Eventos extremos estão se tornando cada vez mais frequentes e intensos no Brasil. É difícil comprovar por meio de estudos se as tempestades que assustaram São Paulo em março e o Rio de Janeiro em abril foram consequência direta das mudanças climáticas, mas ambos os casos ajudam a ilustrar como esse tipo de situação tem se tornado mais comum no país. Em dois dias, o volume de chuvas foi o maior em 22 anos na capital carioca, deixou pelo menos 10 mortos e levou a prefeitura a decretar estado de calamidade pública. São Paulo também parou e pelo menos 12 pessoas morreram.

Discussões sobre causa e consequência à parte, o fato é que as cidades precisam urgentemente trabalhar as suas vulnerabilidades para proteger os cidadãos. Um estudo recém-lançado pelo WRI junto à Comissão Global de Adaptação desenha um caminho para aumentar a resiliência dos centros urbanos e, ao mesmo tempo, reduzir distâncias sociais. Entre as recomendações principais está o uso de soluções baseadas na natureza como resposta a alagamentos, calor extremo e outros desafios.

O termo soluções baseadas na natureza foi cunhado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) para definir um conceito guarda-chuva que inclui abordagens para a restauração e conservação de ecossistemas, serviços de adaptação climática, infraestrutura natural, gerenciamento de recursos naturais, entre outras.

Pesquisas mostram que inundações, tempestades e aumento do nível do mar podem afetar mais de 800 milhões de pessoas no mundo, custando às cidades US$ 1 trilhão por ano até a metade do século.

Veja como alguns centros urbanos estão avançando e diversificando a adaptação climática ao optar por soluções verdes, que podem acompanhar ou substituir as chamadas infraestruturas cinzas, que são soluções convencionais e geralmente mais caras como canalização de rios, piscinões, aumento de reservatórios, diques, transposição de rios e de areia, entre outras.

Mais verde, menos calor

Com as médias de temperatura cada vez mais altas e batendo recordes históricos, aumentar a potência do ar condicionado não é uma solução sustentável – além de aumentar a demanda por energia, polui o ar com hidrofluorcarbonetos.

De tanto investir em infraestrutura cinza por cima das áreas naturais, Medelín precisou construir 30 corredores verdes nas áreas mais carentes de árvores na cidade. Os efeitos já começam a aparecer, com uma redução de 2ºC na temperatura, segundo a prefeitura da cidade colombiana.


Barcelona, uma cidade muito densa e com ambiente quase completamente construído também encontrou espaço para ir no mesmo caminho dos corredores verdes. Ambas as cidades têm o objetivo de dar conforto térmico à população, mas ao apostar nas árvores usufruem de outros benefícios como um ar mais limpo, solo mais permeável, melhores espaços de lazer e até um ambiente mais atrativo à biodiversidade.

Plantas no lugar de concreto

Os telhados verdes são basicamente uma cobertura vegetal para o que antes era apenas mais um pedaço de cimento na cidade. Assim, capturam água da chuva que antes iria direto para o sistema de drenagem e vão soltando aos poucos, visto que boa parte é utilizada pelas próprias plantas. Também ajudam a reduzir o uso de energia e até de barulho nos edifícios. Um teste feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo em edifícios no centro de São Paulo mostrou que a diferença entre as temperaturas máxima e mínima (amplitude térmica) em um dia de verão chegou a ser 6,7º C menor no telhado verde.

Os benefícios não ficam limitados ao edifício. Os topos de prédios convencionais refletem a radiação solar jogando mais calor para a atmosfera. Com plantas, eles absorvem essa energia. Por isso cidades incentivam a prática. Na Argentina, há desconto de impostos. Chicago, nos Estados Unidos, passou a pagar para empreendedores incluírem essas áreas no topo de novos edifícios e com isso conseguiu reduzir os alagamentos em 36%. A cidade americana viu até surgir uma empresa especializada em cultivar alimentos nesses jardins. A tendência aparece também em Paris, na França, onde um projeto de fazenda urbana de 14 mil metros quadrados para produção de alimentos está saindo do papel.

Cidades permeáveis

Ter mais plantas no lugar de superfícies impermeáveis como asfalto e concreto é uma medida elementar para evitar grandes alagamentos. Mas e transformar as cidades em grandes esponjas que absorvem água por todos os lados? Na China, uma iniciativa com 30 cidades parte desse conceito.

Uma das cidades que representam bem o projeto é Wuhan, uma cidade conhecida por ter 100 lagos, mas que a maioria foi pavimentada. Resultado? Problemas constantes de alagamentos. Em 2016, uma grande enchente acelerou as ações: mais de 38 quilômetros quadrados da cidade foram reformados. A partir de muitas superfícies agora permeáveis, túneis e grandes reservatórios, a água só é devolvida ao rio quando os níveis estão seguros. Até 2030, o objetivo é que as cidades que participam da iniciativa sejam capazes de capturar, reutilizar e absorver até 80% da água da chuva.

<p>Wuhan, na China, é uma das cidades que está se adaptando com superfícies permeáveis (foto: Brian Godfrey/Flickr)</p>

Wuhan, na China, é uma das cidades que está se adaptando com superfícies permeáveis (foto: Brian Godfrey/Flickr)

Proteger ecossistemas para salvar humanos

Restaurar ecossistemas costeiros que servem de proteção natural para as cidades também é uma maneira de colocar a infraestrutura verde a favor dos cidadãos. O relatório destaca um caso de sucesso na cidade de Quy Nhon, no Vietnã, que decidiu restaurar uma área de 150 hectares de mangue após um tufão em 2009 que deixou 122 mortos e R$22 milhões em perdas materiais.

Construções nas áreas de várzea foram proibidas temporariamente e o trabalho de restauração implementado em 2012. Atualmente, o mangue já ajuda a proteger a cidade de cheias e altas no nível do mar. Uma análise de custo-benefício estimou que os rendimentos dos empregos relacionados ao ecossistema de mangue dobraram.

A infraestrutura natural também pode beneficiar o acesso à agua da população. Um estudo do WRI Brasil calculou quanto custa investir em plantar florestas na bacia do sistema Cantareira, em São Paulo, e qual seria o benefício desse investimento, mostrando que a restauração florestal pode ser uma boa estratégia para enfrentar crises e melhorar a qualidade da água. Além disso, as análises mostraram que plantar florestas também faz sentido do ponto de vista econômico, reduzindo os custos para o tratamento de água.

Adaptação climática precisa ganhar escala

As soluções baseadas na natureza têm grande poder de transformação, mas exigem um entendimento profundo da realidade local, bom planejamento e soluções inovadoras de financiamento. A Comissão Global de Adaptação, que tem o WRI entre os membros e da qual fazem parte lideranças como Ban Ki-moon, ex-secretário geral das Nações Unidas, Bill Gates, criador da Microsoft e Kristalina Georgieva, CEO do Banco Mundial, é um esforço para estimular governos e lideranças do setor privado a darem atenção e maior escala a ações de adaptação.

Adaptar as cidades para as alterações climáticas exigirá também bons sistemas de informação e capacidade de resposta, além de ações concretas para melhorar as condições de vida de comunidades vulneráveis e assentamentos informais, utilizando-se da experiência e do conhecimento locais.