O home office tem sido adotado por governos e organizações como medida de distanciamento social para conter a pandemia do novo coronavírus, causador da doença Covid-19. Em um momento que testa nossas cidades de diversas maneiras, a disseminação abrupta do trabalho remoto demonstra a oportunidade até então subaproveitada de otimizar deslocamentos a partir de soluções sustentáveis ou da redução de viagens não essenciais. Tal mudança pode salvar vidas e promover o bem-estar como resultado de melhor qualidade do ar e redução dos congestionamentos e acidentes.

Apontado como uma das grandes tendências do futuro do mundo corporativo, o home office tem potencial para beneficiar empresas, funcionários e a população de forma mais ampla. No Brasil, até 60% dos deslocamentos nas cidades são realizados por motivo de trabalho, e as pessoas gastam em média 15 dias por ano se deslocando. Além de “devolver" parte desse tempo às pessoas, a redução de deslocamentos pode trazer outros benefícios ao país:



Organizações também devem olhar para o home office como uma oportunidade econômica. Estudos mostram que trabalhar em um ambiente satisfatório, enfrentar menos interrupções e não precisar se deslocar até o trabalho melhoram a disposição dos funcionários, e que isso tudo faz bem para a produtividade de quem tem perfil adequado a esse regime de trabalho.

Um novo normal em tempos anormais

Em tempos de coronavírus, o home office tem sido mais desafiador do que o usual e não serve como demonstração justa dos benefícios da modalidade. A profusão de informações e angústias se reflete na capacidade de concentração e no bem-estar das pessoas. A sensação de solidão, um dos desafios para quem adota o trabalho de casa, é agravada, já que o tempo livre também é vivido em isolamento. Mas a realidade do home office é outra.

Em um levantamento deste ano da empresa de software de marketing digital Buffer e da agência de trabalho remoto AngelList com 3,5 mil pessoas que trabalham total ou parcialmente de forma remota, 98% delas disseram querer continuar no regime pelo resto da carreira. O principal benefício mencionado pelos participantes segue sendo a flexibilidade de horário e local de trabalho. Para as duas empresas americanas, “a pergunta não é mais ‘o trabalho remoto veio para ficar?’. Parece, inclusive, que o trabalho remoto é o novo normal".

Lançada em 2017, a publicação Estratégias de Mobilidade Urbana para Organizações traz o estudo de caso de uma empresa brasileira do ramo da celulose que à época fez um piloto em que 41 de seus cerca de 4 mil funcionários passaram a trabalhar remotamente em tempo integral. Com um plano elaborado em conjunto com uma consultoria, a ação teve resultados animadores. Dos participantes, 75% perceberam melhorias na qualidade de vida e 64% sinalizaram aumento de produtividade.

Os ganhos para a mobilidade também foram estimados: em um ano, a medida evitaria mais de 3 mil deslocamentos motorizados, geraria economia de R$ 2 mil em despesas de cada colaborador com seu veículo e eliminaria 13,5 toneladas de CO2 equivalente. A empresa poderia reduzir custos reduzindo o espaço do escritório em 30%. E cada participante “recuperaria" 114 horas economizadas em deslocamentos evitados por ano para conviver com amigos e famílias e dedicar-se a atividades pessoais, por exemplo.

A adoção não planejada da modalidade para frear o Covid-19 também tem desafiado organizações. Na impossibilidade de planejar a incorporação da nova cultura de trabalho, o jeito é aprender fazendo. Em um cenário normal, organizações podem preparar a mudança com diversas ações, que incluem fornecimento dos equipamentos para o trabalho e a comunicação com a equipe e a disponibilização de suporte remoto do departamento de tecnologia da informação. Estas e outras ações estão disponíveis na publicação sobre mobilidade corporativa do WRI Brasil, que contou com colaboração de diversas entidades (o capítulo sobre teletrabalho conta com o conhecimento da SOBRATT).

O Brasil está preparado?

Para que o home office – e o trabalho remoto em geral – possa ser adotado de forma mais ampla, o Brasil também precisa avançar em outras frentes. No papel, o país dispõe, desde 2017, de legislação trabalhista com definições mais claras de como o trabalho remoto deve ser realizado. No território, porém, há desigualdade no acesso à infraestrutura digital em todos os níveis.

A disponibilidade e a qualidade da infraestrutura são muito diferentes na região Sul e na Amazônia, por exemplo. E dentro dos estados, é muito desigual entre capitais e Interior. Mesmo em uma mesma região metropolitana, há bairros com fibra ótica disponível, e áreas afastadas onde o acesso ainda é precário tanto por rede celular quanto por conexão física.

A consolidação de infraestruturas digitais no território, abordando as iniquidades territoriais, precisa ser tratada com seriedade pelas políticas públicas que orientam o planejamento e os investimentos em infraestrutura. Esses desafios têm sido abordados no processo de elaboração da Carta Brasileira para Cidades Inteligentes, texto que vai definir diretrizes para a elaboração de políticas públicas, a implementação e o financiamento de projetos de cidades inteligentes pelos municípios, além de alimentar a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano.

À medida que os governos redefinem suas prioridades em função da crise de saúde pública e da já esperada crise econômica, não podem deixar de priorizar investimentos em cidades mais resilientes, equitativas e de baixo carbono. Neste cenário, organizações podem ser parceiras das cidades fazendo a sua parte, adotando estratégias de Gestão de Demanda de Viagens (GDV). Um exemplo são os Planos de Mobilidade Corporativa, que incentivam deslocamentos ao trabalho mais sustentáveis e eficientes em relação ao automóvel e à motocicleta. Quem sabe, neste cenário, o home office não se torne “um novo normal" – que não vai substituir por completo o trabalho presencial, essencial em tantas áreas, mas poderá despontar como alternativa sustentável para os casos em que é viável, com benefícios para toda a sociedade.