Cidades experimentam modelos de gestão de parques com participação da iniciativa privada
A gestão de parques urbanos é um desafio permanente nas cidades brasileiras. Garantir a manutenção destas infraestruturas e equipamentos vitais para o bem-estar da população e para a resiliência urbana requer recursos técnicos e financeiros, escassos nos contextos delicados que os municípios atravessam. É neste cenário que cidades têm implementado experiências de gestão com maior ou menor envolvimento de entes privados para contribuir para a oferta de espaços públicos de qualidade.
O acesso a essas áreas verdes interessa a todos os setores da sociedade. Quem não quer dispor de natureza bem cuidada e espaço para lazer, esportes e relaxamento, perto de casa ou do trabalho? Parques urbanos são pródigos em gerar as chamadas externalidades positivas. Além de benefícios à saúde, o bem-estar e a economia, são infraestruturas verdes que contribuem para a resiliência climática, a conservação da biodiversidade, a drenagem urbana e a redução das ilhas de calor.
Quando há má gestão, a situação se inverte. Parques malcuidados, sem manutenção, iluminação e segurança deixam de cumprir suas funções sociais e ambientais e ainda podem tornar-se foco de criminalidade e outros problemas. Este cenário é recorrente nas cidades brasileiras. Não seria possível – e justo – dividir a conta da gestão dos parques urbanos com setores econômicos beneficiados pela qualificação dessas áreas? De que alternativas dispõem os municípios para garantir o acesso à natureza e a espaços públicos de qualidade?
O envolvimento do setor privado na gestão de parques urbanos é um caminho possível, ao qual cidades têm recorrido na tentativa de contornar a falta de recursos para a gestão efetiva de suas áreas verdes. Em uma recente reunião das cidades brasileiras do Cities4Forests, Victor Hugo Costa e Rodrigo Góes, coordenador e gerente de projetos do Instituto Semeia, apresentaram um panorama dos modelos conhecidos, além dos processos e desafios para a elaboração de bons projetos.
O Instituto Semeia é uma organização que se dedica a impulsionar esses modelos no Brasil. Defendem que, se bem estruturadas, parcerias entre os setores público e privado são um caminho para que as pessoas tenham acesso a parques bem cuidados, com infraestrutura e serviços de qualidade. Mas há obstáculos financeiros, técnicos e jurídicos na estruturação de projetos robustos, que consigam atrair parceiros e garantir que as áreas cumpram sua função enquanto espaços públicos. O Semeia auxilia governos e secretarias a superar esses gargalos, além de produzir e disponibilizar materiais de conhecimento jurídico, guias práticos e outras publicações.
A iniciativa privada na gestão de parques públicos
Para o Semeia, uma parceria público-privada, em um sentido amplo, é um arranjo contratual entre ente público e ente privado em que o público define o escopo das atribuições de cada parte, e o privado faz a execução, por sua conta e risco, dentro dos regramentos impostos pelo ente público e pela legislação. Em parques urbanos, um modelo possível envolve prefeitura e/ou secretaria de meio ambiente atuando principalmente na fiscalização do cumprimento das obrigações ambientais, sociais e administrativas do parceiro privado.
Em alguns modelos – como nas concessões – pode haver autorização para que o parceiro privado desenvolva atividades comerciais na área concedida. Nesses casos, em geral a exploração comercial se dá sobre equipamentos como lanchonetes, estacionamentos, parques de diversões e museus, ou eventual aluguel de áreas específicas para eventos.
Em seu Guia Prático de Parcerias em Parques, o Semeia detalha modelos para parcerias na gestão de parques urbanos existentes no país, os diferentes encargos que podem ser incluídos nos contratos, bem como os processos para a implementação e gestão desses projetos, incluindo suas quatro principais etapas: Pré-avaliação, Estruturação, Licitação e Gestão do Contrato.
Diferentes soluções para diferentes contextos
Pelas múltiplas externalidades positivas, parques de qualidade geram valorização da terra urbana no entorno. Empresas da região se beneficiam de diferentes formas por ter espaços de qualidade nas proximidades, por fatores como valorização imobiliária, segurança pública, limpeza e embelezamento urbano, área de lazer e atividades físicas para os funcionários. Por isso, um dos modelos mais antigos e consolidados de parceria para gestão de parques urbanos é a adoção por empresas do entorno dessas áreas. Em linhas gerais, as adotantes custeiam parte das necessidades de manutenção e gestão do parque, com alguma contrapartida, como a autorização para instalar publicidade no parque adotado.
Porto Alegre dispõe, desde 1986, de legislação específica para a adoção. Na capital gaúcha, a adoção autoriza a adotante a fazer uso publicitário da área, sobretudo em totens da marca, mas em alguns casos também em eventos abertos ao público. É o caso do Parque Moinhos de Vento, o Parcão, adotado pela primeira vez em 2004. Em 2017, a cidade celebrou um novo termo de adoção com três empresas adotantes situadas próximas ao parque e a associação de moradores do bairro. Anualmente, há um concerto natalino no local, com orquestra e artistas nacionais de renome.
O termo inclui a restauração da pavimentação da área de passeio e a manutenção e de 250 bancos e 115 lixeiras, corte e reposição de grama e limpeza dos canteiros na área de 115 mil m2. A execução do termo é gerida por um conselho formado por prefeitura, empresas adotantes e pela associação de moradores, o que confere certo grau de participação da população na gestão do espaço público. Cabem à prefeitura segurança, fiscalização e podas.
Concessões e parcerias público-privadas
É comum que os investimentos necessários para conciliar o acesso a espaços públicos de qualidade e a preservação de áreas verdes acarretem investimentos altos demais para atrair adotantes, e extrapolem os recursos dos municípios, que acabam priorizando áreas como saúde, educação e segurança em detrimento do meio ambiente. Entram em cena as concessões, projetos que combinam geração de receitas para a empresa concessionária com investimentos, prestação de serviços ao público e pagamento de outorga variável.
Trata-se de um tema bastante novo. No Brasil, as concessões de parques começaram com parques naturais, em 1999, no Parque Nacional do Iguaçu. Nos últimos cinco anos, houve uma multiplicação no número de projetos, que aos poucos passaram a tratar também de parques urbanos. “Hoje, todas as regiões do Brasil já contam com projetos de parceria para parques, desde alguns em estado mais embrionário até projetos já em execução”, conta Rodrigo Góes, do Semeia.
A concessionária assume uma série de encargos como limpeza, manutenção, gestão de resíduos, promoção da biodiversidade, segurança e acessibilidade. O valor pago ao poder público pode ser atrelado ao desempenho no cumprimento das obrigações, bem como à avaliação dos próprios usuários. Por outro lado, a concessionária pode ser autorizada a fazer uso comercial de equipamentos e serviços.
A concessionária do Parque Ibirapuera, em São Paulo, explora equipamentos como lanchonetes, vestiários e estacionamento. Não há cobrança pelo acesso ao parque, uma área importante e muito querida pela população, que pode avaliar a gestão do parque por meio de um aplicativo para smartphone. Outro aspecto social e inclusivo é que o contrato também previu encargos de manutenção e melhoria de cinco parques na periferia de São Paulo, que despertam menos interesse da iniciativa privada.
Em 2019, o Parque Aldeia do Imigrante, em Nova Petrópolis (RS), foi concedido à iniciativa privada. No novo modelo, uma empresa ficou responsável pela revitalização, modernização e manutenção do complexo. O ingresso no parque, um dos principais atrativos turísticos da pequena cidade, já era cobrado pelo poder público (exceto de moradores, que seguem isentos) e é uma das fontes de receita da concessionária, que também loca o parque para eventos e oferece atividades e serviços como bares, restaurantes, locação de bicicleta e pedalinho e retratos personalizados.
Há casos em que as receitas geradas pela concessionária não dão conta dos custos da manutenção e dos demais encargos contratuais. Neste cenário, pode-se recorrer a uma parceria público-privada (PPP), tipo de concessão em que o poder público complementa as receitas para cobrir esses custos. No Brasil, o Semeia não mapeou nenhum exemplo já implementado de PPP para gestão de parque urbano. “Talvez o principal motivo seja a dificuldade de o poder público assumir compromissos financeiros de longo prazo em momento de restrição fiscal”, avalia Victor Hugo Costa, do Semeia.
A construção de um ambiente seguro
O envolvimento de entes privados na gestão de parques urbanos não é uma panaceia ou solução universal, tampouco permite ao poder público “lavar as mãos” em relação às áreas verdes. É fundamental garantir que essas áreas não sejam desvirtuadas de suas funções enquanto espaços públicos e que pertencem à coletividade. O maior beneficiário desses contratos deve ser a população, premissa amparada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Cidade, e a concessão de parque em bairros mais valorizados deve contribuir para a gestão de áreas que não tenham apelo para o mercado.
Em reunião anterior do Cities4Forests, Patrícia Sampaio, pesquisadora da FGV Direito Rio, falou dos desafios para a gestão urbana com envolvimento da iniciativa privada. A capacidade técnica das cidades para fiscalizar a execução dos contratos é apenas a ponta de uma cadeia de necessidades e responsabilidades. Cidades precisam construir um contexto seguro para esses novos arranjos, com planejamento e diagnóstico de todo seu sistema de áreas verdes, metas claras e objetivas, além de projetos embasados em análises técnica, financeira e jurídica. É importante envolver a sociedade, seja na gestão ou por meio de conselhos.
Parques devem contribuir para cidades mais resilientes e inclusivas, e isso independe do modelo de gestão. É oportuno observar as experiências de concessões no Brasil, aprender com seus acertos e tropeços e consolidar esse conhecimento para que, possivelmente, bons exemplos possam ser replicados por outras cidades.