As cidades nunca estiveram tão engajadas na ação climática.

Na Conferência do Clima da ONU de 2021 (COP26), mais de 1.100 cidades representando um quarto das emissões globais de CO2 se juntaram à iniciativa Cities Race to Zero (em português, Cidades na Corrida pelo Zero). Ao fazer isso, esses municípios se comprometeram com ações ambiciosas, inclusivas e equitativas para manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C. Em novembro, na COP27, espera-se que essas cidades apresentem seus avanços e informem como planejam cumprir seus compromissos.

Cidades são responsáveis por até 70% das emissões globais de CO2 e as áreas urbanas são especialmente expostas aos impactos das mudanças climáticas. A ação em escala municipal é fundamental para garantir um futuro inclusivo, resiliente, de zero carbono e voltado para a natureza, principalmente diante da crise global de energia que o mundo atravessa. Felizmente, as cidades ocupam uma posição estratégica para conduzir o tipo de ação climática ambiciosa que os cientistas afirmam ser necessária.

Pesquisas mostram que, com tecnologias e políticas nos setores de construção, transportes, materiais e resíduos, as cidades podem reduzir as emissões em 90% até 2050. Ao mesmo tempo, a transição para infraestrutura resiliente e de baixo carbono pode melhorar a qualidade de vida e a saúde das pessoas e oferecer acesso a oportunidades econômicas para os grupos mais vulneráveis ao sanar a lacuna de infraestruturas e serviços e urbanos.

Para ajudar as cidades nessa jornada, propomos três elementos essenciais para que possam avançar na ação climática:

1) Ação climática pelas pessoas

As cidades precisam equilibrar uma série de prioridades concorrentes. Em muitos locais, questões como saúde pública, habitação e crescimento econômico estão acima das mudanças climáticas entre as preocupações da população e dos governantes. Argumentos convencionais para medidas de mitigação e adaptação em geral são insuficientes para convencer as cidades a agir na escala e no ritmo necessários.

Para que tenham sucesso e novas motivações para agir, as cidades precisam estabelecer conexões entre seus objetivos ambientais, sociais e econômicos mais amplos e a ação climática – um conceito que costumamos chamar de “ação climática integrada”.

A ação climática integrada começa com planejamento integrado, o qual, por sua vez, deve buscar sinergias entre metas de mitigação e adaptação e outras prioridades locais, como crescimento econômico, ar limpo, segurança energética, habitação e acesso a serviços, entre outros. Não é difícil encontrar essas sinergias. As mudanças climáticas estão diretamente relacionadas ao combate de desigualdades sociais e econômicas. Pesquisa do WRI mostra como preencher a lacuna nos serviços urbanos – reduzindo as desigualdades que os moradores das cidades enfrentam no acesso a habitação digna, água limpa, sistemas de saneamento, eletricidade, transporte e oportunidades de trabalho – pode ser um dos mais poderosos argumentos para impulsionar uma ação climática ambiciosa.

Cidades de diversas partes do mundo já estão tomando a frente nessa luta. O Plano de Ação Climática da Região Metropolitana de Guadalajara (México), por exemplo, demonstra como a ação climática pode conduzir a colaboração intersetorial entre diferentes jurisdições. As nove cidades da região metropolitana de Guadalajara se comprometeram a atingir o zero líquido das emissões e a combater as desigualdades sociais e espaciais por meio de projetos em escala metropolitana, como uma nova linha de BRT de 42 quilômetros. A prioridade do projeto é oferecer aos grupos mais vulneráveis que vivem na região acesso a transporte público e a uma melhor qualidade do ar. 

De forma semelhante, em Mumbai, onde 50% da população vive em assentamentos informais, o Plano de Ação Climática municipal visa aumentar o acesso da população de baixa renda a habitações resilientes, espaços verdes e centros de saúde, para combater, ao mesmo tempo, emissões, riscos associados ao aumento das temperaturas e desigualdades socioespaciais. 

2) Implementação integrada

Projetos de mitigação e adaptação isolados, conduzidos por silos setoriais, não serão suficientes. As cidades precisam de uma abordagem sistêmica que impulsione a colaboração entre diferentes setores e espaços institucionais, incorporando efetivamente as metas climáticas em todas as principais tomadas de decisão, visando a um planejamento estratégico tanto em termos de orçamento quanto de uso do solo.

O Rio de Janeiro, por exemplo, incorporou metas de seu Plano de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática no atual plano estratégico de cinco anos (2021-2024) da cidade. Com isso, a atual gestão garante que a ação climática seja implementada de maneira transversal em diferentes departamentos municipais – da assistência médica à gestão de serviços ecossistêmicos, inovação e empregos verdes. Assim, também é possível garantir que os recursos necessários para a implementação sejam alocados de forma adequada.

O planejamento do uso do solo é muitas vezes um dos instrumentos políticos mais poderosos de que as cidades dispõem para implementar ações climáticas transformadoras. A cidade de Victoria Gasteiz, na Espanha, por exemplo, prioriza engajamento comunitário, usos compactos, mobilidade sustentável e espaços públicos e verdes em seu planejamento de uso do solo. Essas frentes podem impulsionar a mitigação, adaptação e equidade de forma simultânea. A troca do carro por modos de baixo carbono, como bicicleta e caminhada, permitiu à cidade reduzir as emissões de CO2 em 42%. A criação de áreas verdes ajudou a conter o espraiamento urbano, favoreceu a biodiversidade, diminuiu a poluição e o efeito das ilhas de calor e contribuiu para a gestão hídrica. A redensificação e requalificação da área central manteve as habitações acessíveis e aumentou o acesso a serviços urbanos essenciais, como transporte coletivo.

3) Unindo as pessoas certas

Os governos locais não operam de forma isolada, e muitas das alavancas para acelerar a mitigação, aumentar a resiliência climática e garantir benefícios equitativos estão além da autoridade direta das cidades. Uma pesquisa da Coalition for Urban Transitions estima que 37% do potencial de mitigação urbana exige ações colaborativas entre governos nacionais, estaduais e municipais.

A resposta à emergência climática requer o máximo apoio possível, em uma abordagem por meio da qual as cidades colaborem tanto entre si, em escala regional, quanto com empresas e com formuladores de políticas em âmbito federal para atrair investimentos para a ação climática urbana e, ao mesmo tempo, aumentar a ambição em escala nacional.

A Comunidade Climática do México é um exemplo de como governos subnacionais podem trabalhar juntos pelo desenvolvimento de zero carbono. A rede envolve atores municipais, estaduais e nacionais para promover treinamentos, trocas de conhecimento e apoio técnico personalizado para projetos que abrangem desde eficiência energética e soluções baseadas na natureza até transporte de baixo carbono. A rede também conecta os governos subnacionais com o setor privado para ajudar as cidades em suas promessas na iniciativa Cidades na Corrida pelo Zero.

A iniciativa Urban Water Resilience (Iniciativa de Resiliência das Águas Urbanas), do WRI, é outro exemplo da complexa governança necessária para a ação climática integrada. Por meio da iniciativa, uma coalizão que inclui institutos de pesquisa, atores da sociedade civil, agências de desenvolvimento, governos nacionais, empresas, grupos de investimento privado, bancos nacionais e consultorias atua para superar barreiras técnicas e financeiras para melhorar a resiliência hídrica em seis cidades da Etiópia, Ruanda e África do Sul. Em breve, a iniciativa lançará o Fundo de Adaptação da Água das Cidades Africanas (Fundo ACWA) para apoiar 100 cidades do continente africano no financiamento de medidas de resiliência hídrica urbana até 2032.

Ação integrada é ação rápida

Atingir o zero líquido das emissões até meados do século e aumentar rapidamente nossa resiliência a climas extremos é uma obrigação para que o mundo tenha alguma chance de enfrentar a crise climática. Para atingir esses objetivos de uma forma que fortaleça a justiça e a equidade, reduza a lacuna dos serviços urbanos e proteja a natureza, é preciso adotar uma abordagem integrada e colaborativa. Também são necessários mecanismos de responsabilização eficazes para garantir que tanto as cidades quanto seus parceiros cumpram seus compromissos.

As cidades finalmente estão fazendo promessas climáticas ambiciosas. Agora vem a parte mais difícil: transformar as promessas em realidade.


Artigo publicado originalmente no Insights.