O dia 12 de dezembro de 2020 marcou o quinto aniversário do Acordo de Paris. A Cúpula da Ambição Climática, sediada por Reino Unido, França e Nações Unidas, celebrou a data. Líderes de governos de cerca de 70 países assinaram compromissos, junto a CEOs, prefeitos e lideranças da sociedade civil.

Muitos de nós estamos refletindo sobre uma questão fundamental: passados cinco anos, o Acordo de Paris está funcionando?

Em primeiro lugar, o próprio acordo precisa ser compreendido. Foi um experimento ousado, incomum e contraintuitivo de ação coletiva global por parte de 194 signatários. Ao contrário de qualquer manual, foi construído em torno de compromissos voluntários, sem penalidades previstas para o não cumprimento das promessas. Como um arranjo tão “faça-do-seu-jeito” poderia resolver a maior falha de mercado da história, na qual não faltam problemas com aqueles que pegam carona no esforço alheio? Com certeza os governantes prometeriam pouco e entregariam ainda menos, certo?

Essa aparente inconsistência foi na verdade a genialidade do acordo. Em 2015, política, economia e ciência não estavam em posição de firmar um tratado global, no estilo de cima para baixo, com imposições e pedidos de reparação. O contexto da época era suficiente apenas para dar início a um processo pelo qual compromissos inicialmente fracos seriam monitorados, revisados, concretizados e (assim se esperava) aprofundados a cada cinco anos. A hipótese era de que, a cada ano que passasse, a ciência estaria mais precisa, os custos tecnológicos cairiam, a economia de um futuro de baixo carbono se tornaria mais atrativa e a sociedade exigiria mais ambição.

O Acordo de Paris foi realista?

Essa era uma esperança realista? Ao que tudo indica, sim.

Em 2020, mais de 50 países se comprometeram a atingir a neutralidade de carbono até a metade do século, e mais de 100 declararam que logo anunciarão compromissos semelhantes. Desde 2015, mais de mil empresas assinaram o Science-Based Targets (em tradução livre, Metas Baseadas na Ciência), comprometendo-se com a descarbonização de suas cadeias de valor e com a transparência nos relatórios de progressos obtidos. Centenas de cidades estão estabelecendo metas de emissões líquidas zero e um número crescente de instituições financeiras segue por essa linha. Em setembro de 2020, Xi Jinping, presidente da China, surpreendeu o mundo ao anunciar o compromisso de atingir a neutralidade em carbono no máximo até 2060. Uma nova pesquisa do WRI mostra que antecipar esses prazos seria bom para a economia da China.

Compromissos como esses seriam impensáveis cinco anos atrás.

E por que estão fazendo isso? É porque o alerta é claro: esses governos e empresas sabem que estamos caminhando em direção a uma economia descarbonizada e que há vantagem competitiva em estar à frente na curva. Mercados financeiros, consumidores e trabalhadores recompensam esse comportamento. E a queda nos preços de energia renovável, armazenamento de baterias, veículos elétricos, redes inteligentes e sensoriamento remoto contribuem no cálculo para a tomada de decisão.

Então, a direção é clara e positiva. Mas, infelizmente, fazer melhor não é o mesmo que fazer o suficiente. Para limitar o aquecimento global a 1,5°C, o mundo precisa reduzir as emissões globais pela metade ainda na década de 2020, e novamente pela metade na década de 2030, e de novo na de 2040. Um novo estudo do WRI e da ClimateWorks Foundation descobriu que, para entrar nos trilhos da redução necessária até 2030, o mundo precisa acelerar o ritmo da adoção de energia renovável em seis vezes em relação às taxas atuais, eliminar o carvão cinco vezes mais rápido e aumentar em 22 vezes o uso de veículos elétricos. No que diz respeito ao desmatamento e à redução das emissões na agricultura, a situação tem piorado em vez de melhorar. Precisamos fazer o retorno nessa trajetória – e rápido.

Também estamos muito atrasados nos setores de financiamento e adaptação. Embora tenham ocorrido avanços mais significativos do que se esperava na integração de riscos e retornos climáticos no mercado financeiro – graças à Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD, na sigla em inglês) e outras inciativas –, o progresso em termos de apoio internacional para os países em desenvolvimento é mínimo. É algo que deve ser tratado de forma muito mais vigorosa se quisermos construir confiança e ter sucesso na próxima conferência climática das Nações Unidas (COP26), em 2021.

Da mesma forma, embora a adaptação tenha crescido rápido na agenda política – graças, em parte, à Comissão Global de Adaptação –, os recursos para a resiliência permanecem na faixa dos 25% dentro de todo o financiamento climático.

A década decisiva

Os admiráveis compromissos de atingir a neutralidade de carbono até a metade do século precisam ser analisados de maneira pragmática para que sejam estabelecidos planos específicos para a década de 2020 – por meio das chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas, ou NDCs. Depois da Cúpula de Ambição Climática, cerca de um quarto dos países anunciaram seus novos compromissos, e metade deles com avanços reais em termos de ambição. Mas isso não é suficiente. Aumentar a ambição nesta década decisiva é o desafio nos meses por vir.

À medida que olhamos para o horizonte dos próximos 12 meses até a COP26 em Glasgow, cinco tendências nos dão esperança de que a próxima década será decisiva:

Primeiro, uma mudança de mentalidade. Há um reconhecimento crescente de que não teremos sucesso a partir de mudanças graduais. Lideranças em governos e corporações agora têm esse entendimento.

Para atingir as metas de 2030 estabelecidas pelo Reino Unido (redução de 68% em relação aos níveis de 1990) ou pela UE (55%), por exemplo, serão necessárias algumas mudanças setoriais radicais. Daí suas decisões de eliminar a venda de veículos a gasolina e diesel até 2030 ou 2035. Precisamos de mais objetivos audaciosos como esses, mas isso vai exigir que governos, empresas e a população superem interesses profundamente arraigados, o que requer uma liderança não convencional.

Segundo, uma nova narrativa econômica. As pessoas, os economistas e as lideranças políticas cada vez mais reconhecem que políticas climáticas inteligentes melhoram a eficiência, promovem novas tecnologias e reduzem os riscos para investidores, o que leva a maiores investimentos e mais e melhores empregos. Nem todos os líderes possuem essa compreensão, mas a mensagem está se enraizando. Temos orgulho de saber que o WRI contribuiu para essa mudança, por meio de nosso apoio à Comissão Global sobre Economia e Clima e ao relatório histórico de 2018, “Destravando a história do crescimento inclusivo do século 21”.

Terceiro, o pacote de estímulo global de US$ 10 a 20 trilhões é uma oportunidade para acelerar o progresso da resiliência e da neutralidade em carbono. Existem evidências contundentes de que investir na economia limpa do futuro gera mais empregos e igualdade do que investir na economia cinza tradicional. Mas o cenário ainda está em aberto em relação a se vamos de fato nos recuperar melhor, com as informações hoje um tanto confusas. A União Europeia associou de forma direta seu pacote de estímulo ao Green Deal (que tem o objetivo de tornar a Europa o primeiro continente neutro em carbono até 2050), com cerca de 30% dos recursos da Covid-19 direcionados a investimentos amigáveis para o clima.

Quarto, a administração de Biden vai ajudar a restaurar a liderança dos Estados Unidos em relação ao clima. Um “G3” formado por Europa, China e EUA pode desempenhar um papel transformador ao desencadear a ação climática.

A liderança, é claro, não é um direito dos Estados Unidos. Precisa ser conquistada a partir de um forte compromisso nacional e do aumento do financiamento para os países vulneráveis. Nossa análise sugere que os Estados Unidos podem reduzir suas emissões em 50% até 2030, em relação aos níveis de 2005, e ainda assim beneficiar a economia. Mesmo no caso de um Senado não disposto a cooperar, existem diversas possibilidades de legislação, incluindo as relativas a HFCs, soluções baseadas na natureza e P&D em tecnologias verdes, como hidrogênio, captura direta do ar e armazenamento de baterias. E as ordens executivas oferecem ainda mais oportunidades.

Quinto, o poder crescente de cidadãos ativistas, em especial os mais jovens, traz muita esperança. No Sul Global e no Norte, grupos de justiça ambiental estão tornando explícita a relação entre mudanças climáticas, justiça social e racismo institucional. Para todas as organizações atentas, como o WRI, esse movimento desencadeou uma reflexão profunda e um compromisso ativo para abordar questões de diversidade, equidade e inclusão. Temos sido lembrados de forma poderosa que soluções globais precisam beneficiar todos os membros da sociedade – principalmente as pessoas no Sul Global e comunidades não-brancas – que sofrem primeiro e de forma mais intensa os efeitos das mudanças climáticas e de outros problemas ambientais.

A hora mais sombria é logo antes do amanhecer?

Estamos chegando ao fim de um ano terrível. As infecções e mortes causadas pela pandemia atingiram o ponto mais alto até aqui. Da mesma forma, o impacto das mudanças climáticas tem sido mais evidente este ano, com incêndios, tempestades, secas e inundações.

Não existe vacina para as mudanças no clima. Mas, do mesmo modo como devemos emergir da pandemia ainda este ano, também pode haver um ponto de virada na ação climática.

No WRI, acreditamos que esse ponto de virada é uma possibilidade real e estamos comprometidos a trabalhar duro para ajudar a inclinar a balança. Em nome de meus colegas na rede global do WRI, comprometo-me a redobrar nossos esforços, oferecendo pesquisas, dados e análises rigorosos e orientados para soluções, e a formar e participar de coalizões inovadoras para promover mudanças rápidas e sistêmicas. Se você tiver conselhos ou sugestões para o WRI, ou ideias de como podemos trabalhar juntos, gostaria muito de ouvi-las.