Quais as implicações para o clima das eleições em pelo menos 64 países em 2024
O ano de 2024 vai marcar a história moderna no quesito eleições ao redor do mundo. Cidadãos de pelo menos 64 países – que abrigam, juntos, cerca de metade da população mundial – elegeram ou ainda vão eleger suas lideranças nacionais em 2024. E as implicações dessas eleições para o clima e para o nosso futuro no planeta não podem ser subestimadas.
No final de julho, o mundo viveu o dia mais quente já registrado, depois de alguns anos consecutivos de recordes nas temperaturas. Ondas de calor implacáveis em diversas regiões, incêndios florestais devastadores e ocorrências de escassez de água cada vez mais severas se tornaram frequentes. E, em todo o mundo, as pessoas e comunidades mais vulneráveis – as que têm menos responsabilidade pelas mudanças climáticas – são as que mais sentem esses efeitos.
Os líderes globais terão papel fundamental no combate a essas crises e na garantia de um futuro habitável para todos. Na segunda metade desta década, um momento crucial para a ação climática, o mundo precisa de líderes que trabalhem para reduzir as emissões de gases de efeito de estufa o mais rápido possível, afastar suas economias do uso de combustíveis fósseis, proteger e restaurar suas paisagens e ecossistemas e investir na construção de resiliência para suas comunidades.
Com algumas disputas importantes já decididas – e como esse foi um dos temas deste ano no Stories to Watch (evento do WRI focado nas principais questões que impactarão as pessoas, o clima e a natureza ao longo do ano) –, reunimos a seguir comentários de lideranças e especialistas do WRI sobre as eleições mais importantes para o clima até aqui.
Indonésia
A Indonésia é um dos países mais abundantes do mundo em recursos naturais, cuja gestão está indissociavelmente ligada às políticas do governo. Depois das eleições realizadas em fevereiro, o antigo general do exército e atual Ministro da Defesa, Prabowo Subianto, assumirá o cargo em 20 de outubro. A expectativa é de que seu governo – que inclui Gibran Rakabuming Raka, filho do atual presidente, como vice-presidente eleito – dê continuidade às políticas da administração anterior, embora ainda não se saiba se a nova administração também manterá os compromissos climáticos do presidente que deixará o cargo, Joko Widodo.
“O desenvolvimento econômico continuará sendo prioridade nos próximos cinco anos. Existem amplas oportunidades para o país, com o apoio de empresas e outras entidades não estatais, para reforçar a resiliência climática e promover o desenvolvimento de baixo carbono e socialmente inclusivo”, afirma Arief Wijaya, diretor administrativo do WRI Indonésia.
O presidente eleito já prometeu garantir a soberania alimentar do país por meio de um programa alimentar nacional que será ampliado para mais de 40 milhões de hectares de terras e florestas degradadas. Essa estratégia ajudará a reduzir a pressão sobre as florestas, além de incentivar uma abordagem de mosaico para a restauração.
Como principal exportador de óleo de palma do mundo, a Indonésia planeja expandir a produção como consequência da priorização de biocombustíveis. Mas, para isso, o país precisa incentivar a aplicação de uma certificação de sustentabilidade para o óleo de palma.
“Existem amplas oportunidades para o país, com o apoio de empresas e outras entidades não estatais, para reforçar a resiliência climática e promover o desenvolvimento de baixo carbono e socialmente inclusivo.” – Arief Wijaya, WRI Indonésia
Por fim, no que tange à soberania energética, a próxima gestão presidencial espera expandir a extração de níquel, mineral essencial para as baterias de veículos eléctricos e outras tecnologias limpas. Para reduzir os impactos ambientais, o novo governo terá de seguir o plano criado pelo Ministério do Planejamento da Indonésia.
Uma vez que o próximo parlamento da Indonésia será uma coligação de diferentes partidos políticos, a oposição estará em relativa desvantagem para desafiar quaisquer políticas potencialmente prejudiciais. “A esperança é que organizações da sociedade civil e atores não estatais, incluindo o setor privado, tenham uma atuação mais proeminente na verificação e controle das políticas da próxima administração”, explica Wijaya.
Índia
Na Índia, mais de 640 milhões de pessoas foram às urnas, entre abril e junho, sob um calor escaldante, para realizar as maiores eleições já vistas no mundo. Embora as mudanças climáticas nem sempre tenham sido destaque nas campanhas dos candidatos, os principais manifestos dos partidos incluíram capítulos sobre o clima e abordaram as preocupações da sociedade sobre a vida no campo e a água, que muitas vezes são afetados por fenômenos climáticos extremos.
No dia 4 de junho, o partido da situação, Bharatiya Janata, garantiu um terceiro mandato em conjunto com outros partidos, incluindo líderes regionais de Bihar e Andhra Pradesh – estados altamente vulneráveis a inundações e ciclones, respectivamente. Com essa união, é possível que a agenda nacional esteja mais focada nas necessidades regionais de resiliência climática e em promover uma “transição justa”, a fim de garantir que os trabalhadores e as comunidades não fiquem para trás à medida que o país avança em direção a um futuro de baixo carbono.
As eleições indianas não devem ter implicações climáticas significativas no cenário internacional e é provável que ocorra uma continuação do compromisso climático do país de ampliar as fontes de energia renovável para atingir zero líquido até 2070.
África do Sul
Trinta anos depois das primeiras eleições livres e justas na África do Sul, em maio deste ano, os eleitores elegeram um governo liderado por uma coligação: o Governo de Unidade Nacional (GNU, na sigla em inglês). O Congresso Nacional Africano, partido dominante no país desde a eleição de Nelson Mandela em 1994, registrou uma queda de 58% dos votos em 2019 para pouco mais de 40% em 2024.
Os níveis crescentes de desemprego, pobreza e desigualdade, a recorrente falta de eletricidade, além da corrupção em todas as instâncias de governo e da má gestão, estão entre as razões citadas para a queda na confiança no partido anterior.
Depois de negociar o acordo que estabeleceu o GNU, atualmente composto por dez partidos políticos, o presidente Cyril Ramaphosa cumprirá um segundo mandato. Historicamente, Ramaphosa tem sido um defensor da ação climática e de uma transição justa. Em 2021, por exemplo, ele defendeu a entrada da África do Sul na Parceria para uma Transição Energética Justa, por meio da qual Estados Unidos, União Europeia e outros países se comprometeram a oferecer bilhões de dólares para apoiar uma transição equitativa limpa no país, abandonando a dependência do carvão em prol da energia limpa.
Espera-se que Ramaphosa mantenha a ambição climática em seu segundo mandato, inclusive com a assinatura da esperada Lei das Mudanças Climáticas, que deve estabelecer a primeira base jurídica da ação climática no país. No entanto, a implementação de soluções mais caras e complexas para o clima pode ser um desafio diante do contexto social e econômico da África do Sul.
México
A Cidade do México ganhou as manchetes no início de 2024 em meio a especulações de que as torneiras da cidade poderiam secar em poucos meses. Felizmente, o “Dia Zero” não aconteceu – mas evidenciou a crise hídrica do México. Em maio, mais de dois terços do país sofreram com secas moderadas a graves. E a escassez de água é apenas uma das muitas ameaças que o México enfrenta à medida que as mudanças climáticas se intensificam.
“Tanto os anúncios do gabinete quanto as prioridades de trabalho estabelecidas pelo presidente eleito são sinais promissores da importância que a agenda climática e ambiental terá na nova administração.” – Avelina Ruiz, WRI México
A próxima administração do país poderá estar em uma posição única para enfrentar esses desafios. A presidente eleita, Claudia Sheinbaum, que venceu as eleições de 2 de junho com uma vitória surpreendente e esmagadora, não é apenas a primeira mulher a ocupar a presidência do país, mas também tem doutorado em Engenharia Ambiental e um histórico significativo. Como prefeita da Cidade do México, Sheinbaum trabalhou para expandir o transporte público e implantar uma das maiores usinas solares do mundo. Como uma das autoras do Relatório Internacional sobre Mudanças Climáticas do IPCC, ela também contribuiu para ampliar a conscientização sobre a urgência da questão climática e impulsionar ações no cenário global.
Avelina Ruiz, gerente de Mudanças Climáticas do WRI México, destacou a nomeação de Alicia Bárcena como Secretária de Meio Ambiente e Recursos Naturais. Bárcena possui um extenso histórico de atuação na agenda de desenvolvimento sustentável no México e em nível regional, como secretária executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. “Tanto os anúncios do gabinete quanto as prioridades de trabalho estabelecidas pela presidente eleita são sinais promissores da importância que a agenda climática e ambiental terá na nova administração”, afirmou Ruiz.
Depois de assumir o cargo, em 1° de outubro, Sheinbaum provavelmente continuará seus esforços para ampliar o transporte coletivo e a mobilidade pública, reforçar a segurança alimentar por meio da agricultura sustentável, conservar a biodiversidade e melhorar a gestão da água. Ela também defende o investimento em energias renováveis e a rápida descarbonização – embora a administração atual, do presidente Andrés Manuel López Obrador, com quem Sheinbaum está estreitamente alinhada, tenha sido criticada por apoiar a produção nacional de petróleo, mantendo a dependência econômica do país nesse setor.
Espera-se que o México retome seu papel como liderança internacional, apresentando um ambicioso compromisso climático nacional para 2025, que mostre como o país alcançará uma economia justa, resiliente e de baixas emissões.
União Europeia
Eleitores de 27 países da Europa foram às urnas em junho para as eleições do Parlamento Europeu, realizadas de cinco em cinco anos. O Partido Popular Europeu, de centro-direita, manteve a posição como o maior grupo parlamentar, mas terá de trabalhar em conjunto com o Partido Social-Democrata (segundo maior grupo), o partido econômico-liberal Renovar a Europa e o grupo de esquerda Verde para alcançar uma maioria centrista. O voto de protesto da direita, grupo para o qual a imigração é uma questão central, obteve ganhos consideráveis, formando um novo grupo parlamentar – chamado Patriotas pela Europa –, que agora constitui o terceiro maior grupo no Parlamento Europeu.
A meta da União Europeia de reduzir as emissões de carbono em 90% até 2040 (em relação aos níveis de 1990) continua sendo uma prioridade para a Comissão Europeia, mas Stientje van Veldhoven, do WRI Europa, considera que a Comissão terá que atravessar uma situação política desafiadora em vários países.
Ursula von der Leyen conquistou um segundo mandato como presidente da Comissão Europeia e, junto ao presidente do Conselho Europeu, António Costa, e Kaja Kallas, líder das relações exteriores, traçará o rumo do bloco pelos próximos anos no que diz respeito ao clima e ao desenvolvimento sustentável.
“Os três terão de trabalhar pelas principais preocupações apontadas pelos eleitores: custo de vida, defesa e competitividade”, afirma Stientje van Veldhoven, vice-presidente e diretor regional do WRI Europa.
Stientje Van Veldhoven também observa que, de forma preocupante, o clima não aparece entre as três principais áreas temáticas. Embora menos visíveis, contudo, as propostas do Green Deal europeu enquadram-se na bandeira da “competitividade industrial”. Essas propostas focam, entre outros tópicos, em transição energética, redes elétricas e minerais.
A União Europeia também precisa mudar suas políticas agrícolas para proteger as paisagens e adaptar a produção de alimentos a um clima que passa por mudanças constantes. Esse, porém, é um tema delicado, tendo em vista que agricultores de todo o continente foram às ruas nos últimos anos para protestar contra a legislação ambiental. Os esforços pela restauração da natureza podem enfrentar desafios semelhantes.
A meta da União Europeia de reduzir as emissões de carbono em 90% até 2040 (em relação aos níveis de 1990) continua sendo uma prioridade para a Comissão Europeia, mas Stientje van Veldhoven, do WRI Europa, considera que a Comissão terá que atravessar uma situação política desafiadora em vários países.
Reino Unido
Em uma vitória esmagadora, o Partido Trabalhista do Reino Unido, liderado pelo primeiro-ministro Keir Starmer, venceu as eleições gerais do país no início de julho, marcando a primeira mudança de governo desde 2010. A mudança trouxe consigo uma maioria significativa no Parlamento, que apoia a ação climática. “Acredito que há muito entusiasmo pelo fato de o novo governo ser uma força na agenda climática, ambiental e de desenvolvimento, tanto em âmbito nacional quanto no cenário global”, afirma Edward Davey, chefe do escritório do WRI Europa no Reino Unido. Davey acrescenta, no entanto, que antes o país precisa promover avanços internos, a fim de reassumir uma posição de liderança no cenário internacional.
Essa, agora, é uma possibilidade real, considerando as diversas prioridades de políticas climáticas estabelecidas pelo Partido Trabalhista em seu manifesto – e que já começaram a ser postas em prática. Uma das metas do Reino Unido é atingir o zero líquido até 2050, um objetivo que exigirá uma reforma do sistema de planejamento, com foco em promover uma transição justa.
“Acredito que há muito entusiasmo pelo fato de o novo governo ser uma força na agenda climática, ambiental e de desenvolvimento, tanto em âmbito nacional quanto no cenário global.” – Edward Davey, WRI Europa
Outras prioridades climáticas incluem a criação de uma nova instituição de 8,3 bilhões de libras (US$ 10,6 bilhões) para investir em tecnologias energéticas de ponta e apoiar a produção local de energia; a criação de uma nova operadora nacional do sistema de energia; decisões sobre o futuro da energia nuclear, captura e armazenamento de carbono e hidrogênio; e novos compromissos nas áreas de água potável, uso sustentável da terra e proteção da biodiversidade. Nos primeiros dias no poder, o Partido Trabalhista já demonstrou seu comprometimento com a ação climática, acabando com o bloqueio da administração anterior ao desenvolvimento da energia eólica onshore.
Davey conclui destacando que é provável que vejamos ações focadas em “fazer avanços rápidos visando a emissões líquidas zero no âmbito doméstico, aliadas a um foco renovado na diplomacia e parceria com outros países”. A força dessa liderança no cenário internacional depende também se o Reino Unido vai se juntar e impulsionar alianças climáticas de alta ambição, bem como o ritmo e a natureza da resposta ao objetivo da ONU de que os países desenvolvidos invistam 0,7% do PIB em financiamento internacional para o clima, natureza e desenvolvimento.
França
Depois de um segundo turno nas eleições parlamentares francesas no início de julho, nenhum grupo obteve maioria absoluta. Uma coligação de partidos de esquerda e ambientalistas, a chamada Nova Frente Popular (NFP), conquistou o maior número de assentos na Assembleia Nacional por uma pequena margem. O partido centrista do presidente Emmanuel Macron e o partido de extrema direita liderado por Marine Le Pen vieram logo em seguida.
As mudanças climáticas não foram destaque na campanha para essas eleições, ofuscadas por questões como aposentadoria e a política de imigração. O principal partido verde do país viu a sua cota de votos cair de 13% para apenas 5%, enquanto o partido de extrema direita – que se opôs à redução dos combustíveis fósseis e a outras ações climáticas – passou para mais de 30%.
A NFP, que conquistou a maior parte dos assentos parlamentares, menciona a ameaça das mudanças climáticas de forma explícita em seu manifesto. A coligação defende o aumento das energias renováveis e a expansão da produção nacional de tecnologias limpas, entre outras prioridades relacionadas ao clima. Macron, eleito pela primeira vez em 2017, ainda não nomeou um novo primeiro-ministro – cuja tarefa será lidar com um parlamento fragmentado (uma situação incomum para a França, mas comum em outros países europeus). No momento em que este artigo foi escrito, o nome do próximo primeiro-ministro francês, assim como o rumo do país na ação climática, permanece incerto.
Olhando para o futuro
A apenas alguns meses do final do ano, outras eleições que terão impacto na forma como o mundo responde às mudanças climáticas ainda não aconteceram – incluindo a dos Estados Unidos, o segundo maior emissor de gases de efeito de estufa e ator central para o financiamento climático.
Para traçar um futuro mais resiliente em todo o mundo, é imperativo que os líderes e governos eleitos em 2024 trabalhem em conjunto para aumentar a ambição de forma coletiva – assim como o financiamento climático para apoiá-la – em oportunidades como a da 29ª Conferência Climática da ONU (COP29), que acontece em novembro. Os países também precisam acelerar rapidamente as ações concretas, começando por apresentar compromissos climáticos nacionais mais ambiciosos no início de 2025.
As decisões e ações tomadas pelas lideranças hoje – assim como a pressão pública e o apoio a essas medidas – terão um impacto profundo na trajetória do planeta ao longo de gerações.
Como parte do Stories to Watch, os diretores e especialistas em clima e políticas públicas do WRI têm acompanhado as eleições ao longo do ano e seu impacto nas políticas climáticas. Entre os colaboradores deste artigo, publicado originalmente no Insights, estão: Varun Agarwal, Edward Davey, Mani Bhushan Jha, Katie Ross, Avelina Ruiz, Stientje van Veldhoven, Tjokorda Nirarta “ Koni ” Samadhi, David Waskow e Arief Wijaya. Este artigo foi escrito pelas editoras do site do WRI, Nicole Greenfield e Maggie Overholt.