. A Indonésia é uma das maiores economias no mundo. O Ministro do Planejamento indonésio identificou um caminho de crescimento de baixo carbono, que extrapola os compromissos climáticos atuais do país e geraria um crescimento médio do PIB de cerca de 6% ao ano até 2045. Há evidências de que esse caminho de crescimento de baixo carbono na Indonésia deve superar o crescimento no cenário usual desde o primeiro ano, enquanto também destrava uma série de benefícios econômicos, sociais e ambientais. Em 2045, esses benefícios incluirão mais de 15 milhões de postos de trabalho adicionais – mais verdes e melhor remunerados –, redução mais acelerada da pobreza e benefícios regionais e ligados a gênero.

A infraestrutura sustentável, de baixo carbono, deve ser central em qualquer estímulo governamental em resposta à crise do Covid-19. Governos têm um papel crítico a desempenhar no estabelecimento de estratégias de investimento robustas, bem-articuladas e sustentáveis. Investimentos em infraestrutura sustentável criam trabalhos imediatamente e muitos outros benefícios sociais e econômicos ao longo do tempo. Por exemplo, Ato de Recuperação e Reinvestimento dos Estados Unidos, de 2009, gerou uma série de benefícios sociais e econômicos incluindo a geração de cerca de 900 mil empregos em energia limpa no país de 2009 a 2015. Pacotes de investimento de estímulo também devem ajudar a criar resiliência nas comunidades aos impactos da mudança climática. A Comissão Global sobre Adaptação concluiu que, na próxima década, os benefícios líquidos de se investir em infraestrutura resiliente em países em desenvolvimento seriam de US$ 4,2 trilhões ao longo da vida útil das estruturas, com um benefício de US$ 4 para cada dólar investido.

Lideranças do setor financeiro já estão despertando para os riscos de se investir em atividades que geram muitas emissões, e para os benefícios de mudar para uma economia resiliente e de baixo carbono – e os governos deveriam seguir essa liderança. Mais de 16 grandes proprietários de ativos com quase US$ 4 trilhões investidos globalmente se comprometeram a transicionar todos os seus portifólios de investimentos para investimentos de zero emissões líquidas até 2050, e muitos outros estão rapidamente se afastando dos investimentos em combustíveis fósseis. Empresas sustentáveis já estão superando seus pares em performance. Por exemplo, organizações comprometidas com energia 100% renovável têm melhores margens de lucro líquido e rendimentos do que aquelas sem esse comprometimento. E corporações que ativamente administram e planejam voltadas para a mudança climática garantem um retorno de investimento 18% maior do que companhias que não o fazem – e 67% maior do que companhias que se recusam a informar suas emissões.

Ação climática é chave para recuperação econômica e prosperidade no longo prazo

A pandemia do Covid-19 mostra sem sombra de dúvida que governos têm habilidade de tomar medidas urgentes e radicais para conter crises. Não será fácil, mas requer que todos nós façamos a nossa parte. Porém, conforme a crise passe, teremos de ter clareza de que não faz sentido responder ao impacto econômico de curto prazo com maus investimentos de longo-prazo. Em vez disso, temos a oportunidade de usar medidas de estímulo para fortalecer o crescimento posterior à crise do Covid-19 como uma forma de reduzir a poluição do ar e auxiliar no enfrentamento às mudanças climáticas.

A urgência crescente da crise climática mostra a necessidade de medidas para cortar emissões drástica e imediatamente. E as oportunidades para fazer isso, levando em conta inovações em tecnologias limpas e seu preço em queda, nunca foram melhores. Se as restrições a viagens e a grandes eventos são desafiadoras, elas também podem nos ajudar a tornar mais sustentáveis nossos padrões de comportamento quanto ao trabalho, à educação e às viagens – incluindo reconhecer as oportunidades e benefícios do trabalho remoto e de reuniões virtuais. Estamos sendo forçados a redefinir nossos hábitos agora, mas devemos usar esta oportunidade como um momento de aprendizado à medida que saímos da crise.

Não podemos deixar o enfrentamento da emergência climática para depois. Neste ano os países devem entregar compromissos climáticos para 2030 compatíveis com a eliminação das emissões líquidas no mundo até 2050.

Enquanto o Covid-19 e suas repercussões econômicas são, com razão, o foco primário de muitos governos hoje, também temos de pensar no amanhã. Para países querendo resguardar suas economias em tempos turbulentos e garantir crescimento sustentável de longo prazo, a ação climática oferece uma considerável oportunidade.