As cúpulas climáticas anuais geram uma enxurrada de novos compromissos corporativos, e Glasgow não foi exceção. No entanto, o que diferenciou a conferência deste ano foi o nível de ceticismo de participantes, ativistas e até mesmo das empresas sobre se as promessas vão se tornar ações suficientes e mensuráveis. Um aumento de 1,5°C na temperatura global é previsto para o 2030, conforme o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Restringir o aquecimento a esse limite e prevenir os impactos climáticos mais severos depende das ações tomadas nesta década.

O mundo corporativo pode ser uma força de transformação positiva, promovendo inovações e ampliando soluções para as mudanças climáticas. Ou pode perpetuar sistemas obsoletos que lucram com práticas que ameaçam nosso futuro. Em um discurso durante a conferência, uma jovem ativista de Uganda, Vanessa Nakate, pressionou as lideranças corporativas: “Mostrem que são confiáveis. Mostrem sua honestidade. Estou aqui para dizer: provem que estamos errados”.

Então, o que de fato o setor privado prometeu na conferência deste ano? A seguir, estão três tópicos que se destacaram na COP26:

1. Transição para o zero líquido

Ao longo dos últimos anos, o conceito de zero líquido se tornou um caminho interessante para as empresas demonstrarem seu comprometimento com a ação climática. Mais de 30% das duas mil maiores empresas de capital aberto do mundo (por receita) prometeram atingir o zero líquido até a metade do século. No entanto, nem todas as promessas de zero líquido são iguais. A falta de padronização permitiu que o conceito fosse interpretado de várias maneiras, por exemplo:

  • Fontes de emissões incluídas no limite da meta;
  • Diferentes níveis de redução de emissões e velocidade na qual as emissões são reduzidas;
  • Estratégias e abordagens distintas para cumprir as metas.

O novo padrão da iniciativa Science Based Targets (SBTi, na sigla em inglês), lançado em outubro, visa resolver esse problema ao fornecer uma definição de “zero líquido” de base científica; o WRI é uma das organizações parceiras que fundaram a iniciativa.

Um anúncio que ocupou as manchetes durante a COP26 veio da Aliança Financeira de Glasgow pelo Zero Líquido (GFANZ, na sigla em inglês). O grupo é formado por 450 empresas de 45 países que administram juntas 40% dos ativos financeiros globais – o número de signatárias já aumentou em 25 vezes desde abril de 2021. Os termos do acordo exigem que os membros se comprometam a usar diretrizes com embasamento científico para zerar suas emissões líquidas até 2050, abrangendo operações, investimentos e atividades de empréstimo. São exigidas metas intermediárias e o compromisso com processos transparentes e regulares de divulgação e mensuração.

Ainda assim, pode haver uma lacuna entre a aspiração e a execução. Em uma entrevista à Bloomberg Green, nossa colega e Diretora de Mitigação Climática para o Setor Privado, Cynthia Cummis, observou que os compromissos da Aliança são voluntários e serão difíceis de fiscalizar.

Outros anúncios relacionados ao zero líquido feitos durante a COP26 foram:

  • O Pacto Global da ONU e a SBTi anunciaram que 1.045 empresas, representando juntas mais US$ 23 trilhões em capitalização de mercado (mais do que o PIB dos Estados Unidos), se juntaram à campanha Business Ambition 1.5°C (Ambição dos Negócios 1,5°C). Mais de metade delas se comprometeram a zerar suas emissões líquidas utilizando a estrutura da SBTi até 2050.
  • A iniciativa Net Zero Asset Managers (Gestores de Ativos pelo Zero Líquido) anunciou 92 novos signatários de um total de 220 investidores que administram US$ 57 trilhões em ativos.
  • Mais de 35 empresas assinaram uma declaração legalmente não vinculativa comprometendo-se a acelerar a transição para uma frota de carros e vans 100% livre de emissões.

Para que a sociedade como um todo atinja o zero líquido das emissões, a maior parte das empresas precisará descarbonizar entre 90% e 95% de suas cadeias de valor, de acordo com a SBTi. Esse nível de redução ressalta a importância de usar uma estrutura padronizada, com base científica, para orientar sua transição para o zero líquido. Caso contrário, o setor privado corre o risco de não contribuir de forma suficiente para as metas sociais e não conquistar a confiança ardorosamente reivindicada por Vanessa Nakate.

2. Desmatamento causado por commodities

Mesmo com todos os bloqueios ocorridos pelo mundo em 2020, a perda florestal nos trópicos aumentou 12% em relação a 2019 e continua em uma tendência ascendente. Dos 12,2 milhões de hectares perdidos em 2020, foi desmatada uma área do tamanho da Holanda (4,2 milhões de hectares) de florestas tropicais primárias, que abrigam uma imensa biodiversidade e funcionam como sumidouros globais de carbono. Esse tipo de desmatamento com frequência viola os direitos das comunidades indígenas e locais que têm cuidado de suas florestas por incontáveis gerações. Os povos em isolamento voluntário são alguns dos mais vulneráveis, uma vez que o desmatamento pode causar migrações, contato forçado com pessoas de fora e exposição a doenças para as quais possuem pouca ou nenhuma imunidade, entre outros problemas.

Uma análise recente do WRI mostra que acabar com a perda florestal entre os 141 países signatários iniciais da Declaração de Glasgow até 2030 evitaria o desmatamento de 32,8 milhões de hectares, uma área quase do tamanho da Malásia. Também implicaria 18,9 gigatoneladas equivalentes de dióxido de carbono (GtCO2e) em emissões evitadas – em torno de um quarto das emissões globais de gases de efeito estufa do setor de transportes entre 2009 e 2018.

Novamente, muito desse sucesso depende de ações do setor privado. Commodities agrícolas (carne, óleo de palma, soja, cacau, borracha, café e fibra de madeira de plantação) representam 40% do desmatamento em escala global e foram o foco de muitos anúncios corporativos durante a COP26.

No dia 6 de novembro, o Fórum dos Bens de Consumo, junto a 20 dos maiores varejistas e fabricantes do mundo, lançou a Forest Positive Coalition of Action (Coalizão de Ação Positiva pela Floresta) a fim de “conduzir e acelerar os esforços para remover o desmatamento não apenas das cadeias de abastecimento dos membros, mas também entre toda a sua base de fornecedores”.

Outros anúncios corporativos relacionados a florestas e desmatamento durante a COP26 foram:

  • Mais de 30 instituições financeiras que administram US$ 8,7 trilhões em ativos e fazem parta da Campanha Race to Zero (Corrida pelo Zero), da Convenção do Clima das Nações Unidas, se comprometeram a “fazer seus melhores esforços” para eliminar os riscos associados a commodities de seus investimentos e principais portfólios até 2025. As empresas precisam atender a quatro critérios mínimos para participar.
  • 10 empresas globais que juntas possuem uma receita anual de US$ 500 bilhões publicaram uma declaração de propósito, prometendo elaborar, até a COP27, “um roteiro compartilhado de ações robustas focadas nas cadeias de abastecimento” consistente com o limite de 1,5°C.
  • Foi prometido um total de US$ 19,2 bilhões para interromper a perda florestal e restaurar florestas – desse valor, US$ 7,2 bilhões vêm de investimentos privados.

Com base na maneira como muitos desses acordos foram escritos, será difícil garantir que sejam cumpridos. Para manter suas promessas, o setor privado deve priorizar os seguintes passos, de acordo com especialistas do WRI:

  1. Desenvolver planos claros de implementação, especificar indicadores de desempenho mensuráveis e estabelecer marcos específicos no caminho rumo às metas de 2030.
  2. Monitorar, reportar e verificar os avanços de forma aberta e regular.
  3. Agir de forma transparente – os limites e autorizações ou licenças de uso da terra não devem ser ocultos, e as empresas devem traçar e divulgar as origens das commodities que adquirem.

Os recursos, pesquisas e conhecimento que as empresas precisam para cumprir seus compromissos de desmatamento zero já estão disponíveis, como o Global Forest Watch Pro, uma plataforma online para gerenciar e monitorar o risco de desmatamento nas cadeias de abastecimento. Ao avaliar suas promessas e escolher os próximos passos, apenas os “melhores esforços” para impedir a perda florestal não serão suficientes.

3. Carvão e energia limpa

Atualmente, a produção e o uso energia representam uma das maiores fontes de emissões de gases de efeito estufa, responsável por 73% de todas as emissões globais. Na COP26, 46 países assinaram a declaração Global Coal to Green Power Transition (Transição Global do Carvão para a Energia Limpa), prometendo “acelerar a transição da energia gerada a partir de carvão sem abatimento de emissões” e “interromper a emissão de autorizações para novas usinas de geração de energia à base de carvão”.

O setor privado foi representado no acordo por 20 empresas signatárias. Embora os principais países consumidores de carvão não estejam na lista, e o número de signatários corporativos seja menor do que gostaríamos, o presidente da COP26, Alok Sharma, afirmou que “o fim do carvão está próximo” no mesmo dia em que o acordo foi anunciado. Para que essas palavras se tornem realidade, os maiores emissores do mundo e o setor privado precisam fazer mais, e rápido, para promover a transição para a energia limpa.

Promessas adicionais incluem:

  • Empresas de energia engajadas na Corrida pelo Zero e comprometidas a alcançar, até 2030, 750 gigawatts em capacidade instalada para geração de energia a partir de fontes renováveis.
  • 61 investidores que administram US$ 10 trilhões em ativos se comprometeram a eliminar “a maioria” dos ativos de carvão térmico até 2030 para os países industrializados e globalmente até 2040.
  • Foi lançada a First Movers Coalition (Coalizão Pioneiros), uma parceria público-privada de mais de 30 empresas com um capital de mercado de mais US$ 8 trilhões, com o objetivo de tornar tecnologias emergentes de energia limpa acessíveis e possíveis de ampliar.

Para evitarmos os impactos mais severos das mudanças climáticas, as fontes renováveis precisam gerar entre 55% e 90% do abastecimento global de energia – um aumento significativo em relação aos atuais 27% A boa notícia é que boa parte da tecnologia para atingirmos um futuro de energia limpa já está disponível e a um bom custo-benefício na maior parte do mundo. Ainda assim, serão necessários US$ 131 trilhões em investimentos até 2050 para alcançar a escala adequada.

Essa lacuna precisará ser amplamente financiada pelo setor privado, uma vez que é improvável que a quantia seja levantada por meio de fundos públicos. Porém, para que as empresas contribuam conforme o exigido, os governos devem remover as barreiras e incentivar o investimento em energia limpa por meio de políticas estratégicas. Essa é a premissa do Clean Energy Investment Accelerator (Acelerador de Investimentos em Energia Limpa), que reúne os setores público e privado para expandir soluções de energia limpa em mercados emergentes – incluindo México, Vietnã, Filipinas e Indonésia.

Próximos passos

Diversos outros compromissos corporativos foram feitos na COP26, nos setores de aviação, marítimo, de alimentos e veículos elétricos, entre outras áreas. Ainda assim, muitos detalhes do processo de implementação ainda não estão claros.

O lado positivo é que existem várias ferramentas de base científica e orientadas por dados que podem ajudar as empresas a dar os primeiros passos, monitorar resultados e a garantir um bom começo para suas promessas climáticas. Existem motivos para ter esperança. Mas as empresas terão de deixar para trás a forma tradicional de fazer negócios, envolver todas as partes interessadas para seguirem na mesma direção e operar usando modelos de negócio sustentáveis e equitativos para lidar de forma adequada com as mudanças climáticas. Isso significa aceitar o desafio lançado por Vanessa Nakate e “provar que estamos errados”.


Nota do editor: a menção dos anúncios neste artigo não implica qualquer endosso específico.

Este artigo foi publicado originalmente no Insights.