Especialmente sensível às mudanças climáticas e à degradação do solo, a agropecuária é também uma das principais responsáveis pelas emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). O agro brasileiro responde por 30% das emissões brasileiras e 7% das emissões globais. Para enfrentar esse cenário, criou-se o Plano ABC: uma estratégia para transformar o setor em exemplo de produção com baixa emissão de carbono.

Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura. Tão grande quanto o nome é a ambição do Plano ABC para os produtores rurais do país: estimular e monitorar a adoção de práticas que reduzam emissões e gerem resiliência sem comprometer a produtividade e o crescimento do setor (projetado em 30% até 2030). Mas como? Com práticas que aliam conservação e resultado econômico, entre elas a recuperação de pastagens degradadas e a otimização do uso do solo.

Lançado em 2010, o plano já destinou mais de R$ 17 bilhões para práticas sustentáveis. Ano que vem é o limite para o cumprimento das metas, mas o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) já anunciou que deve lançar uma nova fase do ABC, com objetivos para a próxima década.

Como acelerar a transformação?

Um dos principais estímulos para os produtores é o Programa ABC, maior linha de crédito para agricultura de baixa emissão de carbono no país, que oferece taxas de juro diferenciadas a produtores que implementarem projetos de recuperação de pastagens e florestas ou adotarem tecnologias de produção que contribuam para a redução das emissões de GEE.

Além do crédito rural, o plano também prevê ações de transferência de tecnologia, pesquisa e desenvolvimento, regularização fundiária e ambiental, campanhas publicitárias informativas e capacitação de técnicos e produtores.

O abc do ABC

O acesso aos recursos financeiros está condicionado à adoção de práticas e tecnologias que se enquadrem em algum dos programas que compõem o Plano ABC. Saiba quais são eles, as metas estabelecidas para 2020 em cada um e os resultados parciais divulgados pelo Mapa no fim do ano passado:

1) Recuperação de Pastagens Degradadas: além de prejuízos em produtividade e resiliência, a degradação de pastagens resulta em perda de cobertura vegetal e de matéria orgânica no solo, o que leva ao aumento da emissão de CO2 para a atmosfera, principal gás de efeito estufa.

Meta e resultado: recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e mitigar 83 milhões a 104 milhões de toneladas de carbono equivalente (t CO2eq). Entre 2010 e 2018, foram recuperados 4,46 milhões de hectares de pastagens degradadas (30% da meta) e mitigados 16,9 milhões t CO2eq (18% da meta).

Gado em meio a floresta em sistema iLPF (foto: Rodrigo Alva/Embrapa)

2) Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF) e Sistemas Agroflorestais (SAFs): iLPF é uma técnica que permite integrar, num mesmo espaço, produção agrícola, criação de gado e silvicultura. SAFs combinam espécies florestais com lavouras tradicionais. Além de benefícios ecológicos, são técnicas que geram retorno financeiro pelo aumento da produtividade na agropecuária e pela exploração dos frutos e da madeira.

Meta e resultado: estimular a adoção de 4 milhões de hectares de iLPF e mitigar 18 milhões a 22 milhões t CO2eq. Entre 2010 e 2016, foram convertidos 5,83 milhões de hectares em iLPF (146% da meta) e mitigados 22,11 milhões t CO2eq (111% da meta).

3) Sistema Plantio Direto (SPD): o plantio direto revolve o solo apenas na linha de semeadura, e usa material orgânico e palha de safras anteriores como adubo e alimento para o solo. Entre os benefícios do sistema, estão a conservação do solo, da biodiversidade e da água, além do aumento da eficiência da adubação e a redução do consumo de combustíveis fósseis e do uso de fertilizantes.

Meta e resultado: adotar 8 milhões de hectares de SPD e mitigar 16 milhões a 20 milhões t CO2eq. Entre 2010 e 2016, foram plantados 9,97 milhões de hectares em SPD (125% da meta) e mitigados 18,25 milhões t CO2eq (101% da meta).

4) Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN): a inoculação das sementes com bactérias capazes de fixar no solo o nitrogênio disponível na atmosfera reduz o uso de fertilizantes que contribuem para emissões de GEE.

Meta e resultado: adotar FBN em 5,5 milhões de hectares e mitigar 10 milhões t CO2eq. Entre 2010 e 2016, foram plantados 9,97 milhões de hectares utilizando FBN (181% da meta) e mitigados 18,25 milhões t CO2eq (182% da meta).

5) Florestas Plantadas: a produção de florestas plantadas de espécies nativas (como paricá e araucária) e exóticas (como pinus e eucalipto) contribui para a captura de CO2. Por aumentar a oferta de madeira, o plantio de exóticas também reduz a pressão sobre as matas nativas.

Meta e resultados: estimular o plantio de 3 milhões de hectares de florestas econômicas e mitigar de 8 a 10 milhões t CO2eq. Entre 2010 e 2018, foram plantados 1,1 milhão de hectares de florestas (37% da meta) e mitigados 2 milhões t CO2eq (25% da meta).

6) Tratamento de Dejetos Animais: o tratamento dos dejetos animais reduz a emissão de metano e produz adubo orgânico, com potencial redução do uso de insumos químicos que contribuem para a geração de GEE, além de possibilitar a conversão de biogás em energia.

Meta e resultados: estimular o tratamento de 4,4 milhões de metros cúbicos de dejetos animais e contribuir com a mitigação de 6,9 milhões de t CO2eq. Entre 2010 a 2018, foram tratados 1,7 milhões de metros cúbicos de dejetos sólidos de suinocultura (39% da meta), contribuindo com a mitigação de 2,67 milhões t CO2eq (39% da meta).

7) Adaptação às Mudanças Climáticas: além das tecnologias propostas nos primeiros seis programas, o Plano ABC também dedica um programa a estratégias de adaptação às mudanças climáticas em curso. O objetivo é promover sistemas diversificados e o uso sustentável da biodiversidade e dos recursos hídricos, com apoio ao processo de transição, a organização da produção, a garantia de geração de renda, a pesquisa (recursos genéticos e melhoramento, recursos hídricos, adaptação de sistemas produtivos, identificação de vulnerabilidades e modelagem), dentre outras iniciativas.

O futuro do plano

Técnicas como integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF) e Sistemas Agroflorestais (SAFs) poderiam se tornar a regra no setor, com benefícios para produtores e para a sociedade. A recuperação de pastagens degradadas, por meio do sistema silvipastoril e do manejo de pastagem ecológica, também está em sintonia com os compromissos nacionais e internacionais do Brasil na agenda de mudanças climáticas e de restauração em larga escala da paisagem florestal

O Plano ABC contribui para essa transformação, trazendo mais equilíbrio entre os estímulos à restauração de solos, pastagens e florestas no país e aos processos agrícolas tradicionais. Há espaço para aprimoramentos, e é um bom sinal o anúncio, pelo Mapa, de que o Plano ABC não termina, mas entra em nova fase a partir de 2020, quando o Brasil passará a perseguir as novas metas firmadas no Acordo de Paris: reduzir a emissão de GEE em 37%, até 2025 e 43% até 2030, em relação aos níveis de 2005.

Para a nova etapa, haverá alguns gargalos a se resolver, como a capacitação de técnicos e produtores, além da divulgação para que os recursos possam chegar aos produtores. A partir dos resultados obtidos, parece necessário estabelecer metas mais ambiciosas para tecnologias como iLPF e SAFs – além de fortalecer os meios para que áreas como a restauração de pastagens degradadas e as florestas plantadas também tenham suas metas atingidas.